Alimentos Orgânicos X Convencionais
Quando falamos em produção de alimentos orgânicos e convencionais a primeira preocupação que normalmente surge é: qual o melhor modelo de produção?
Em 2050 a população mundial será de 9,8 bilhões de pessoas e a produção de alimentos precisará aumentar em 70% (FAO, 2020), sendo essa a grande justificativa para os sistemas de produção convencionais, baseados em cultivares melhoradas e transgênicas, fertilizantes de alta solubilidade e produtos químicos para tratamento fitossanitário.
Porém, apenas esse enfoque tem trazido consequências visíveis sobre o meio ambiente e os ecossistemas. Por conta disso, é cada vez maior a pressão da sociedade pelo consumo de produtos obtidos em sistemas produtivos que não gerem impactos sobre o meio ambiente e a saúde humana.
A agricultura orgânica é um sistema de produção alternativo que tem a proposta de ser seguro e sustentável, baseado na interação dinâmica entre o solo, as plantas, os animais, as pessoas, o ecossistema e o meio ambiente. Além disso, a evolução dos sistemas de produção orgânicos, com maiores produtividades, tem aumentado a viabilidade desse sistema de produção.
Portanto, as principais características que distinguem alimentos orgânicos são:
a) a produção sem agrotóxicos e fertilizantes de alta solubilidade;
b) o planejamento do uso do solo, uso obrigatório de práticas conservacionistas, preparo mínimo, adubação orgânica com fertilizantes de liberação lenta e rotação de culturas; e
c) garantia de alimentos sadios, sem contaminação e de alta qualidade.
Agricultura Convencional
A agricultura convencional se desenvolveu fortemente nos anos 70, com a adoção de pacotes tecnológicos focados no desenvolvimento industrial e no uso de insumos importados, caracterizando a Revolução Verde.
Esse modelo possibilitou um aumento significativo da produtividade agrícola e pecuária. Além de viabilizar o desenvolvimento das exportações, fazendo com que os produtores alcançassem o mercado internacional, com valores mais atraentes. Desta forma, passou-se a produzir commodities.
É inegável a contribuição que a otimização da produção e o avanço da tecnologia trouxe para o campo. E também pouco provável que o setor consiga dar conta de toda a demanda por alimentos sem a atual agricultura convencional, mas o uso intenso de fertilizantes com alta solubilidade, fungicidas, inseticidas, herbicidas, entre outros produtos químicos, aumentaram muito a pressão sobre os agroecossistemas, induzindo o aparecimento de novas doenças, pragas, plantas daninhas e acelerando a degradação do solo.
A produção de alimentos no sistema convencional por grandes empreendimentos e em monocultura em grande escala alimenta 30% da população mundial e usa de 70% a 80% das terras aráveis, 70% da água e 80% dos combustíveis fósseis usados na agricultura (Altieri, 2015).
Agricultura Orgânica
A cada dia que passa os consumidores se tornam-se mais exigentes, aumentando a preocupação em consumir produtos seguros no aspecto toxicológico e com alta qualidade nutricional e funcional.
Além disso, outros fatores também são considerados, tendo preferência produtos que tenham sido produzidos dentro dos princípios de conservação do ambiente e de forma que considere os aspectos sociais.
Nesse contexto, de 2000 a 2017, a área agricultável mundial destinada a cultivos orgânicos aumentou 365%, quase 10% ao ano (FAO, 2020).
Segundo a legislação brasileira (Decreto 6.323/2007), os sistemas de produção orgânicos são aqueles em que se adotam técnicas específicas, mediante a otimização do uso dos recursos naturais e socioeconômicos disponíveis e o respeito à integridade cultural das comunidades rurais, tendo por objetivo a sustentabilidade econômica e ecológica, a maximização dos benefícios sociais, a minimização da dependência de energia não-renovável, empregando, sempre que possível, métodos culturais, biológicos e mecânicos, em contraposição ao uso de materiais sintéticos, a eliminação do uso de organismos geneticamente modificados e radiações ionizantes, em qualquer fase do processo de produção, processamento, armazenamento, distribuição e comercialização, e a proteção do meio ambiente.
Na agricultura orgânica, uma das diferenças para o sistema convencional é a necessidade de certificação do sistema de produção.
O processo de certificação é o ato pelo qual um organismo de avaliação da conformidade, credenciado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), dá garantia de que uma produção ou um processo foi avaliado e está em conformidade com as normas de produção orgânica.
