Doenças em cultivos hidropônicos 

pesquisa

Seja bem-vindo(a) a Newsletter da Agro Insight, um espaço de artigos autorais e curadoria sobre tecnologias, sustentabilidade e gestão para o agro.

Se você ainda não é assinante, junte-se a mais de 8 mil profissionais do Agro, consultores e produtores rurais que recebem gratuitamente conteúdos de qualidade selecionados toda semana, adicionando o seu e-mail abaixo:

(Curadoria Agro Insight)

A hidroponia é a técnica de cultivo protegido em que o solo é substituído por uma solução nutritiva ou um substrato inerte que recebe os elementos essenciais, de forma balanceada, ao desenvolvimento das plantas. Surgiu como medida de escape às doenças causadas por patógenos de solo, presentes em grande número devido à intensa utilização do terreno, em especial nos cinturões verdes das grandes cidades.

Infestações recentes do solo ocorrem em função principalmente da ineficácia ou inviabilidade econômica do controle químico de patógenos que afetam o sistema radicular das plantas e da dificuldade de fazer rotação de culturas em pequenas áreas, especialmente em cultivo protegido. Além de evitar a presença de patógenos de solo, a hidroponia, aliada às práticas de cultivo protegido, permite certo controle ambiental e possibilita a produção em épocas de climas desfavoráveis às culturas.

Embora a hidroponia possa ser considerada uma tecnologia bem dominada, ainda é comum a frustração de safras por motivos técnicos, em grande parte por problemas fitossanitários, e até mesmo o abandono de estruturas de produção após poucos anos de uso por agricultores que se aventuram nesta atividade.

As doenças se manifestam em intensidades diferentes, dependendo do tipo de sistema hidropônico. Os sistemas mais utilizados no Brasil são de fluxo laminar de nutrientes – NFT (Nutrient Film Technique), que consiste no bombeamento da solução nutritiva que circula em canais de diferentes tipos, onde crescem as raízes das plantas. Outro sistema de cultivo é o da hidroponia em substrato (também chamado de semi-hidropônico), em que a solução nutritiva é aplicada por gotejamento, em canaletas, vasos ou sacos contendo material inerte tais como areia, seixo, brita, fibra de coco, vermiculita, perlita e lã de rocha.

Alguns fatores contribuem para que certas doenças sejam mais danosas em cultivos hidropônicos, em especial em países de clima tropical. Estes fatores são:

  1. facilidade de dispersão dos propágulos no sistema devido à circulação dos patógenos junto com a solução nutritiva;
  2. Adensamento de plantas, que torna o microambiente favorável ao desenvolvimento de doenças foliares, além de facilitar o contato entre tecidos doentes e sadios e
  3. temperatura e umidade no sistema mais ou menos constantes e favoráveis à infecção.

Várias hortaliças são cultivadas em sistemas hidropônicos, mas informações a respeito das doenças que as acometem são escassas, motivo pelo qual, nesta publicação, será dada ênfase à cultura da alface, que ocupa mais de dois terços da área de cultivo conduzida nesses sistemas.

A prevalência e a intensidade das doenças em cultivos hidropônicos variam em função do clima e da região, embora possa se afirmar que o grupo formado por fungos e oomicetos seja normalmente aquele encontrado com maior frequência.

Algumas doenças em comum e outras não registradas no levantamento feito no Paraná (Tabela 1).

Tabela 1. Doenças encontradas em sistemas hidropônicos de alface em 10 propriedades da região metropolitana de Curitiba (a) e em Brasília (b) em 2011-1013.

Doença Patógeno Prevalência
Queima da saia (a) Rhizoctonia solani Primavera, outono e inverno
Oídio (a e b) Erysiphe cichoracearum Primavera e verão
Míldio (a e b) Bremia lactucae Primavera, outono e inverno
Podridão de esclerotínia (a) Sclerotinia sclerotiorum Primavera, outono e inverno
Podridão mole (a e b) Pectobacterium spp. Primavera e verão
Espessamento das nervuras (a) Mirafiori lettuce big-vein virus (MLBVV) e

Lettuce big-vein associated virus (LBVaV)

Outono e inverno
Mosaico (a) Lettuce mosaic virus (LMV) Outono e inverno
Mancha de cercóspora (b) Cercospora longissima Primavera e verão
Septoriose (b) Septoria lactucae Primavera e verão
Vira-cabeça (b) Tospovirus não identificado. Outono e inverno

Fonte: adaptado de Silva e Lima Neto (2007).

