(Curadoria Agro Insight)
Na curadoria de hoje trouxemos um artigo da pesquisadora da Embrapa Semiárido, Patrícia Coelho de Souza Leão, que traça um panorama sobre a produção de uvas de mesa no Submédio São Francisco.
Avanços e perspectivas da produção de uvas de mesa no Vale do Submédio São Francisco
A viticultura destaca-se como uma das mais importantes cadeias produtivas da agricultura irrigada no Nordeste brasileiro, sendo que, em 2018, 31% da produção nacional e 14% da área cultivada estavam concentrados no Submédio do Vale do São Francisco (IBGE 2020).
Novas cultivares
A uva é a terceira fruta na pauta de exportações do Brasil, atrás da manga e do melão, e o Submédio do Vale do São Francisco responde por 99% do total das exportações brasileiras dessa fruta desde o ano de 2002, com volumes que atingiram 49,3 mil toneladas em 2020, o que representou um aumento de 9% em relação à 2019 (COMEXTAT, 2021). Além da sua importância econômica, o cultivo da videira tem relevante papel social, pois gera até cinco empregos diretos por hectare. Em 2018, a uva e manga foram responsáveis pela criação de 100 mil empregos, segundo informações do Sindicato dos Produtores Rurais de Petrolina, sendo que a uva ocupou o 1º lugar na criação de novos postos de trabalho com 4.800, 4.410 e 4.540 empregos gerados nos anos de 2016, 2017 e 2018, respectivamente (BARBOSA, 2019).
Ao longo da última década ocorreu substituição de cultivares de uvas de mesa, mas não houve ampliação significativa das áreas cultivadas. Segundo o IBGE (2020), os volumes produzidos na região passaram de 232,8 mil toneladas em 2004 para 469,8 mil toneladas em 2018, um incremento de mais de 50%, enquanto a área cultivada, que em 2018 foi 10.068 ha, apresentou um crescimento neste mesmo período de 23%. Aumento de volumes produzidos em menor área cultivada foi possível pela substituição de cultivares de uvas de mesa tradicionais com sementes como ‘Itália’ e ‘Benitaka’ e sem sementes, como ‘Thompson Seedless’, ‘Sugraone’ e ‘Crimson Seedless’ por cultivares de uvas de mesa altamente produtivas desenvolvidas pela Embrapa e empresas privadas de genética internacionais.
Além do melhoramento genético por meio do desenvolvimento e adoção de novas cultivares mais produtivas, outras tecnologias introduzidas e adaptadas ao sistema de produção também contribuíram para aumentar a produtividade e assegurar a qualidade da uva o que foi observado nesta última década com ganhos significativos tanto nos rendimentos e volumes produzidos, como também, na oferta ao consumidor de novos tipos de uvas com sabor exótico, especial e maior teor de sólidos solúveis.
Um dos principais fatores limitantes ao crescimento das exportações pelo Submédio do Vale do São Francisco em meados da década de 1990 foi a produção concentrada em cultivares de uvas de mesa com sementes, especialmente na cultivar Italia. A necessidade de introdução, adaptação e viabilização técnica e econômica de cultivares de uvas sem sementes tornou-se, naquela época, o maior desafio para produtores, empresas e instituições de pesquisa. As pesquisas realizadas pela Embrapa Semiárido e instituições parceiras visando a introdução e avaliação de novas cultivares foi intensificada a partir de 1994.
As primeiras cultivares de uvas sem sementes comerciais ‘Thompson Seedless’, ‘Sugraone’ e ‘Crimson Seedless’ apresentaram características limitantes como baixa fertilidade de gemas, baixa produtividade, sensibilidade à rachadura de bagas e doenças, e produção concentrada em uma safra por ano com elevado grau de risco.
A redução significativa na rentabilidade econômica da produção de uvas dessas cultivares, consequência do alto custo de produção, perdas de safras causadas por chuvas e doenças, aliadas à cenários econômicos instáveis, trouxeram um segundo desafio para o setor produtivo e instituições de pesquisa: a necessidade de introduzir e desenvolver novas cultivares adaptadas para a produção de duas safras por ano e com produtividades elevadas e estáveis.
Deste modo, nesta última década, foram observadas grandes mudanças na cadeia produtiva de uvas de mesa, destacando-se a diversificação de cultivares e aumento da oferta de uvas sem sementes no mercado interno. Atualmente é cultivado um número superior a 20 cultivares de uvas de mesa desenvolvidas pela Embrapa e empresas privadas internacionais de melhoramento genético.
As cultivares de uvas de mesa estrangeiras introduzidas na região têm um papel importante nas mudanças observadas no sistema de produção, com impacto positivo na rentabilidade econômica e fortalecimento da cadeia produtiva. Entretanto, a falta de adaptação de uma parte das seleções e cultivares às condições ambientais do semiárido tropical, a suscetibilidade à doenças, o custo da licença (royalties) para a sua produção e as restrições quanto ao tamanho das áreas cultivadas e número de empresas licenciadas, impostas pelas empresas privadas de melhoramento, enfatizam a necessidade de independência tecnológica do país por meio do desenvolvimento de cultivares de uvas de mesa brasileiras e adaptadas àscondições ambientais das principais regiões produtoras.
