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A carne de laboratório pode ser uma realidade?

A carne de laboratório pode ser uma realidade

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(Curadoria Agro Insight)

Olá Agronautas!

Muito tem se falado sobre a possibilidade de que em médio prazo, possamos estar comprando carne produzida em laboratório. Essa possibilidade já tem sido sugerida em filmes e séries de ficção. Mas na curadoria de hoje, trouxemos um artigo dos pesquisadores da Embrapa, Sergio Raposo de Medeiros, Fernando Rodrigues Teixeira Dias e Guilherme Cunha Malafaia, que aborda o tema de uma forma muito didática e que nos situa sobre a real possibilidade da carne de laboratório virar um produto acessível a todos.

O artigo é na verdade o Boletim do Centro de Inteligência da Carne Bovina (CiCARNE) número 38 (Análise da equipe de especialistas). O CiCARNE disponibiliza dados e informações relevantes para a cadeia produtiva da carne bovina brasileira.

Carne de laboratório: será o fim da pecuária como a conhecemos?

A carne cultivada em laboratório tem gerado gigantescas promessas. Esse texto visa investigar qual sua real perspectiva frente aos desafios que ela tem para se tornar realidade.

O que é a carne cultivada?

A carne cultivada é produzida a partir de células-tronco de músculo retirado por biópsia, portanto de um animal vivo, usando o soro fetal bovino como meio de cultura. As células-tronco podem se transformar em vários tipos de células e, neste caso, se diferenciam em células musculares. Estas células se ligam a uma armação que é colocada em biorreatores: tanques estéreis que fornecem calor, nutrientes e fatores para o crescimento para a produção de carne cultivada.

Ela seria uma fonte de proteína animal produzida mais eficientemente, evitando os impactos ambientais da produção convencional e atendendo consumidores contrários ao abate de animais. As células podem provir de qualquer espécie animal.

Qual é o potencial da carne cultivada?

Com origem na década de 1970, a tecnologia da produção de carne cultivada em laboratório foi recentemente capturada por investidores que já apostaram milhões de dólares em startups que prometem colocar rapidamente carne cultivada no mercado. A consultoria Kearney projeta para 2050 que a demanda mundial seria atendida em 35% pela carne cultivada, 25% pelas “carnes” baseadas em vegetais e 40% com as carnes convencionais. Apesar das empresas prometerem produtos para comercialização em 1 a 5 anos, analistas acreditam que a oferta firme no varejo ocorrerá mesmo daqui a 30 a 50 anos. Pesquisador da Universidade de Newcastle ressalta que seria necessária a produção

na ordem do septilhão de células por ano, contra uma capacidade instalada de um bilionésimo dessa demanda global. Há, portanto, considerável distância entre as promessas e a realidade, principalmente quando consideramos os desafios à frente.

Quais são os maiores desafios?

Os principais desafios para a produção da carne cultivada são:

  • Escalar a produção

Há dúvidas de quais empresas serão capazes de arcar com os enormes custos para chegar à produção industrial.

Manter os meios de cultura funcionais e sem contaminação é complicado mesmo em condições de laboratório. O soro fetal bovino, além de não isentar do abate de animais, é muito caro. Meios de cultura alternativos podem ser ainda mais caros. Proteínas, que são fatores de crescimento, também são caras e há dúvidas se seus substitutos serão seguros ao consumo humano. É necessário o desenvolvimento de melhores materiais de suporte, a armação, para crescimento muscular satisfatório, e fazê-las em 3-D para dar estrutura tridimensional ao material para não se limitar a produzir carne de laboratório moída. Por fim, para evitar a necessidade de biópsia, pode-se usar linhagens celulares imortais, que se proliferam indefinidamente. Isso atenderia consumidores preocupados com o bem estar animal, embora aumentando a pecha de “antinatural”.

  • Ambiente e regulação governamental

Não havendo plantas industriais, os impactos ambientais da produção de carne cultivada são apenas especulativos, mas, como uma atividade intensiva no uso de energia, o impacto pode ser significativo. A regulamentação convencional da carne não servirá para essa nova realidade e já existem iniciativas para definir regulação e controle, porém trabalhando na incerteza, afinal, não há processos bem definidos. Mesmo questões tão simples como a deterioração e proliferação de microrganismos patogênicos na carne cultivada precisam ser pesquisadas para que seja possível definir as bases da regulamentação.

  • Aceitação pelo consumidor

Passar pela aprovação dos consumidores, incluindo vencer a resistência por ser um produto “de laboratório”, enquanto há forte preferência por alimentos naturais, deve ser o desafio mais decisivo. Além de sensorialmente aceitável (visão e paladar) e com preço competitivo, ela deve manter esses atributos consistentemente.

Por enquanto, é possível produzir fibras musculares desorganizadas, muito distantes do músculo real, e reproduzir a diversidade de músculos e sua complexidade deve demorar[2]. Vasos sanguíneos, nervos, gorduras intramusculares e o tecido conjuntivo influem nas características sensoriais da carne.

A vantagem da carne cultivada em ser enriquecida deve ser relativizada, pois o valor nutricional dos nutrientes depende das matrizes onde ocorrem. Além disso, alguns nutrientes resultam do metabolismo no animal, caso do ácido bovínico, cujos benefícios à saúde foram reconhecidos há poucas décadas. Portanto, replicar o valor nutricional da carne convencional é mais complicado do que parece.

Já existem alguns dados sobre a percepção dos consumidores quanto à carne cultivada. Um trabalho brasileiro mostrou que 2/3 de entrevistados consideram experimentar a novidade. Há consenso que os consumidores têm ainda muito pouca informação. De maneira até esperada, detalhes quanto aos métodos de produção atrapalham a promoção, enquanto que os benefícios ambientais e a ausência de abate, ajudam.

Considerações finais

Para alguns, a carne cultivada seria capaz de logo tornar a pecuária desnecessária, o que as informações acima contradizem. De fato, espera-se que essa indústria se desenvolva onde a pecuária seja limitada por circunstâncias locais e, ao contrário de a substituir, sejam uma opção a mais para garantir a segurança alimentar dos 9 bilhões de terráqueos em 2050.

BIBLIOGRAFIA E LINKS RELACIONADOS

A.T. KEARNEY: How Will Cultured Meat and Meat Alternatives Disrupt the Agricultural and Food Industry? (2019). https://www.kearney.comdocuments201522795757How+Will+Cultured+Meat+and+Meat+Alternatives+Disrupt+the+Agricultural+and+Food+Industry.pdf/06ec385b-63a1-71d2-c081-51c07ab88ad1

Chriki S, Hocquette J-F (2020) The Myth of Cultured Meat: A Review. doi: 10.3389/fnut.2020.00007

Doldgin, E. (2020). Will cell-based meat ever be a dinner staple? https://doi.org/10.1038/d41586-020-03448-1

Mattick et al. (2015) Anticipatory LCA of in vitro biomass cultivation for cultured meat production in the US. doi:10.1021/acs.est.5b01614

Miller, R.K. A 2020 synopsis of the cell-cultured animal industry. doi: 10.1093/af/vfaa031

Valente et al. (2019) First glimpse on attitudes of highly educated consumers towards cell-based meat and related issues in Brazil. PLoS ONE 14(8): e0221129. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0221129

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Tags: Carne cultivada, Carne de laboratório, cicarne, embrapa, Pecuária

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