(Curadoria Agro Insight)
Impactos de La Niña no Sul de Mato Grosso do Sul
A elevada dependência das condições climáticas faz da agricultura uma atividade econômica com alto risco associado, podendo ser influenciada por diversos fatores, desde o plantio até a colheita.
Por isso, é importante entendermos os padrões do clima para tentarmos antever eventos futuros que possam ser potencialmente prejudiciais, ainda em tempo de amenizá-los. Essa não tem se revelado uma tarefa fácil para a região Centro-Sul do Brasil, particularmente nesses últimos anos, com o comportamento bastante diferenciado do clima quando se confrontam as séries históricas.
Com o início do outono, ocorrido em 20 de março, já seriam esperadas grandes mudanças nas condições climáticas. Reduções significativas das chuvas e das temperaturas são normais nesse período, contudo, a irregularidade dos eventos observados no passado recente parece destoar do padrão esperado.
Muito do que tem acontecido recentemente pode ser atribuído à ocorrência do fenômeno La Niña (resfriamento do Oceano Pacífico na região costeira do Peru). Esse fenômeno costuma provocar irregularidade e diminuição das chuvas na Argentina, Paraguai e região Sul do Brasil, enquanto são esperadas mais chuvas nas regiões Centro-Oeste e Nordeste.
A região Sul de Mato Grosso do Sul, embora politicamente inserida no Centro-Oeste brasileiro, é uma região de transição climatológica, podendo algumas vezes seguir um padrão diferente do esperado. De fato, a condição mais comum para essa região é seguir os padrões de La Niña indicados para o Sul do Brasil. Os efeitos tendem a ser mais pronunciados em direção ao sul do Estado e perdem força à medida que se avança para o norte.
A estiagem no Sul de MS e no Centro-Sul do Brasil, de modo geral, foi decorrente do fortalecimento de um sistema de alta pressão que deslocava os corredores de umidade para outras regiões, inibindo a formação de chuvas. Recentemente, nesse mês de março, houve o rompimento dessa barreira, permitindo o retorno das chuvas. Mas há dúvidas sobre o futuro, principalmente quanto ao comportamento do clima durante o cultivo de milho na segunda safra.
Previsões
As previsões disponibilizadas por diversos serviços públicos e privados indicam que o fenômeno La Niña deverá ainda persistir por um bom tempo. As estimativas consideram que o fenômeno perdure até setembro/outubro, ou seja, praticamente até o início da próxima safra de verão.
Este é um ciclo de La Niña que está se estendendo por três anos, algo que chama a atenção, mas é de ocorrência relativamente comum na série histórica. Mantido esse cenário, a maior probabilidade é de persistir para este ano a previsão de chuvas abaixo da média e mal distribuídas, embora possa haver excessos em meses isolados. Apesar das chuvas abundantes em março, ainda podem ocorrer períodos de estiagem nos meses subsequentes. Problema maior que a redução dos volumes de chuvas é a má distribuição, ou seja, excesso ou falta em momentos críticos dos cultivos.
Outro efeito esperado de La Niña é que, assim como no ano passado, tenhamos temperaturas mais baixas no outono/inverno. Ainda teremos períodos relativamente amenos, mas intercalados com ondas de frio. As baixas temperaturas chegarão mais cedo e serão mais intensas e duradouras. A expectativa é de que esses eventos passem a ocorrer já no final de abril e início de maio e perdurem pelos meses seguintes, abrindo a possibilidade de termos geadas tardias em meses como agosto e setembro.
A atuação de La Niña tem dificultado muito as previsões do tempo feitas para curto prazo. Por outro lado, as previsões feitas para longo prazo têm sido bastante certeiras nos últimos tempos. Desse modo, é fundamental estar atento aos diversos boletins e informativos.
O que pode ser feito para amenizar esses efeitos?
As práticas que podem amenizar os efeitos climáticos são essencialmente de médio a longo prazo. Essas práticas envolvem a intensificação da cobertura do solo, o aumento dos níveis de matéria orgânica e as melhorias no perfil físico-químico do solo. Além de aumentar a capacidade do solo armazenar água, essas práticas devem permitir o aprofundamento do sistema radicular, tornando os cultivos mais tolerantes a períodos de estiagem. Além disso, a cobertura do solo reduz as perdas de água por evaporação, que são mais significativas principalmente nos estágios iniciais das culturas.
A adoção dessas práticas é urgente e deve ser feita de modo imediato, principalmente porque a análise da oscilação decadal dos oceanos (Pacífico e Atlântico) revela que tendemos a ter chances maiores da ocorrência de La Niña durante a próxima década.
A curto prazo, a melhor prática é seguir as recomendações de época de plantio do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC), preferindo as indicações em que o risco associado é menor (20 ou 30%). A contratação do Seguro Rural é fundamental e terá cada dia mais importância.
Autores: Éder Comunello, Carlos Ricardo Fietz e Danilton Luiz Flumignam, Pesquisadores da Embrapa Embrapa Agropecuária Oeste
Medidas de Mitigação e Adaptação às Mudanças Climáticas: O Papel do Manejo e Conservação do Solo
A revolução verde, acompanhada pelo aumento rápido da população global, desencadeou aumento na produção global da agropecuária, da capacidade de aquisição e trouxe mudanças alimentares, com maior demanda para os alimentos de maior valor energético, como carne e leite. Entretanto, a distribuição dos benefícios era desigual entre as diferentes partes do mundo e, como efeitos negativos, podemos mencionar o impacto ao meio ambiente.