A Embrapa por meio do programa de melhoramento genético ‘Uvas do Brasil’ tem o objetivo de desenvolver e ofertar ao mercado, novas cultivares com diferentes objetivos, uvas de mesa e para elaboração de vinhos, espumantes e sucos, adaptadas às condições ambientais das diferentes regiões produtoras do país.
Ao longo desta última década foram lançadas as cultivares de uvas de mesa ‘BRS Vitória’ (MAIA et al., 2012), ‘BRS Isis’ (RITSCHEL et al., 2013), ‘BRS Nubia’ (MAIA et al., 2013), ‘e mais recentemente, ‘BRS Melodia’ (MAIA et al. 2019) e ‘BRS Tainá’ (LEÃO et al. 2020), bem como ‘BRS Magna’ (RITSCHEL et al., 2012), para elaboração de sucos. As novas cultivares desenvolvidas pela Embrapa, especialmente a ‘BRS Vitória’ despertaram grande interesse e ampliaram rapidamente as áreas cultivadas, com um impacto econômico e social importante na viticultura tropical brasileira, especialmente no Vale do Submédio São Francisco.
Vale a pena destacar também as cultivares desenvolvidas por diferentes empresas internacionais de melhoramento genético, entre as quais destacam-se entre as mais importantes:
– Uvas brancas: Arra 15®(Grapa), Sugar Crisp®, Sweet Globe®, Cotton Candy® (International Fruit Genetics – IFG) e Autumm Crisp® (Sun Word)
– Uvas vermelhas: Sweet Celebration®, Candy Snaps® (IFG), Timco® (Sheegene), Scarlotta Seedless® (Sun World)
– Uvas negras: Sweet Saphire® (IFG), Sable®, Midnight Beauty® (Sun World).
Estas são citadas como exemplos, uma vez que mais de 70 cultivares desenvolvidas por estas empresas estão disponíveis para produtores.
A oferta de novas cultivares consolidou o consumo de uvas sem sementes no Brasil e reduziu os volumes importados, especialmente do Chile. Segundo informações da Seção de Economia e Desenvolvimento da CEAGESP (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo), principal entreposto de comercialização da fruta no país, de janeiro a junho de 2019, foram comercializadas 6,5 mil toneladas de uvas sem sementes brasileiras enquanto as importadas foram apenas 1,1 mil toneladas.
No mercado externo nota-se a tendência, a partir de 2019, de oferta regular de diferentes cultivares de uvas de mesa ao longo do ano, incluindo os meses do primeiro semestre em que a oferta é restrita nos mercados importadores (LIMA et al., 2019). Além disso, existe o interesse crescente pela diversidade, ou seja, uvas com diferentes formas, cores e principalmente sabores especiais e exóticos. Estas uvas tipo gourmet e destinadas a nichos de mercado apresentam forte tendência de crescimento. Entretanto, cultivares que apresentam cor branca, bagas grandes, firmes, crocantes, sabor neutro e agradável continuam sendo àquelas que encontram maior espaço no mercado externo. Do ponto de vista do produtor, a fertilidade de gemas e produtividades elevadas e estáveis são características imprescindíveis, mas a tolerância ou resistência as principais doenças que afetam a videira, ainda são objetivos a serem alcançados nas futuras cultivares de uvas de mesa, uma vez que as cultivares atuais não apresentam resistência a doenças.
No mercado externo, nota-se a tendência, a partir de 2019, de oferta regular de diferentes cultivares de uvas de mesa ao longo do ano, incluindo os meses do primeiro semestre em que a oferta é restrita nos mercados importadores (LIMA et al., 2019). Além disso, existe o interesse crescente pela diversidade, ou seja, uvas com diferentes formas, cores e principalmente sabores especiais e exóticos. Estas uvas tipo gourmet e destinadas a nichos de mercado apresentam forte tendência de crescimento. Entretanto, cultivares que apresentam cor branca, bagas grandes, firmes, crocantes, sabor neutro e agradável continuam sendo àquelas que encontram maior espaço no mercado externo. Do ponto de vista do produtor, a fertilidade de gemas e produtividades elevadas e estáveis são características imprescindíveis, mas a tolerância ou resistência as principais doenças que afetam a videira, ainda são objetivos a serem alcançados nas futuras cultivares de uvas de mesa. As cultivares atuais apesar de apresentarem alguma tolerância a doenças específicas, especialmente míldio, foram susceptíveis a outras doenças que afetam a cultura ou em condições de condições climáticas favoráveis à doença.
A oferta de novas cultivares de uvas brasileiras e internacionais aumenta a competição entre cultivares, promovendo a rápida substituição daquelas com características indesejáveis e menor aceitação entre os consumidores, por outras com características superiores capazes de despertar interesse dos consumidores e alcançar preços mais elevados. Portanto, a viticultura tropical no semiárido apresenta um movimento dinâmico crescente que exige investimentos e esforços públicos e privados no desenvolvimento de sistemas de produção adaptados para as características genéticas e necessidades de cada cultivar.
