Manejo da podridão da uva madura

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(Curadoria Agro Insight)

Na curadoria de hoje, o tema é a doença conhecida como “Podridão da uva madura ou podridão de glomerela”. Para abordar o tema trouxemos uma publicação dos pesquisadores da Embrapa, Diógenes da Cruz Batista e Maria Angélica Guimarães Barbosa.

Foto: Diógenes Batista

Podridão da uva madura em ‘BRS Vitória’ no Submédio do Vale do São Francisco

A viticultura tem apresentado um crescente aumento de área plantada no Submédio do Vale do São Francisco, onde a produção de uvas finas de mesa foi consolidada como uma das principais atividades do agronegócio frutícola do Brasil. As uvas produzidas em Petrolina, PE e Juazeiro, BA se destacam em relação às produzidas em outras regiões brasileiras pela alta qualidade da fruta e do expressivo volume comercializado no mercado internacional, muitas vezes superior a 99% (Julião et al., 2017).

A exportação brasileira de uvas finas de mesa gerou, em 2020, um retorno de pouco mais de US$ 105 milhões com as 49 mil toneladas da fruta, variação positiva de 9% em relação à produção em 2019 (Anuário Brasileiro de Horti & Fruti, 2021). Apesar da alta produtividade obtida no Submédio do Vale do São Franciso, a cultura da uva na região é bastante prejudicada no período de excessos de chuvas, que afetam a produção e a qualidade da fruta devido ao aumento da incidência de doenças, danos físicos e fisiológicos.

As doenças míldio e cancro bacteriano da videira são as que frequentemente estão associadas aos períodos de chuvas no Vale do São Francisco. No entanto, a partir de 2020, têm ocorrido epidemias de podridão da uva madura ou podridão de glomerela em uvas ‘BRS Vitória’, variedade bastante suscetível a essa doença (Maia et al., 2015). A podridão da uva madura tem causado transtornos aos produtores devido à dificuldade de controle da doença, redução da produtividade e qualidade das uvas produzidas.

Aspecto geral da doença

A podridão da uva madura ou simplesmente podridão de glomerela é muito comum durante o verão quente e chuvoso e tem importância na viticultura por afetar diretamente os cachos de uva, causando perda da produção e da qualidade. As bagas afetadas desenvolvem uma pequena depressão que evolue para uma murcha generalizada. É comum observar na superfície da baga lesionada o desenvolvimento de uma mucilagem de coloração alaranjada rósea em condições de alta umidade relativa.

Agente causal

A podridão da uva madura é uma doença tradicionalmente associada ao fungo Colletotrichum gloeosporioides (Teleomorfo: Glomerella cingulata). Entretanto, além do complexo de espécies em C. gloeosporioides, diversas outras espécies dentro do complexo C. acutatum e C. boninense têm sido registradas (Greer et al., 2011, 2014; Echeverrigaray, et al., 2020; Dowling et al., 2020). Até o momento, acredita-se que a fase sexuada G. cingulata tenha pouca importância no desenvolvimento de epidemias no Brasil, onde a fase assexuada C. gloeosporioides é a que frequentemente garante a persistência ou sobrevivência em material infectado da videira (Vitis spp.) entre os ciclos de produção, além do aumento da doença no parreiral.

Epidemias no Submédio do Vale do São Francisco

A partir do ano de 2020 foram observadas epidemias de podridão da uva madura em diferentes parreirais de uva na região do Submédio do Vale do São Francisco (Petrolina, PE e Juazeiro, BA), causando perdas significativas na produção. Desde então, as epidemias de podridão da uva madura durante os períodos chuvosos (novembro a maio) têm sido intensificadas em diversas propriedades, afetando a rentabilidade e a segurança da viticultura na região. Conforme diversos relatos, a intensificação de pulverizações com fungicidas ou produtos alternativos e biológicos como medida para conter a doença e salvaguardar a produção não tem dado resultados, frustrando os produtores que, inadvertidamente, atribuem a insuficiência no controle da doença à perda de efetividade dos produtos aplicados na lavoura.