Como as doenças se instalam nos sistemas hidropônicos

Embora as instalações de hidroponia sejam construídas para proteger as plantas, os agentes patogênicos podem contaminar o sistema por diversas formas:

a) pelo ar;

b) pela água utilizada na formulação da solução nutritiva;

c) pelo substrato utilizado na produção de mudas;

d) pelas sementes, que podem estar infestadas ou infectadas;

e) pelos operários ao manusearem as plantas ou ao entrarem em contato com a solução;

f) pelos utensílios e equipamentos usados no manejo da cultura;

g) pelos resíduos deixados durante o processo de limpeza das estruturas do circuito da solução nutritiva.

O sistema de cultivo em substrato oferece uma possibilidade a mais de contaminação de plantas quando comparado com os sistemas NFT, pois o material inerte usado, além de poder ser uma fonte de inóculo inicial, é difícil de ser plenamente desinfestado quando reutilizado.

Mesmo não fazendo parte direta dos cultivos hidropônicos, pode-se afirmar que o solo é uma das principais fontes de inóculo, independentemente do sistema utilizado. O solo contém propágulos viáveis que podem ser introduzidos no sistema por várias formas, como, por exemplo, aderidos às ferramentas, equipamentos, utensílios e aos calçados utilizados tanto no manuseio da solução nutritiva quanto nas operações de cultivo, como podas, desbastes e colheita. Além disso, a poeira ou os respingos de chuva contendo partículas de solo podem atingir os reservatórios de água ou da solução nutritiva, quando o reservatório não estiver devidamente coberto. A água, tida por muitos como livre de patógenos, pode conter bactérias como Ralstonia solanacearum, Clavibacter michiganensis subsp. michiganensis e as espécies de Pectobacterium, além de oomicetos, tais como Pythium e Phytophthora.

As sementes e mudas também são importantes fontes de inóculo em qualquer sistema de cultivo. Embora existam poucos relatos de sua importância em sistemas hidropônicos, elas são agentes de dispersão de patógenos. Neste caso, os sintomas da doença normalmente aparecem nos primeiros estádios de desenvolvimento da planta.

Pouco se conhece a respeito dos patógenos que possam ser introduzidos pelo vento em sistemas hidropônicos, mas esta via de contaminação foi comprovada para propágulos de Pectobacterium spp., principalmente na presença de aerossóis durante períodos chuvosos.

Controle de doenças em cultivos hidropônicos

O controle de doenças deve levar em conta os mesmos princípios epidemiológicos empregados para aquelas que ocorrem em campo aberto, ou seja, principalmente evitar a entrada do patógeno na lavoura e, em caso de este já estar presente, tomar medidas para que a doença não se desenvolva de forma rápida. Por se tratar de um sistema fechado, a manutenção do inóculo fora desse sistema (evitar ou reduzir o inóculo inicial) é a principal medida. Na Tabela 2 são exemplificadas fontes de inóculo para alface e tomate, duas das hortaliças mais cultivadas em hidroponia.

Boa parte dos problemas sanitários observados em alface tem sido relacionada à composição inadequada da solução nutritiva (doenças ou distúrbios de natureza fisiológica) e à falta de higiene nas instalações (doenças parasitárias).

No primeiro caso, a solução nutritiva deve sofrer alterações de acordo com a temperatura e o estádio de desenvolvimento da cultura, pois a absorção de nutrientes e a transpiração das plantas são bem diferentes no inverno e no verão e à medida que as plantas se desenvolvem. No verão, é comum aparecerem sintomas de queima de raízes e queima de bordas das folhas.

Medidas de controle integrado

A seguir, são listados alguns cuidados a serem tomados em diferentes fases da instalação da cultura em sistemas hidropônicos:

Quanto à estrutura:
  • As estruturas de proteção (estufas) devem ser instaladas em local ventilado e de máxima incidência de radiação solar.
  • O piso, que pode ser cimentado ou coberto com brita, deve ser mantido limpo, totalmente livre de plantas daninhas.
  • O filme plástico da cobertura deve estar limpo, transparente e sem furos. As telas de cobertura e de fechamento devem ser à prova de pulgões e mosca branca, e estar livres de furos ou rasgos, para evitar principalmente a entrada de “nuvens” de esporos, de bactérias e/ou de insetos vetores de vírus. O plástico deve estar limpo para permitir a máxima passagem de luz, necessária para o bom desenvolvimento das plantas.
  • Todas as superfícies da estrutura devem ser de fácil limpeza e desinfestação. Por exemplo, recomenda-se utilizar bancadas de metal ou de cimento, que são mais fáceis de serem desinfestadas que as de madeira.
  • Manter, na entrada da estrutura, uma caixa de aproximadamente 60x50x10 cm contendo cal hidratada, ou uma bandeja com solução de hipoclorito de sódio ou amônia quaternária, para desinfetar a sola dos calçados, toda vez que se visitar a cultura. A cal hidratada precisa ser mantida sempre seca e limpa, renovada pelo menos uma vez por semana. A solução desinfestante deve ser trocada a cada dia.
  • É importante também que os arredores das estruturas estejam limpos, com controle eficiente de plantas daninhas ou cultivadas que possam abrigar patógenos ou vetores de doenças que atacam a cultura principal.
Quanto à solução nutritiva:
  • Utilizar água de qualidade é outro fator importante no sucesso da hidroponia, já que é o componente principal do sistema. A água necessita ser potável, preferencialmente extraída de poço artesiano e analisada para a presença de microrganismos, composição química e acidez (pH).
  • Os microrganismos podem ser contaminantes e os sais minerais podem interferir na disponibilização dos nutrientes para a planta.
  • Formular solução nutritiva balanceada. O desbalanço de sais pode levar à deficiência ou toxidez mineral, resultando até na morte das raízes por “queima”, que é um sintoma bastante frequente em sistemas hidropônicos mal ajustados, e que pode ser confundido com podridão de raiz por fungos e oomicetos.
  • Ajustar periodicamente a solução nutritiva, principalmente a acidez e a concentração de nitrogênio, fósforo e potássio.
  • Armazenar a solução nutritiva em reservatórios limpos e bem tampados, para que não permitam a formação de algas e contaminações externas com dejetos de animais e/ou restos vegetais e partículas de solo.
  • Higienizar a cada ciclo de cultivo. Todo o sistema hidropônico deve ser cuidadosamente revisado e limpo após cada safra, mesmo que nenhum problema fitossanitário tenha sido detectado anteriormente. Um calendário de higiene muito rigoroso deve ser implementado a fim de manter o sistema livre de patógenos.
Quanto ao manuseio das plantas:
  • Utilizar cultivares resistentes, quando disponíveis, com a finalidade de reduzir o risco de perdas por algumas doenças.
  • Cultivar apenas uma espécie de planta em cada estrutura. Melhor ainda se forem cultivadas plantas da mesma idade.
  • Lavar regularmente as mãos com água e sabão, mesmo que as plantas não apresentem sintomas de doença. Essa operação deve ser executada todas as vezes em que se tocar em plantas doentes.
  • Eliminar restos culturais. Folhas e partes de plantas descartadas durante a desbrota, poda, seleção e “toilete” devem ser retiradas da estufa e eliminadas, para que não sirvam de fontes de inóculo para as plantas ainda não infectadas.
  • Limitar o trânsito de pessoas na estrutura, autorizando a entrada somente daquelas responsáveis pela manutenção das plantas.
  • Treinar empregados quanto a técnicas de assepsia e princípios básicos de epidemiologia das doenças, tais como sobrevivência, localização e dispersão de patógenos.
  • Monitorar temporariamente as estruturas e os serviços para garantir que as operações estejam sendo realizadas corretamente e no momento certo.

Tendências do controle de doenças em sistemas hidropônicos

O aumento da consciência ambiental e a busca de alimentos saudáveis, livres de resíduos de agrotóxicos, têm pressionado as instituições de pesquisa a buscar alternativas ao controle químico. Algumas técnicas, a maioria desenvolvida em países de clima temperado, têm se mostrado promissoras para o controle de doenças em cultivosbhidropônicos.

Estas medidas, entretanto, necessitam ser mais bem avaliadas e devidamente validadas antes de serem recomendadas no Brasil. Algumas dessas técnicas são resumidas abaixo:

  1. A incorporação de silicato de potássio na solução nutritiva reduziu a severidade de Pythium ultimum e Sphaerotheca fuliginea em pepino. O acúmulo de silício na parede das células da planta provavelmente reduz a penetração das hifas do fungo e do oomiceto e estimula mecanismos de defesa da planta.
  2. O aumento da concentração de cobre – fungicida de baixa toxicidade – aplicado na solução nutritiva no sistema NFT resultou no controle de algumas doenças fúngicas, mas deve-se levar em conta que o cobre é fitotóxico a algumas espécies ou cultivares.
  3. A adição à solução nutritiva de agentes tenso- ativos não iônicos proporcionou o controle de patógenos que produzem zoósporos. Este resultado necessita ser validado sob temperatura alta, condição que favorece o ataque da maioria das espécies de Pythium.
  4. O tratamento da solução nutritiva com radiação ultravioleta foi efetivo para o controle de alguns oomicetos. Entretanto, a destruição de quelato de ferro após a radiação com ultravioleta pode causar desbalanço nutricional e comprometer o desenvolvimento das plantas.
  1. O borbulhamento de ozônio na solução nutritiva inibe o crescimento de vários fungos e oomicetos. Entretanto, a destruição de quelatos de ferro também pode ocorrer pelo tratamento com ozônio.
  2. A ultrafiltração foi efetiva para alguns fungos e oomicetos, mas sua viabilidade econômica necessita melhor avaliação.
  3. A esterilização da solução nutritiva pelo calor, antes da sua recirculação, apresentou resultados inconsistentes. Além de ser caro, pode ainda precipitar o cálcio na solução.
  4. O desenvolvimento de cultivares resistentes é dinâmico e, mesmo para doenças de controle até então difícil por meio desta medida, como no caso de Pythium spp. em alface, alguns genótipos têm se mostrado promissores.