Hoje estamos dependentes de tecnologias e insumos agrícolas baseados em energia fóssil, que têm impactos ambientais nocivos. Experimentamos a cada dia uma maior escassez de água e de terra agricultável em algumas partes do mundo e a degradação e mudança ambiental, inclusive o aquecimento médio da superfície terrestre, que hoje afeta a produtividade agrícola e a segurança alimentar.
A mitigação do impacto da agropecuária sobre o meio ambiente e mudança do clima depende da capacidade desta de evitar emissões de gases de efeito estufa (GEE), diminuir os impactos das mudanças climáticas e se adaptar às novas condições de produção. Diminuir os impactos ambientais adaptando-se às novas condições são ações complementares e interdependentes, necessárias para aumentar a resiliência e diminuir a vulnerabilidade dos sistemas de produção agropecuários, garantindo a segurança alimentar que hoje não depende mais somente de quanto produzimos, mas de como produzimos e do acesso e disponibilidade dos alimentos.
Desde 2005, a contribuição do setor agropecuário à emissão total de GEE do Brasil aumentou de 20% para 37%, igualando-se proporcionalmente ao setor de energia, após a redução das emissões no uso da terra e florestas (desmatamento). Os GEE que o setor agropecuário emite são principalmente o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O), dois gases de potência de aquecimento global (PAG100) 21 e 310 vezes maior que do dióxido de carbono (CO2). As atividades que mais contribuem para essas emissões são a fermentação entérica (CH4), animais em pastagem (fezes e urina, N2O), adubação nitrogenada (N2O), arroz irrigado (CH4, NO2), queima de resíduos agrícolas (N2O, CH4, CO2), adubação orgânica (N2O), fabricação e aplicação de insumos (CO2).
Há práticas de manejo do solo e sistemas de produção que podem resultar na emissão de menos GEE, comparadas aos negócios usuais. Há opções para reduzir as emissões líquidas dos sistemas de produção, ou seja, tornar seu balanço de carbono (C) mais positivo para o sistema (evitar perda de C). As emissões de GEE podem ser diminuídas ou evitadas, ou ainda, podem ser compensadas por captura de C da atmosfera. No caso do CH4 e principalmente do N2O, entretanto, é importante que sua emissão seja efetivamente reduzida ou eliminada, pois a emissão desses gases não pode ser diretamente compensada, somente via CO2. Consequentemente, temos que zelar para reduzir ou eliminar emissões de CH4 e N2O.
Sob compensação das emissões na agricultura em geral, contamos com a retirada de CO2 da atmosfera por fotossíntese ou com a fixação de C de biomassa por pirólise e a aplicação do resultado no solo (biocarvão).
Podemos considerar esses processos realmente efetivos em retirar C da atmosfera somente se parte desse C for fixado no solo (sequestrado) por período relativamente longo e contribuir para o aumento do C orgânico do solo (COS) ou matéria orgânica do solo (MOS), através de processos naturais de síntese, pois, assim, o C “sequestrado” desencadeia processos que resultam no aumento de novo COS.
Para fins de mitigação e adaptação às mudanças climáticas devemos reduzir ou evitar a emissão de GEE de agroecossistemas ou, idealmente, desenvolver agroecossistemas sumidouros de C. Do ponto de vista de sistemas de produção agrícola, o processo de mitigação e adaptação às mudanças climáticas deve resultar em acumulação e sequestro de COS. Isso tem importantes benefícios para o setor, além da mitigação e adaptação, especialmente em regiões tropicais, onde a fertilidade do solo depende, em 80%, da matéria orgânica do solo (COS). A mitigação das mudanças climáticas através do aumento do COS, entretanto, é base para a existência de sistemas de produção resilientes, menos vulneráveis e de segurança alimentar.
Entre as práticas de manejo do solo e de sistemas de produção agrícola que contribuem para o aumento de COS e a mitigação das mudanças climáticas, podemos mencionar, sem a pretensão de sermos completos, mas tentando destacar os mais impactantes: sistema plantio direto com palhada e rotação de culturas para manejo da fertilidade do solo e da biomassa; e o uso eficiente de nutrientes, especialmente do nitrogênio. Sistemas com base na agroecologia e sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta, ou ainda sistemas integrados de produção, são exemplos que potencialmente podem caracterizar sistemas de produção com emissões reduzidas ou até agroecossistemas neutros ou sumidouros.
Autora: Beata Emöke Madari, pesquisadora da Embrapa Arroz e Feijão.
BIBLIOGRAFIA E LINKS RELACIONADOS
Embrapa/Notícias – Impactos de La Niña no Sul de Mato Grosso do Sul. Mudanças climáticas.
BEATA EMOKE MADARI, CNPAF. Medidas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas: o papel do manejo e conservação do solo. In: SEMINÁRIO AGROPECUÁRIA NO CERRADO FRENTE ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS, 2018, Goiânia. Anais… Santo Antônio de Goiás: Embrapa Arroz e Feijão, 2018. p. 44. (Embrapa Arroz e Feijão. Eventos técnicos & científicos, 1).