Para determinar pontos críticos da doença, em videiras de Petrolina, PE, pesquisas foram realizadas para obter informações relativas à dinâmica do inóculo primário (responsável pelo início da doença) e secundário (responsável pelo aumento da doença ou epidemia). Esses estudos de caráter epidemiológico permitiram delinear o ciclo da doença em videira ‘BRS Vitória’,  gerando informações essenciais ao desenvolvimento da melhor estratégia de manejo e convivência com a doença.

Ciclo da doença

A disseminação da podridão da uva madura em novos plantios de videira pode seguir dois cursos principais:

1) por meio de mudas contaminadas ou

2) a partir de outras culturas ou hospedeiros alternativos não cultivados e próximos ao parreiral.

Portanto, é importante adquirir mudas em viveiros registrados e idôneos, com boa sanidade do material comercializado. O manejo adequado denculturas hospedeiras a exemplo da mangueira (Mangifera indica L.) é importante para reduzir a contaminação cruzada, pois o isolado do patógeno obtido de cacho de uva foi capaz de infectar mangas (cultivares Rosa e Tommy Atkins) e reinfectar cachos de ‘BRS Vitória’ em testes de patogenicidade por meio de aspersão de esporos e sem realizar ferimentos na manga ou na uva.

Adicionalmente, o patógeno foi capaz de infectar e causar pequenos sintomas de necrose em folhas, gavinhas e pecíolos de mudas da ‘BRS Vitória’.

Em áreas onde a doença já se encontra instalada, em inspeções de ramos produtivos de plantas que passaram por podas de frutificação foi observado que a sobrevivência do patógeno ocorre, predominantemente, nas bainhas de folhas retiradas durante a desfolha, em gemas, em resquícios de pedúnculo de cachos colhidos e material morto próximo ao ramo principal da videira, explicando a contaminação inicial dos cachos nessa região mais central da planta, conforme os relatos de produtores. Restos de engaços e bagas infectados deixados na planta também servem como fonte de inóculo inicial, o que é bem relatado na literatura. Com a ocorrência das primeiras chuvas, o patógeno sobrevivendo como micélio dormente é estimulado com a umidade e hidratação do material vegetal, culminando com o desenvolvimento do fungo. Posteriormente, o patógeno, por meio de estruturas de frutificação ou acérvulos, produzem numerosos esporos que ficam retidos numa massa mucilaginosa solúvel em água. Chuvas subsequentes à produção dos esporos dissolvem a massa mucilaginosa dispersando os esporos que acabam infectando e contaminando flores, cachos, gavinhas e folhas. Esses eventos ocorrem à medida que chove e novos esporos são dispersos para órgãos sadios.

Bagas imaturas ou verdes infectadas, normalmente, mantêm o patógeno em estágio de infecção quiescente sem apresentar nenhum sintoma visual. Os sintomas em bagas verdes, que se desenvolveram depois de estimulados por meio de tratamento em laboratório. Durante o processo de desenvolvimento e acúmulo de açúcares nas bagas, o patógeno pode se desenvolver tornando evidentes os primeiros sintomas da podridão da uva madura no parreiral. A reprodução do patógeno, nessas primeiras lesões, corresponde ao inóculo secundário e responsável pela fase epidemiológica de aumento da doença.

À medida que ocorrem os eventos de chuvas, as mesmas hidratam as mucilagens, presentes nas lesões de cachos doentes, favorecendo a liberação de esporos nos respingos da chuva, contaminando os cachos de uvas próximos. A colonização de drosofilídeos (Insecta, Diptera) nas bagas doentes intensifica ainda mais a disseminação da doença entre bagas do mesmo cacho e entre cachos próximos ou distantes, dependendo da autonomia de voo do inseto-praga. Um fato importante é que os drosofilídeos. Detalhes das mucilagens em material contaminado da videira (Vitis spp.) ‘BRS Vitória’ pelo patógeno da podridão da uva madura. Fotos: Diógenes da Cruz Batista são mais ativos em condições de alta umidade, as quais ocorrem após eventos de chuvas, que também favorecem a germinação dos esporos do patógeno e a infecção da planta. A presença de outros insetos visitantes, a exemplo de moscas e abelhas, também favorece a disseminação da podridão da uva madura quando os mesmos entram em contato com as lesões.

