Recursos hídricos, queimadas e cinzas: a urgência do necessário equilíbrio na busca pela sustentabilidade ambiental
A água e o fogo são elementos que, embora não se combinem, exercem uma influência mútua significativa e podem afetar profundamente a saúde humana e o equilíbrio da vida na Terra. A água, sendo indispensável para a sobrevivência, quando em excesso, pode causar problemas severos, como as enchentes e inundações que têm ocorrido no Brasil nos últimos tempos. O fogo, por sua vez, é utilizado pela humanidade desde tempos ancestrais, sendo atualmente uma ferramenta essencial para diversas atividades. Contudo, quando fora de controle ou usado de forma criminosa, pode se tornar extremamente destrutivo.
Estudos recentes têm demonstrado as interações entre esses dois elementos, com destaque para os impactos negativos do fogo sobre os recursos hídricos do planeta. Diversas pesquisas científicas apontam que as queimadas contribuem para a diminuição da disponibilidade de água, além de afetar a umidade do ar. Essas alterações estão fortemente ligadas às mudanças climáticas e ao aquecimento global.
Mas o que se diz sobre a qualidade da água? Muito pouco. Embora fogo e água não se misturem diretamente, os resíduos deixados pelas queimadas, como as cinzas, acabam por interagir com os recursos hídricos, prejudicando sua qualidade.
Os efeitos das cinzas provenientes de incêndios florestais sobre a água têm sido amplamente investigados em regiões temperadas da Europa e dos Estados Unidos. No Brasil, o tema ganhou destaque com o projeto de pesquisa “Queimadas e recursos hídricos no Cerrado: efeitos das cinzas sobre aspectos limnológicos e ecotoxicológicos” (2010-2012) e, posteriormente, com o “Projeto Cinzas: aspectos motivacionais de uso do fogo e efeitos sobre a água e o solo como subsídios para mitigação dessa prática na agricultura” (2013-2016), ambos coordenados pela Embrapa Cerrados e financiados pelo CNPq.
Apesar dos avanços, ainda há muito a ser explorado sobre o assunto. Sabe-se que as queimadas ocorrem naturalmente no Cerrado, porém a ação humana tem aumentado sua frequência, causando uma série de problemas ambientais. Além dos danos visíveis causados pelo fogo, há também consequências menos perceptíveis, como o impacto das cinzas e fuligem. Esses materiais, compostos por elementos químicos dos organismos queimados, sejam vegetais, animais ou minerais, podem se degradar conforme a intensidade do fogo.
Com a chegada das chuvas ou o transporte pelo vento, parte desses resíduos atinge os corpos d’água, carregando uma variedade de compostos químicos que afetam a qualidade da água, comprometendo sua potabilidade e prejudicando os ecossistemas aquáticos. Nutrientes como potássio, fósforo e nitrogênio, além de metais pesados, são comuns nas cinzas e suas concentrações são decisivas para os impactos que causam. Quando em contato com a água, esses compostos podem dissolver-se, alterando parâmetros como o pH e os níveis de oxigênio dissolvido, essenciais para a sobrevivência de muitas espécies. Em ambientes com pouca circulação de água, como lagos e reservatórios, os impactos tendem a ser ainda mais intensos.
A contaminação de aquíferos pelas cinzas também foi estudada, evidenciando possíveis riscos à saúde humana, como distúrbios digestivos em pessoas que consomem água de poços. Além disso, irrigantes que utilizam essa água podem enfrentar problemas, já que elementos como cálcio e magnésio podem danificar os equipamentos de irrigação. Comportamentos inadequados no uso do fogo devem ser evitados, o que exige uma maior participação de órgãos públicos, através de ações educativas e campanhas de conscientização ambiental. É necessário também combater práticas nocivas ao meio ambiente e à saúde pública.
Por fim, o equilíbrio entre água, fogo e ações humanas precisa ser urgentemente restabelecido para minimizar os danos, assegurando a sustentabilidade do planeta e a continuidade da vida humana.
Por Eduardo Cyrino Oliveira-Filho
Pesquisador da Embrapa Cerrados
Fonte:Embrapa 16/09/2024
Imagem: Freepik, 2024