BIBLIOGRAFIA E LINKS RELACIONADOS

LOPES, C. A.; SILVA, J. B. C. da; GUEDES, I. M. R. Doenças em cultivos hidropônicos e medidas de controle. Brasília, DF: Embrapa, 2015. 12p. (Embrapa Hortaliças. Comunicado Técnico, 107).

BATES, M. L.; STANGHELLINI, M. E. Rootrot of hydroponically grown spinach caused by Pythium aphanidermatum and Pythium dissotocum. Plant Disease, St. Paul, v. 68, p. 989-991,1984.

DAVIES, J. M. L. Disease in nutrient film technique. Acta Horticulturae, The Hague, v. 98, p. 299-305, 1980.

DAVIS, R. M.; SUBBARAO, K. V.; RAID, R. N.; KURTZ, E. A. Compendium of lettuce diseases. St. Paul: APS, 1997. 80 p.

FUNCH-JENSEN, D.; HOCKENHULL, D. The influence of some factors on the severity of Pythium root rot of lettuce in soilless (hydroponic) growing systems. Acta Horticulturae, The Hague, v. 133, p. 129-136,1983.

FURLANI, P. R.; SILVEIRA, L. C. P.; BOLONHEZI, D.; FAQUIN, V. Cultivo hidropônico de plantas. Campinas: Instituto Agronômico de Campinas, 1999. 52 p. (IAC. Boletim técnico 180).

GOLD, S. E.; STANGHELLINI, M. E. Effects of temperature on Pythium root rot of spinach grown under hydroponic conditions. Phytopathology, St. Paul, v. 75, p. 333-337, 1985.

GOLDBERG, N. P.; STANGHELLINI, M. E.; RASMUSSEN, S. L. Filtration as a method for controlling Pythium root rot of hydroponically grown cucumber. Plant Disease, St. Paul, v. 76, p. 777- 779, 1992.

GRAVES, D. J. The nutrient film technique. Horticultural Reviews, New York, v. 5, p. 1-44, 1983.

JARVIS, W. R. Managing diseases in greenhouse crops. St. Paul: APS, 1993. 288 p.

JONES JUNIOR, J. B. Hydroponics: a practical guide for the soilless grower. Boca Raton: St. Lucie Press, 1997. 230 p.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. LabHidro. Disponível em:< www.labhidro.cca.ufsc. br>. Acesso em: 03 ago. 2014.

LOPES, C. A.; QUEZADO-DUVAL, A. M.; REIS, A. Doenças da alface. Brasília, DF: Embrapa Hortaliças, 2010. 68 p.

LOPES, C. A.; ÁVILA, A. C. (Org.). Doenças do tomateiro. 2. ed. Brasília, DF: Embrapa Hortaliças, 2005. 152 p.

LOPES, C. A.; CARRIJO, O. A.; MAKISHIMA, N. Contaminação com patógenos em sistemas hidropônicos: como aparecem e como evitar. Brasília, DF: Embrapa Hortaliças, 2005. 5 p. (Embrapa Hortaliças. Comunicado técnico 31).

MARTINEZ, H. E. P. Manual prático de hidroponia. Viçosa, MG: Centro de Produções Técnicas, 2006. 271 p.

RUNIA, W. T. A review of possibilities for disinfection of recirculating water from soiless cultures. Acta Horticulturae, The Hague, v. 382, p. 221-229, 1995.

SIMONE, G. W. Vegetable disease recognition and control. In: HOCHMUTH, G. (Ed.) Florida greenhouse vegetable production handbook . 1991. 98 p. v. 3. (Circular SP, 48)

Se inscreva na nossa Newsletter gratuita

Espaço para parceiros do Agro aqui

Tags: alface, Cultivo hidroponico, Doença de Planta, Hortaliça, tomate

Posts Relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Preencha esse campo
Preencha esse campo
Digite um endereço de e-mail válido.
Você precisa concordar com os termos para prosseguir

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

julho 2024
D S T Q Q S S
 123456
78910111213
14151617181920
21222324252627
28293031  
LinkedIn
YouTube
Instagram