Com o final do ciclo produtivo e colheita das uvas, os cachos doentes deixados no parreiral durante o pousio da cultura favorecem a contaminação de mais partes da planta (bainhas das folhas e gemas) durante os eventos de chuvas. Os cachos doentes que não são removidos da planta e devidamente descartados, as bagas e engaços secos, além das bainhas e gemas infectadas, servirão como fonte de inóculo primário para o próximo ciclo produtivo da videira, dando início ao novo ciclo da doença.

Além disso, esse inóculo também poderá ser disperso para talhões de parreirais vizinhos com estádios fenológicos anteriores.

Manejo da podridão da uva madura

Plantas de videiras em final de ciclo e que foram acometidas pela doença devem ser submetidas à limpeza fitossanitária por meio da remoção de cachos doentes para reduzir a fonte de inóculo primário para o ciclo produtivo subsequente. As podas de remoção dos cachos devem ser feitas o mais próximo possível do ramo que os sustenta. Durante a fase de repouso e logo após a poda de produção, recomenda-se aplicar fungicidas protetores para reduzir a esporulação do patógeno em material contaminado. Com as brotações e saídas das inflorescências, pulverizações preventivas com fungicidas sistêmicos registrados devem ser iniciadas para evitar infecções, principalmente na iminência de chuvas e alta umidade relativa. Essas pulverizações com fungicidas devem ser realizadas ao longo do ciclo para prevenir a ocorrência de infecções quiescentes em cachos imaturos, considerando-se a rotação de produtos e períodos de carência em relação à colheita. No mercado podem ser encontrados fungicidas protetores à base de clorotalonil, mancozebe e oxicloreto de cobre, fungicida mesostêmico (cresoxim-metílico) e fungicida sistêmico (tebuconazol).

Para mais informações, consultar o Sistema de Agrotóxicos Fitossanitário (Agrofit), disponibilizado no site: http://agrofit.agricultura.gov.br

Conforme as bagas vão se desenvolvendo em tamanho e coloração, nas primeiras bagas doentes surgem estruturas reprodutivas do patógeno sobre a superfície. Portanto, deve-se fazer a limpeza do parreiral retirando-se as bagas ou cachos comprometidos com a podridão da uva madura, visando reduzir a disseminação da doença com chuvas e insetos. Para o controle de drosofilídeos deve ser aplicado inseticida à base de espinetoram. Agentes de controle biológico como Beauveria bassiana e Metarhizium anisopliae são virulentos e causam mortalidade de adultos de Zaprionus indianus (Svedese et al., 2012), espécie da família Drosophilidae frequentemente encontrada nos parreirais de Petrolina, PE. Produtos biológicos indicados e comercializados no mercado à base desses agentes podem ser utilizados em programa de controle biológico dessa praga.

Para insetos visitantes, a exemplo de abelhas e vespas, produtores têm utilizado extrato pirolenhoso devido ao seu efeito repelente. Outra estratégia preventiva interessante consiste em utilizar plantas que, durante o florescimento, possuem efeito atrativo e constituem a base alimentar de abelhas. Assim, o cultivo no entorno do parreiral com espécies atrativas como girassol (Helianthus annuus L.) e pornunça (Manihot sp.) podem reduzir as visitas desses insetos ao parreiral. Uma alternativa eficiente e explorada por alguns produtores é a utilização da cobertura plástica durante o período chuvoso. A estrutura cria uma barreira contra a incidência direta da chuva impedindo o molhamento, a dispersão de esporos e, consequentemente, a disseminação da doença (Batista et al., 2015; Du et al., 2015), além de reduzir a necessidade de aplicações de fungicidas.

Conforme apresentado, o manejo da podridão da uva madura é bastante complexo, pois além da necessidade de ações contra infecções do patógeno em diversos estágios da planta, é necessário empregar estratégias de manejo de insetos-pragas e insetos visitantes para o sucesso no controle.

BIBLIOGRAFIA E LINKS RELACIONADOS

BATISTA, D. da C.; BARBOSA, M. A. G. Podridão da uva madura em BRS Vitória no Submédio do Vale do São Francisco. Petrolina: Embrapa Semiárido, 2022. 13p. (Embrapa Semiárido. Circular Técnica, 132).

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