Estresse hídrico na cultura do milho

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(Curadoria Agro Insight)

Hoje, a curadoria Agro Insight compartilha um texto que faz parte do sistema de produção do milho, publicado pela Embrapa, sobre os efeitos e as adaptações da planta para atenuar o estresse hídrico na cultura.

O milho e a falta de água

A absorção, o transporte e a consequente transpiração de água pelas plantas são consequência da demanda evaporativa da atmosfera (evapotranspiração potencial), resistência estomática e difusão de vapor, água disponível no solo e densidade de raízes (Klar, 1984; Pimentel, 2004).

A planta absorve água do solo para atender às suas necessidades fisiológicas e, com isto, suprir a sua necessidade em nutrientes, que são transportados junto com a água sob a forma de fluxo de massa. Do total de água absorvida pela planta, uma quantidade bem reduzida (cerca de 1%) é retida pela mesma. Embora possa-se pensar que há desperdício, na verdade isso não ocorre, pois é pelo processo da transpiração (perda de calor latente) que os vegetais controlam a sua temperatura (Klar, 1984; Magalhães et al. 1995).

Fonte: Sementes Biomatrx

As restrições causadas pela baixa disponibilidade de água do solo (seca) ou pela alta demanda evaporativa acionam certos mecanismos fisiológicos que permitem aos vegetais escapar ou tolerar essas limitações climáticas, modificando seu crescimento e desenvolvimento, e até mesmo atenuando as reduções na produção final.

Dentre os mecanismos que podem contribuir para a resistência à seca, e que têm sido considerados em programas de melhoramento genético, apontam-se:

      a) sistema radicular extenso e profundo ou maior relação raiz/parte aérea;

      b) pequeno tamanho de células;

      c) cutícula foliar (com maior espessura ecerosidade);

      d) mudanças no ângulo foliar;

      e) comportamento e frequência estomática;

      f) fluorescência da clorofila a

      g) acúmulo de metabólitointermediário;

      h) ajuste osmótico (resistência e proteção à desidratação das células);

      i) modificações anatômicas;

      j) teor de clorofilas e carotenóides.

O milho é cultivado em regiões cuja precipitação varia de 300 mm a 5.000 mm anuais, sendo que a quantidade de água consumida por uma planta durante o seu ciclo está em torno de 600 mm (Aldrich et al. 1982).

Dois dias de estresse hídrico no florescimento diminuem o rendimento em mais de 20%, quatro a oito dias diminuem em mais de 50%.

O efeito da falta de água, associado à produção de grãos, é particularmente importante em três estádios de desenvolvimento da planta:

  • a) iniciação floral e desenvolvimento da inflorescência, quando o número potencial de grãos é determinado;
  • b) período de fertilização, quando o potencial de produção é fixado; nesta fase, a presença da água também é importante para evitar a desidratação do grão de pólen e garantir o desenvolvimento e a penetração do tubo polínico;
  • c) enchimento de grãos, quando ocorre o aumento na deposição de matéria seca, o qual está intimamente relacionado à fotossíntese, desde que o estresse vai resultar na menor produção de carboidratos, o que implicaria menor volume de matéria seca nos grãos (Bergamaschi et al, 2004; Magalhães & Durães, 2008).

Contudo, a importância da água está relacionada também com a fotossíntese, uma vez que o efeito do déficit hídrico sobre o crescimento das plantas implica menor disponibilidade de CO2 para assimilação (fechamento dos estômatos), diminuição de atividades de enzimas da fotossíntese e limitação dos processos de elongação celular (Klar, 1984; Foyer et al., 1998; Carmo-Silva et al., 2010). 

Modificações morfoanatômicas para a resistência à seca

Alguns genótipos de milho vêm mostrando modificações morfoanatômicas radiculares e foliares importantes para a tolerância a falta de água.

Na folha podemos destacar a importância das células epidérmicas chamadas de buliformes. Essas células possuem um papel motor na folha, ou seja, no movimento de enrolamento foliar. Esse movimento do milho de enrolar suas folhas favorece um microclima e diminui a superfície de transpiração levando a uma perda menor de água.

