(Curadoria Agro Insight)
A curadoria de hoje compartilha o trabalho dos pesquisadores Fabio R. Cavalcanti, Kelly Francine Cassuba; João Ccaetano Fioravanço sobre o uso de fungicidas alternativos no controle do míldio da videira.
A doença
O míldio da videira, é considerado como a doença que apresenta maior ameaça para esta cultura no mundo. O míldio é uma doença especialmente destrutiva na Europa e na metade Leste dos Estados Unidos, em regiões amenas e úmidas, não secas. O míldio pode afetar todas as estruturas da parte aérea da planta, como folhas, inflorescências e frutos (EL- SHARKAWY et al., 2018). Em casos extremos pode desfolhar a planta e causar perda total de produção (GESSLER et al., 2011).
Controle químico
O míldio da videira é controlado principalmente por meio de esquemas de pulverização de substâncias químicas que protegem a planta e erradicam o patógeno (GESSLER et al., 2011). A calda bordalesa (Bordeaux mixture, sul- fato de cobre + óxido/hidróxido de cálcio) representa a primeira proteção da história da Fitopatologia, e, ainda hoje, é usada na viticultura para o controle do míldio, pulverizada sobre a copa. Outras substâncias protetoras como, por exemplo, o oxicloreto de cálcio, o octanoato de cobre etc., podem ser utilizadas. Apesar de sua natureza “química” (inorgânica), substâncias à base de cobre são muito importantes na viticultura orgânica em várias regiões de produção no mundo, sendo ainda o veículo mais confiável para o controle do míldio nesse sistema (SELIM, 2013).
Contaminação do ambiente
Substâncias à base de cobre, apesar de serem eficientes e amplamente recomendadas para o controle de doenças, podem causar danos ao meio ambiente. Talvez o dano mais urgente seja a questão do seu acúmulo nos solos de vinhedos, principalmente em áreas de cultivo tradicionais e mais antigas.
Isso, porque o cobre aplicado como fungicida protetor de contato não é absorvido pelos tecidos vegetais, sendo carreado da planta para o solo através da ação mecânica do vento, da água da chuva ou de irrigação. Uma vez que o cobre no solo não é degradado, e possui taxas insignificantes de remoção por processos de lixiviação, escorrimento superficial ou absorção por raízes, este metal se acumula e permanece indefinidamente como potencial conta- minante, causando efeitos tóxicos em plantas, microrganismos e organismos do solo e de águas de mananciais, bem como na saúde animal e humana (LA TORRE et al., 2018). De acordo com Schaffer Júnior et al. (2003), doses muito altas e tóxicas do elemento cobre (acima de 100 mg de CuSO4 por kg de solo) foram evidenciadas na Serra Gaúcha, no Rio Grande do Sul. Tais doses tóxicas foram interpretadas como sendo consequência direta da aplicação de fungicidas em áreas de vinhedos.
Limite para a produção orgânica
A Instrução Normativa n° 17, de 18 de junho de 2014, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), estabelece que a quantidade máxima de cobre que pode ser aplica- da, em qualquer uma de suas formas, não deve exceder o valor de 6 kg ha-1 ano-1 (BRASIL, 2014), em viticultura orgânica. Esta determinação teve como finalidade regular um limite de deposição do metal no solo, como elemento utilizado na proteção de vinhedos. No mundo, quando não há a proibição, a tolerância para aplicações de cobre varia entre 0,3 e 6 kg ha-1 ano-1, tan- to para viticultura orgânica, quanto para o Manejo Integrado de Pragas e Doenças (MIPD) (LA TORRE et al., 2018).
As estratégias para redução do cobre usado no controle do míldio seguem em várias frentes, nos rígidos critérios da viticultura orgânica:
1) Novas formulações em tecnologia de aplicação – maximização da relação superfície/ volume (micronização) para incremento da adesão da substância ativa e di- minuição do escorrimento para o solo, com ou sem microencapsulação do cobre;
2) Redução de dosagem e misturas – desenvolvimento e validação de substâncias baseadas em cobre, mas com seu conteúdo reduzido na formu- lação final, como por ex. diluições com cálcio da calda bordalesa e misturas com enxofre, ou com outras formulações além do hidróxido, como oxicloreto e octanoato (FIORAVANÇO et al., 2015);
3) Investimento em coberturas plásticas;
4) Substituição por extratos biológicos e formulações naturais, revisados por Dagostin et al. (2011) – substâncias que produzem controle biológico e/ou induzem resistência vegetal, para o controle do progresso do míldio;
5) Adoção de cultivares apresentando resistência genética e
6) Adoção de siste mas de monitoramento, favorabilidade, alerta e predição de doenças.
Produção convencional
Com relação à viticultura convencional, outros produtos são distribuídos para o controle do míldio. A partir da segunda metade do século passado, foram disponibilizados fungicidas de baixo custo, sem cobre em suas misturas, testados para o controle do míldio, com boa eficiência no controle e reduzidos problemas de fitotoxidez sobre as plantas.
Outros fungicidas orgânicos sintéticos, competitivos, com princípios ativos como metalaxil-M, cimoxanil, benalaxil etc, são indicados até hoje para o controle do míldio. Mais recentemente, inibidores da oxidação de quinonas (QoIs), como estrubirulinas e diversos inibidores da biossíntese de celulose e da polimerização de rRNA também estão certificados para aplicação no controle de oomicetos (SELIM, 2013).
Substâncias baseadas em ácido fosforoso e fosfonatos (fosfitos) também são aplicadas para o controle do P. viticola em vinhedos. No entanto, tais produtos são catalogados geralmente como fertilizantes foliares, mesmo exercendo função de proteção da videira contra o míldio por meio de um mecanismo misto, não completamente elucidado, sobre o patógeno e por indução de resistência vegetal (CAVALCANTI et al., 2014).
Avaliação de produtos alternativos ao cobre
Três experimentos foram realizados no âmbito da Embrapa Uva e Vinho (Bento Gonçalves/RS) durante as safras 2015/16 e 2017/18 para monitorar a eficiência de três substâncias substituintes à calda de cobre e cálcio (mistura bordalesa).
O estudo avalia o desempenho de glucona de cobre, do fosfito de cobre e do oxicloreto de cálcio, substituintes à calda bordalesa para controle do míldio da videira, com potencial aplicação em qualquer modelo de viticultura.
Foi realizado o monitoramento da doença nas cultivares Cabernet Sauvignon (Vitis vinifera), em casa de vegetação, e Isabel (Vitis labrusca) em condições de campo.
Glucona de cobre e fosfito de cobre demonstram proteção do vinhedo ao míldio em níveis equivalentes aos garantidos pela calda bordalesa. Ambos os produtos são baseados em concentrações reduzidas de cobre (menores do que 10% do produto), com aditivos associados à ativação de respostas vegetais de defesa contra patógenos e/ou inibição direta sobre estruturas de infecção de Plasmopara viticola. Tais substituintes podem contribuir para a redução de inserções de cobre em vinhedos com histórico de utilização fre- quente desse elemento como fungicida de contato.
Oxicloreto de cálcio, mesmo aplicado semanalmente a 1 g/L, não promove percentuais seguros de proteção da videira contra o míldio.
BIBLIOGRAFIA E LINKS RELACIONADOS
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