A legislação brasileira para produção e comercialização de alimentos orgânicos prevê a regulamentação por três sistemas de certificação:
- Certificação por auditoria – A concessão do selo é feita por uma certificadora pública ou privada credenciada no MAPA.
- Certificação por sistema participativo de garantia da qualidade orgânica – Caracteriza-se pela responsabilidade coletiva dos membros do sistema, que podem ser produtores, consumidores, técnicos e demais interessados.
- Certificação por controle social na venda direta – Usado apenas para certificação dos produtos orgânicos da agricultura familiar. Exige credenciamento em uma organização de controle social cadastrada em órgão fiscalizador oficial.
A lei estabeleceu o uso do selo SisOrg para os produtos certificados (Figura 1).
Acima de tudo, tendo em vista a importância da avaliação da conformidade da produção orgânica, é fundamental o conhecimento das leis que regem esse sistema.
Nesse contexto, a Lei Nº 10.831/2003, trata das disposições iniciais sobre o tema, enquanto que o Decreto Nº 6.323/2007 regulamenta a Lei Nº 10.831/2003, especialmente relacionadas às questões de conformidade e certificação.
Por fim, foi publicada a Instrução Normativa Nº 46/2011 do MAPA, que posteriormente foi alterada pela Instrução Normativa 17/2014, que estabelecem o regulamento técnico para os sistemas orgânicos de produção, bem como as listas de substâncias e práticas permitidas para uso.
Convencional X Orgânico
O sistema de produção convencional não apresenta normas ou limitações ao uso de produtos químicos ou insumos, desde que estes possuam registro no MAPA e sejam autorizados para a cultura. Assim, são destacados a seguir aspectos específicos da produção orgânica que diferem do sistema convencional.
Certamente, na produção orgânica devem ser mantidos registros e identificações, detalhados e atualizados, das práticas de manejo e insumos utilizados.
Destaca-se ainda que é proibido o uso de reguladores sintéticos de crescimento na produção vegetal orgânica.
As sementes e mudas deverão ser oriundas de sistemas orgânicos, sendo proibida a utilização de organismos geneticamente modificados. Assim como o uso de agrotóxico sintético no tratamento e armazenagem de sementes e mudas orgânicas.
Acima de tudo, recomenda-se escolher espécies e cultivares de maior resistência e tolerância às pragas e doenças.
No manejo do solo, adota-se a rotação de culturas e a consorciação, incluindo princípios alelopáticos, trabalha-se com espécies e variedades adaptadas ao local, além de implantar quebra-ventos, cortinas vegetais e áreas de refúgio para a fauna.
Em primeiro lugar as plantas daninhas devem ser manejadas e não erradicadas. As ervas daninhas podem proteger o solo e servir de abrigo aos inimigos naturais das pragas da cultura.
O aumento da biodiversidade é sempre um objetivo da produção orgânica. Em áreas onde esteja sendo cultivada uma só espécie, deverão ser plantadas outras, de preferência nativas, para evitar a monocultura e estimular a biodiversidade.
Na produção orgânica, o solo deve proporcionar os nutrientes para as plantas, através da regeneração da sua fertilidade, dando preferência aos adubos orgânicos e minerais de liberação lenta.
Por outro lado para correção da fertilidade do solo é permitida a utilização de fertilizantes, corretivos e inoculantes que sejam constituídos por substâncias autorizadas na IN 17/2014. Como exemplo de fertilizantes permitidos, temos o composto orgânico, o vermicomposto, os adubos verdes, biofertilizantes obtidos de componentes de origem vegetal, os pós de rocha, o gesso, os calcários, a turfa, entre outros. Além disso, inoculantes, microrganismos e enzimas podem ser usados, desde que não sejam geneticamente modificados e não causem danos à saúde e ao ambiente.
A proteção das plantas é preferencialmente realizada através de medidas que aumentem a saúde do solo e a resistência das plantas.
Os principais aspectos que são observados para incrementar resistência das planta são a preservação do meio ambiente, adequado manejo do solo, nutrição equilibrada e cultivo adaptado às condições locais.