Uma maior quantidade de células buliformes e o maior tamanho dessas células promovem uma maior abertura da lâmina foliar expondo uma maior área da folha, portanto genótipos de milho com potenciais para a utilização no melhoramento para a seca apresentam folhas mais enroladas devido a células buliformes menores e em menor quantidade. Existem genótipos que naturalmente possuem suas folhas enroladas (Entringer, 2011).

Na raiz, podemos destacar um aumento da espessura da camada de células suberizadas presentes na região da hipoderme (exoderme) e também do aumento de outra camada de células suberizadas chamada endoderme. Essas camadas possuem várias funções nas raízes de plantas, mas, no geral, são camadas de células especializadas em selecionar ou impedir algo (por exemplo, substância tóxica, microrganismos e outros) de entrar no córtex (exoderme) ou de entrar no cilindro vascular (endoderme). No caso do estresse hídrico, essas duas camadas impedem, na verdade, a saída de água dos feixes de xilema para o solo evitando a desidratação.

Milho tolerante também possui xilema com diâmetro menor; assim diminui a chance de ocorrerem bolismo e cavitação nos vasos devido à falta de água. Recentemente, também foi observado que, quanto maior a tolerância a seca no milho, maior a quantidade de aerênquimas. Com a presença de aerênquimas decresce o custo metabólico, devido à diminuição da presença de células em respiração já que essas câmaras nada mais são do que espaços de células mortas (Enstone et al., 2003; Pena-Valdivia et al., 2005; Zhu et al., 2010).

Com relação à capacidade da raiz de milho em chegar a camadas mais profundas do solo em busca de água, vêm se desenvolvendo pesquisas para quantificar melhor esta característica, pois nem sempre são fáceis de realizar. A abertura de trincheiras, por exemplo, com objetivo de caracterizar a morfologia radicular é bem complicada devido ao tempo gasto para abri-la e mão de obra. Recentemente, uma metodologia chamada “Shovelomics”, em que são feitas medidas do ângulo de inserção das raízes no colo, vem trazendo bons resultados para a fenotipagem do milho para a seca. Genótipos tolerantes possuem ângulos de inserções menores caracterizando raízes mais profundas (Trachsel et al., 2011).

Apesar do alto requerimento de água pela planta de milho, ela é eficiente no seu uso para conversão de matéria seca. O aumento desta eficiência do uso da água (incorporação de carbono com um gasto menor de água) identifica genótipos tolerantes e pode ser calculado tanto a nível foliar (através de parâmetrosde trocas gasosas) quanto no nível de dossel (Aldrich et al. 1982; Soler et al., 2007; Vitale et al., 2007; Hund et al., 2009; Magalhães et al., 2009).

Com relação a perda de água pelos estômatos, o fitohormônio ABA (ácido abscísico) é de grande importância. Sob baixa disponibilidade hídrica, há um grande acúmulo de ABA regulando a abertura e o fechamento dos estômatos. Por isso, seu acúmulo em folhas estressadas exerce um grande papel na redução da perda de água pela transpiração (Zhu, 2002).

O ABA controla muitos processos importantes no crescimento e desenvolvimento da planta (Tardieu et al., 2010). Além de amplas funções no desenvolvimento e crescimento, ele também regula respostas adaptativas em várias condições adversas além da seca. O fechamento estomático também pode ser causado pelo aumento do transporte de ABA (através do xilema), produzido nas raízes, em contato com o solo seco, para a parte aérea (Schachtman & Goodger, 2008).

O milho e o excesso de água

O encharcamento ou alagamento intermitente (saturação hídrica temporária do solo) é um dos estresses abióticos de maior impacto na sobrevivência de plantas em muitas regiões do mundo.

O encharcamento também limita a exploração agronômica de minifundiários que possuem, em suas propriedades, áreas de várzea onde ocorrem inundações frequentes em períodos de chuva, devido ao nível freático pouco profundo. O desenvolvimento de pesquisas avançadas para culturas tolerantes ao encharcamento certamente é uma alternativa para o aumento da produção brasileira, sendo um “atrativo agronômico” para os 28 milhões hectares de terras brasileiras encharcadas com grande potencial agrícola (Magalhães et al., 2008).

