Envirômica: um novo campo da pesquisa agropecuária

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(Curadoria Agro Insight)

Na curadoria de hoje, trouxemos um tema novo na pesquisa agropecuária, a envirômica. Esse novo método de pesquisa analisar um grande volume de dados e promete ajudar os cientistas em diversas áreas, especialmente, no desenvolvimento de genótipos mais adaptados aos diverentes ambientes e consequentemente mais produtivos.

Envirômica vai ajudar a desenvolver cultivares de feijão específicas para cada região

A pesquisa em melhoramento de plantas pode se beneficiar de um campo chamado envirômica. Essa área do conhecimento vem ganhando relevância nas últimas duas décadas por permitir o processamento de dados em larga escala e aprofundamento da análise sobre como o ambiente influencia as lavouras. Estudo da Embrapa Arroz e Feijão (GO) com aplicação da envirômica aponta novos caminhos para o progresso genético do feijão, levando em conta condições climáticas específicas de determinada região do Brasil e épocas de cultivo. O resultado desse tipo de pesquisa é o desenvolvimento de cultivares mais adaptadas aos locais onde a leguminosa é plantada no Brasil, o que pode facilitar a vida dos agricultores brasileiros.

Em artigo publicado na revista científica Field Crops Research, os autores apontam faixas limite de tolerância das plantas de feijão a estresses, para cada região do Brasil e épocas de cultivo. Eles ainda sugerem situações específicas que podem direcionar testes de adaptação e a geração de cultivares mais adequadas ou até mesmo “personalizadas”.

Na pesquisa, foi realizado um estudo com a cultura do feijão (grãos carioca e preto) considerando diferentes safras e a utilização da base de dados de registros históricos de campos de melhoramento da Embrapa e parceiros nas regiões Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul, o que representa uma cobertura de 98% da área de produção da leguminosa no Brasil.

Ao todo, foram analisados 424 experimentos de campo, provenientes do programa de melhoramento do feijoeiro, entre 2011 e 2018, sendo 241 com o grão carioca e 183 com o grão preto, avaliando a produtividade das plantas sob o impacto de variáveis ambientais como temperatura e umidade do ar, radiação solar e precipitação pluvial. Essas informações climáticas foram coletadas na plataforma de dados coordenada pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e no banco de informações Nasa Power, da agência espacial norte-americana.

Um dos resultados desse trabalho indica, por exemplo, que na Região Centro-Oeste, para as três safras de cultivo (verão, seca e inverno), as variáveis climáticas com maior impacto na produtividade do feijão são a radiação solar e as temperaturas máximas e mínimas nas fases vegetativa e reprodutiva da lavoura. Comparativamente, na Região Sul, para as duas safras de cultivo (verão e seca, pois não há plantio no inverno) as variáveis climáticas de maior relevância são a precipitação pluvial acumulada e as temperaturas máximas e mínimas nas mesmas fases.

Pesquisa estima valores ótimos por região

Complementarmente, foram previstos os valores ótimos para essas variáveis climáticas que permitem o melhor desempenho da cultura e as faixas de estresse, por exemplo ao calor, que as plantas de feijão podem suportar em cada região sem que ocorra dano ao rendimento médio da lavoura. Isso abre espaço para que os melhoristas de feijão possam estimar o potencial produtivo da variabilidade genética do feijão em situações favoráveis ou em condições adversas.

O pesquisador da Embrapa Alexandre Bryan Heinemann é um dos autores desse estudo e comenta que esses resultados podem aprimorar o melhoramento da leguminosa ao customizar novos materiais às características regionais. “Uma decorrência desse trabalho é a possibilidade de os melhoristas desenvolverem ideótipos (cultivares) adaptados aos diferentes ambientes de produção do feijoeiro. Isso permitirá o desenvolvimento de cultivares que aproveitem ao máximo as condições climáticas locais. Assim, o material poderá expressar todo seu potencial genético em termos de produtividade”, detalha Heinemann.

O pesquisador aponta, ainda, outra contribuição do estudo realizado para o melhoramento de plantas. “A envirotipagem (a aplicação das ferramentas da envirômica) permite a criação do que podemos chamar de cultivares climaticamente inteligentes. Por exemplo, para a Região Centro-Oeste, no cultivo da safra da seca (entre janeiro e abril), a precipitação pluvial acumulada é um fator limitante, especialmente, na fase reprodutiva da lavoura. Além disso, a partir do fim de março, as temperaturas máximas e mínimas caem, o que alonga o ciclo da cultura. Em nosso trabalho, essas variações climáticas e sua caracterização, com o estabelecimento de faixas limite de adaptação para plantas, podem servir para embasar o teste e a seleção de genótipos com potencial para gerar uma cultivar focada em responder de forma satisfatória nessas condições”, complementa Heinemann.

O pesquisador considera a envirômica um campo promissor do conhecimento em pleno desenvolvimento e que pode contribuir, principalmente, para o aprimoramento das decisões que são tomadas pelos geneticistas em programas de melhoramento para a seleção de novas cultivares.

Conforme relata o cientista, “trata-se de uma área de trabalho que possibilita o refinamento de dados para o lançamento de cultivares voltadas não apenas para macro-regiões, mas também para localidades específicas, ambientes-alvo determinados, principalmente, quando aliam-se dados espaciais e de geoprocessamento às análises climáticas”.