Somente poderão ser utilizadas para o manejo de pragas, nos sistemas de produção orgânica, as substâncias e práticas elencadas na IN 17/2014, como resultado, dando preferência às fontes naturais. Podemos citar por exemplo, os agentes de controle biológico de pragas e doenças, armadilhas de insetos, repelentes, feromônio e enxofre, calda bordalesa e sulfocálcica, sulfato de alumínio, pó de rocha, própolis, cal hidratada, extratos de plantas, óleos vegetais e derivados, óleos essenciais, óleo mineral, peróxido de hidrogênio, ácido acético, ácido cítrico, açúcar, bicarbonato de sódio, óleo de soja, óleo mineral, etc…
É vedado o uso de irradiações ionizantes para qualquer finalidade em todas as fases do processo produtivo, inclusive na pós-colheita e armazenagem.
São proibidos insumos que possuam propriedades mutagênicas ou carcinogênicas.
Na Tabela 1, são apresentadas algumas das principais diferenças entre os sistemas convencional e orgânico de produção.
Sistema de Produção Convencional | Sistema de Produção Orgânico |
Uso intensivo de adubos químicos, agrotóxicos e cultivares melhoradas transgênicas. | Uso de adubos orgânicos e controle alternativo de pragas, visando o incremento do equilíbrio bioquímico da planta, e uso de variedades crioulas mais adaptadas e resistentes. |
Sistema baseado em monocultura ou rotação com poucas espécies. | Sistema altamente diversificado. |
Maior probabilidade de degradação do solo e do ambiente, pelas práticas da monocultura, o uso intensivo de máquinas, e baixa biodiversidade etc… | Maior conservação do ambiente, pelo estímulo à biodiversidade e o uso integrado de práticas conservacionistas do solo e do ambiente. |
Uso intenso de insumos importados e de energia não renovável. | Uso de resíduos orgânicos e insumos alternativos de produção regional ou local. |
Maior risco de contaminação de trabalhadores e consumidores por componentes químicos. | Produção de alimentos livres de contaminação por agrotóxicos. |
Maior produtividade. | Produtividade menor. |
Menor preço dos produtos | Maior valor da produção. |
Maiores custos com insumos industrializados. | Maiores custos com mão de obra e certificação. |
CONSIDERAÇÕES
Em conclusão, ao analisarmos e compararmos a agricultura para a produção de alimentos orgânicos e convencionais, ficam evidentes as vantagens da agricultura orgânica nos aspectos sustentabilidade e qualidade. Mas não podemos deixar de destacar a necessidade que ainda há de suprirmos a demanda mundial de alimentos, pois o volume de produção ainda é fundamental.
Neste contexto, certamente, é essencial a pesquisa e o desenvolvimento com foco em novos insumos. Insumos que possam ser utilizados nos sistemas de produção orgânico e viabilizem o incremento da produtividade, tornando esse tipo de produção mais acessível à população mundial, sobretudo à mais carente.
Links relacionados:
– LEI Nº 10.831, de 23 de dezembro de 2003. Dispõe sobre a agricultura orgânica e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.831.htm#:~:text=LEI%20No%2010.831%2C%20DE%2023%20DE%20DEZEMBRO%20DE%202003.&text=Disp%C3%B5e%20sobre%20a%20agricultura%20org%C3%A2nica,Art.
– DECRETO Nº 6.323, de 27 de dezembro de 2007. Regulamenta a Lei nº 10.831, de 23 de dezembro de 2003, que dispõe sobre a agricultura orgânica, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6323.htm#:~:text=Decreto%20n%C2%BA%206323&text=DECRETO%20N%C2%BA%206.323%2C%20DE%2027,que%20lhe%20confere%20o%20art.
– Instrução Normativa Nº 46 de 06 de Outubro de 2011. Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/sustentabilidade/organicos/legislacao/portugues/instrucao-normativa-no-46-de-06-de-outubro-de-2011-producao-vegetal-e-animal-regulada-pela-in-17-2014.pdf/view
– Instrução Normativa Nº 17 de 18 de Junho de 2014. https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/sustentabilidade/organicos/legislacao/portugues/instrucao-normativa-no-17-de-18-de-junho-de-2014.pdf/view
– Instrução Normativa Nº 50, de 5 de novembro de 2009.
– Altieri, M. A. Agroecology: who will feed us in a planet in crisis. Paper presented at the Earth Talk. 2015. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=LKfiabQ-j0E
– FAO – Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura. Disponível em: http://www.fao.org/brasil/noticias/detail-events/en/c/901168/
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