Solos com quantidades excessivas de água apresentam como característica problemas na aeração, o que leva à condição de baixa (hipoxia) ou nenhuma (anoxia) concentração de oxigênio (Alves, 2002; Zaidi et al., 2003). Sem oxigênio nas raízes, a respiração mitocondrial é bloqueada e a produção de energia fica restrita à fermentação com um rendimento de 2 ATPs (Sairam et al. 2008). Além disso, a hipoxia diminui a condutividade hidráulica e afeta as aquaporinas, diminuindo a absorção de água e de nutrientes da raiz, além de diminuir a fotossíntese (Dell’amico et al. 2001; Tournaire-Roux et al.2003; Souza et al., 2011).

Existem alguns trabalhos relacionados com a seleção de milho adaptado ao encharcamento. Zaidi et al. (2003 e 2004) procuraram genótipos de milho tolerantes ao encharcamento em várzeas indianas. Estudando, comparativamente, milho mexicano e indiano, estes autores constataram genótiposindianos bastante eficientes quanto à tolerância (CM-118 e CM-501), os quais tiveram boa germinação em ambientes anóxidos e suas plantas jovens apresentaram características como clorofila (a/b), peso seco da parte aérea, volume de raiz, transpiração, rendimento de grãos, intervalo entre a floração masculina e feminina (IFMF) e açucares solúveis bastante superiores em relação às testemunhas. Também Zaidi et al. (2007), utilizando a seleção de linhagens elites de milho com favoráveis alelos para a tolerância ao encharcamento, conseguiram desenvolver híbridos com altos rendimentos e estáveis sob o excesso de água.

Silva et al. (2007), utilizando cruzamento de linhagens, observaram a herança da tolerância ao encharcamento do solo em milho avaliando características como peso seco da parte aérea e da raiz. Estudos semelhantes mostraram o desempenho de duas variedades venezuelanas frente ao excesso de água. Estas, comparadas com testemunhas, apresentaram maior desempenho quanto às características área foliar, massa seca, crescimento radicular, presença de aerênquimas e raízes adventícias (Lizaso et al., 2001).

São poucos os materiais comerciais de milho adaptados a condições de encharcamento disponíveis no mercado. Entretanto, vale ressaltar uma variedade brasileira conhecida por milho “Saracura”, cv. BRS 4154. O desenvolvimento desse material foi contínuo, tendo sido utilizado o método de seleção recorrente fenotípica estratificada modificada. Atualmente, esta variedade se encontra no 18º ciclo anual de seleção. Sua capacidade em tolerar períodos intermitentes de alagamento deve-se à presença de diferentes mecanismos bioquímicos e morfofisiológicos (Souza et al. 2009; Souza et al. 2010; Pereiraet al. 2010; Souza et al. 2011).

Com relação aos mecanismos de tolerância, destaca-se nesta variedade o aumento de câmaras na raiz (raiz com maiorporosidade) chamadas de aerênquima ao longo dos ciclos de seleção. Os aerênquimas presentes em grandes quantidades nos últimos ciclos de seleção favorecem a aeração (Souza et al. 2009) e, consequentemente, maior absorção de água e nutrientes nas raízes e maior trocas gasosas foliares (como fotossíntese, transpiração e condutância estomática e carbono intercelular). Ocorre uma forte relação entre essas câmaras e a produção (rendimento de grãos) no milho “Saracura” e o cálcio têm grande importância na tolerância do milho ao encharcamento (Melo et al., 2004; Ferrer et al., 2005; Souza et al., 2011).

BIBLIOGRAFIA E LINKS RELACIONADOS

MAGALHAES, P.C.; SOUZA, T.C. O milho e a falta de água. In: Cultivo do Milho. Sistema de Produção Embrapa. Sistema de Produção, 1, 9ª edição, nov/2015.

MAGALHAES, P.C.; SOUZA, T.C. O milho e o excesso de água. In: Cultivo do Milho. Sistema de Produção Embrapa. Sistema de Produção, 1, 9ª edição, nov/2015.

 

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Tags: Déficit hídrico, drenagem, encharcamento, irrigação, milho

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