Big data tornou a envirômica possível

A maioria das características agronômicas que os geneticistas buscam nas plantas (tolerância ao déficit hídrico, resistência a doenças, maior produtividade) é advinda da interação de múltiplos genes. Essa interação é avaliada em laboratório com ferramentas da biotecnologia e por análises conduzidas pelo estudo dos fenótipos, da expressão dos genes das plantas decorrente dos ambientes de cultivo.

A esse trabalho do melhoramento de plantas começou a ser agregada uma nova forma de análise. Com a evolução de ferramentas de monitoramento sensorial de ambientes e a geração de séries históricas de dados, ocorreu a formação de repositórios de grandes conjuntos de informação ambiental. Isso possibilitou emergir uma nova referência em pesquisa que é a envirômica (aportuguesamento da palavra inglesa enviromics) e que está se associando às bases tradicionais do estudo em melhoramento de plantas.

A envirômica permite tratar de modo relacional e em sobreposição uma multiplicidade de informações estruturadas em big data, gerando novas análises sobre a adaptação de plantas aos ambientes de cultivo.

Envirômica

Várias técnicas de modelagem mostraram sua utilidade na análise de dados de vários ambientes. Apesar do impacto que tais abordagens já tiveram no entendimento e exploração da interação genótipo-ambiente para predição de fenótipos ainda a serem observados, ainda há espaço para expandir e aprimorar seu uso em aplicações ainda não exploradas. Compreender as fontes de variação ambiental tornou-se cada vez mais um elemento-chave para a avaliação e recomendação de genótipos em cenários probabilísticos de mudança climática global e rápida modificação da paisagem pela ação humana (Raza et al. 2019). Tais modelos podem ser usados ao longo dos vários estágios de um ciclo de reprodução (Annicchiarico e Iannucci 2008) para identificar loci relacionados à expressão de características fenotípicas (Ferrero-Serrano e Assmann 2019) e para determinar conjuntos de fatores ambientais subjacentes à plasticidade fenotípica (Nicotra e outros 2010).

Integrando a envirômica com o melhoramento genético

Para explorar mais cuidadosamente os efeitos dos vários fatores ambientais na reprodução seletiva, tomamos emprestado o termo “enviromica” da medicina humana, ou seja, o estudo das condições ambientais que afetam a saúde humana no contexto da medicina de precisão (Gad 2008; Teixeira et al. 2011; Riggs et al. 2018). Aqui, no entanto, estendemos esse conceito e o aplicamos à parte dependente do ambiente de modelos de normas de reação para seleção genética com o objetivo de explorar padrões de interação genótipo-ambiente em ambientes locais, principalmente em plantas, mas facilmente extensíveis à reprodução animal. Este trabalho é inspirado por excitantes desenvolvimentos no campo da genômica populacional e epidemiologia em que um novo tipo de análise de dados fenotípicos e genotípicos e variáveis ambientais, denominados “estudos de associação ampla de fenômenos” tem sido usado para investigar os efeitos de variáveis ambientais sobre resultados de populações grandes e diversas, como o consórcio PAGE (Matise et al. 2011).

Fonte: Resende et al. (2021)

BIBLIOGRAFIA E LINKS RELACIONADOS

Embrapa/Notícias – Envirômica vai ajudar a desenvolver cultivares de feijão específicas para cada região. Melhoramento genético.D Dezembro de 2022.

Resende, R.T., Piepho, HP., Rosa, G.J.M. et al. Enviromics in breeding: applications and perspectives on envirotypic-assisted selection. Theor Appl Genet 134, 95–112 (2021). https://doi.org/10.1007/s00122-020-03684-z

Raza A, Razzaq A, Mehmood SS et al (2019) Impact of climate change on crops adaptation and strategies to tackle its outcome: A review. Plants 8:34

Annicchiarico P, Bellah F, Chiari T (2006) Repeatable genotype × location interaction and its exploitation by conventional and GIS-based cultivar recommendation for durum wheat in Algeria. Eur J Agron 24:70–81

Ferrero-Serrano Á, Assmann SM (2019) Phenotypic and genome-wide association with the local environment of Arabidopsis. Nat Ecol Evol 3:274–285

Nicotra AB, Atkin OK, Bonser SP et al (2010) Plant phenotypic plasticity in a changing climate. Trends Plant Sci 15:684–692

Gad SC (2008) Preclinical development handbook: toxicology. Wiley, New York, USA

Riggs DW, Yeager RA, Bhatnagar A (2018) Defining the human envirome: an omics approach for assessing the environmental risk of cardiovascular disease. Circ Res 122:1259–1275

Teixeira AP, Dias JML, Carinhas N et al (2011) Cell functional enviromics: unravelling the function of environmental factors. BMC Syst Biol 5:92

Matise TC, Ambite JL, Buyske S et al (2011) The Next PAGE in understanding complex traits: design for the analysis of Population Architecture Using Genetics and Epidemiology (PAGE) Study. Am J Epidemiol 174:849–859

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Tags: alimentos-seguranca-nutricao-e-saude, enviromica, feijão, melhoramento-genetico, recursos genéticos

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