Sistema de produção
Aspectos do sistema de produção como sistema de condução, cultivo protegido, espaçamento, porta-enxerto, tipos de poda, densidade de brotos e de cachos, uso de reguladores de crescimento, manejo de água e nutrientes, controle fitossanitário, determinação do ponto de colheita, e uso de tecnologias para aumentar a vida de prateleira precisam ser ajustados para cada uma das cultivares de uvas de mesa.
Por outro lado, o Plano Nacional de Desenvolvimento da Fruticultura indica como principais gargalos tecnológicos da viticultura tropical:
- promoção e certificação de mudas;
- desenvolvimento e uso de insumos e agentes de controle biológico/naturais;
- agregação de valor às frutas e seus derivados;
- redução de perdas em pós-colheita;
- desenvolvimento de novas embalagens e formas de comercialização atraentes ao consumidor;
- diversificação varietal;
- estruturação de observatórios, cadastros e bases de dados para tomada de decisão pelos atores das cadeias produtivas;
- ampliação do uso de ferramentas da fruticultura de precisão;
- mecanização na fruticultura e uso de equipamentos de apoio para o monitoramento, com base na adoção de tecnologias da informação e do conhecimento;
- fortalecimento do uso intensivo de sistemas de alerta e tecnologias de mitigação de danos pela redução do impacto de riscos climáticos e perdas por fatores bióticos e abióticos associados ao clima;
- e desenvolvimento e promoção de indicações geográficas de frutas (LIMA et al, 2019).
Os desafios tecnológicos apresentados ressaltam a importância da organização dos diferentes elos da cadeia produtiva, das associações e cooperativas de pequenos e médios produtores e o fortalecimento de parcerias entre instituições públicas e privadas para garantir o crescimento sustentável da produção de uvas de mesa no semiárido brasileiro.
BIBLIOGRAFIA E LINKS RELACIONADAS
LEAO, P. C. de S. Avanços e perspectivas da produção de uvas de mesa no Vale do Submédio São Francisco. Toda Fruta – Boletim Frutícola, n. 15, p. 1-7, abr. 2021.
COMEXSTAT. Sistema de Estatísticas do Comércio Exterior. Exportação e importação geral. Disponível em http://comexstat.mdic.gov.br/pt/geral. Acesso em 11 de março de 2021.
BARBOSA, E. Fruticultura alavanca empregos no Vale do São Francisco. Folha de Pernambuco. https://www.folhape.com.br/economia/fruticultura-alavanca-empregos-no-valedo-sao-francisco/123315/. Acesso em 22.06.2020.
IBGE (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA). Pesquisa Produção Agrícola Municipal. In: Sidra: sistema IBGE de Recuperação Automática. Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: <https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/pam/tabelas>. Acesso em: agosto de 2020.
LEÃO, P. C. de S.; BORGES, R. M. E.; MELO, N. F. de; BARBOSA, M. A. G.; LIMA, M. A. C. de; FLORES, R. C.; MARQUES, A. T. B. ‘BRS Tainá’: nova cultivar de uvas sem sementes de cor branca para o Vale do São Francisco. Petrolina:Embrapa Semiárido, 2020.
LIMA, M. A. C. de; GUERRA, C. C.; BIANCHINI, F.; LEAO, P. C. de S. Pesquisa, desenvolvimento e inovação para a produção tropical de uvas para mesa, vinho e suco: situação atual e oportunidades. Petrolina: Embrapa Semiárido, 2019. 62 p. il. (Embrapa Semiárido. Documentos, 293).
MAIA, J. D. G.; RITSCHEL, P. S.; CAMARGO, U. A.; SOUZA, R. T. de; GROHS, D. S.; FAJARDO, T. V. M. BRS Melodia: nova cultivar de uvas sem sementes, com sabor especial de mix de frutas vermelhas, recomendada para cultivo na Serra Gaúcha, em cobertura plástica.Bento Gonçalves:Embrapa Uva e vinho, 22 p. il., color., 2019. (Embrapa Uva e Vinho, Circular Técnica, 144).
MAIA, J.D.G.; RITSCHEL, P.; CAMARGO, U.A.; SOUZA, R.T. de S.; FAJARDO, T.V.M.; NAVES, R. de L.; GIRARDI, C.L. ‘BRS Vitória’ Nova cultivar de uva de mesa sem sementes com sabor especial e tolerante ao míldio. Bento Gonçalves: Embrapa Uva e Vinho, 2012, 12 p. il., color. (Embrapa Uva e Vinho, Comunicado Técnico, 126).
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RITSCHEL, P.; MAIA, J. D. G.; CAMARGO, U. A.; ZANUS, M. C.; SOUZA, R. T. de; FAJARDO, T. V. M. ‘BRS Magna’ nova cultivar de uva para suco com ampla adaptação climática. Comunicado Técnico, 125, Embrapa Uva e Vinho, Bento Gonçalves, RS, 11p., 2012.