Por Ursula Maria Lanfer-Marquez*
Até recentemente, a preocupação dos profissionais de saúde em relação aos efeitos biológicos da clorofila na dieta era limitada, visto que a substância era principalmente associada à sua função de pigmento verde em plantas. No entanto, a crescente adoção do consumo de vegetais verdes pelo bem-estar e saúde levanta questões sobre os benefícios potenciais da clorofila.
Apesar da associação com a redução do risco de várias doenças, como câncer e doenças cardiovasculares, a falta de estudos diretos com clorofila isolada se deve à sua instabilidade química. Esta revisão busca explorar os possíveis efeitos biológicos da clorofila, considerando a propaganda que a associa a benefícios diversos para a saúde humana, apesar das limitações conhecidas em sua estabilidade e estudos científicos.
Desde a introdução do conceito de “alimento funcional” em 1984, as pesquisas têm se concentrado nas substâncias bioativas dos alimentos, como os fitoquímicos presentes em vegetais, explorando sua associação com a redução do risco de doenças crônico-degenerativas. Embora os alimentos funcionais não sejam considerados tratamentos para disfunções avançadas, eles são vistos como coadjuvantes na prevenção de doenças.
Estudos sobre substâncias antioxidantes na dieta indicam seu potencial para reduzir o risco de doenças como câncer e aterosclerose, embora a atribuição precisa dessa atividade biológica seja complexa, envolvendo vários componentes da dieta e hábitos de vida. A clorofila, promovida como benéfica à saúde, carece de evidências científicas conclusivas sobre seus efeitos positivos, destacando a necessidade de estudos mais aprofundados sobre sua estrutura, degradação nos vegetais e impacto no organismo humano para entender melhor suas contribuições potenciais para a saúde.
Estrutura química da clorofila
A clorofila, quimicamente complexa, não é uma molécula isolada, mas uma família de compostos semelhantes, incluindo clorofila a, b, c e d. Essas moléculas porfirínicas consistem em quatro anéis pirrólicos e um quinto anel isocíclico, com pontes metilênicas e um átomo de magnésio. O ácido propiônico no quarto anel é esterificado por um álcool acíclico, geralmente o fitol, conferindo hidrofobicidade. A clorofila a é a mais prevalente, compreendendo cerca de 75% dos pigmentos verdes em vegetais, enquanto a clorofila b difere ligeiramente na substituição no anel pirrólico II. Clorofilas c e d são encontradas em algas. Essa estrutura complexa é crucial para a função fotossintética e pode variar entre diferentes tipos de organismos fotossintéticos.
Degradação da clorofila em vegetais senescentes
Pesquisas utilizando marcação com isótopos indicam que o passo crucial para a perda total da cor da clorofila envolve a abertura do anel tetrapirrólico com a introdução de um átomo de oxigênio, mediado por um processo co-oxidativo catalisado pela enzima feoforbídeo a mono-oxigenase (Curty et al., 1995; Rüdiger, 1997). Esse processo foi corroborado por estudos posteriores de Hörtensteiner et al. (1998) e Matile et al. (1999). Os produtos primários dessa enzima são compostos incolores e fluorescentes, que se transformam rapidamente em catabólitos não-fluorescentes, cujas estruturas químicas ainda não foram completamente elucidadas (Oberhuber et al., 2001; Oberhuber, Kräutler, 2002; Takamiya et al., 2000; Wüthrich et al., 2000). Além da feoforbídeo a mono-oxigenase, outras enzimas oxidativas, como peroxidase e lipoxigenase, também podem contribuir para a descoloração da clorofila (Johnson-Flanagan, Spencer, 1996; Martinez et al., 2001).
Efeitos do processamento sobre a degradação da clorofila
Digestão e absorção da clorofila
Embora os potenciais benefícios da clorofila e seus derivados tenham sido amplamente divulgados, a absorção e metabolização do anel porfirínico em humanos ainda são pouco compreendidas. Estudos recentes sugerem que a clorofilina cúprica pode ser absorvida por células intestinais humanas, indicando um possível transporte ativo e passivo da clorofila através do intestino.
O fitol liberado durante a quebra da ligação éster da clorofila também é absorvido e convertido em ácido fitânico, associado à ingestão de carnes de ruminantes e produtos derivados do leite, bem como à absorção intestinal de fitol por peixes. O ácido fitânico, recentemente destacado devido a várias atividades biológicas atribuídas a ele, inclui a ativação do sistema termogênico de adipócitos marrons e a prevenção da teratogênese em camundongos causada pelo excesso de vitamina A. No entanto, a compreensão dos mecanismos envolvidos e o papel da dieta nesses efeitos biológicos exigem mais estudos.
Considerações finais
Diversas teorias veiculadas pela mídia atribuem à ingestão de clorofila uma série de benefícios para a saúde humana, desde prevenção de doenças cardíacas até tratamento de hipertensão e diabetes, embora careçam de comprovação científica sólida. Alguns autores sugerem que o núcleo tetrapirrólico da clorofila e seus derivados possam ter atividade antioxidante e quimiopreventiva, embora esse efeito seja provável apenas no trato gastrointestinal, sem comprovação de absorção intestinal significativa. A teoria da complexação com substâncias carcinogênicas é vista como a explicação mais plausível para atividades quimiopreventivas da clorofila. Enquanto o fitol, parte integrante da clorofila, parece desempenhar efeitos biológicos importantes, como atividade termogênica e inibição de efeitos teratogênicos do retinol, mas sua liberação durante a digestão ainda carece de evidências científicas robustas e requer mais pesquisas para ser esclarecida.
*Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental, Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Universidade de São Paulo
Referência: LANFER-MARQUEZ, Ursula Maria . Trabalhos de Revisão. Rev. Bras. Cienc. Farm. 39 (3), Set 2003
Fonte do texto: Scielo.br 29/01/2024
Fonte da imagem: segredos do mundo