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Agronegócio brasileiro: importância e complexidade do setor

Agronegócio brasileiro: importância e complexidade do setor

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(Curadoria Agro Insight)

Na curadoria de hoje, trouxemos um artigo do pesquisador da área de macroeconomia do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), Gabriel Costeira Machado, publicado no dia 14 de junho de 2021.

Neste artigo, Machado aborda com propriedade o desempenho do setor Agro em tempos de pandemia, demonstrando a sua importância e explicando as inter-relações com o mercado externo, que influenciam os preços das principais commodities produzidas e comercializadas pelo Brasil. O autor ainda reforça a complexidade do Agro explica como as exportações impactam no preço dos produtos no mercado interno e explica como isso se reflete no custo de vida e na segurança alimentar da população, especialmente nesse momento de pandemia. Além de abordar as políticas públicas que já estão implementadas e as que podem ser para garantir a segurança alimentar da população, especialmente a mais afetada pela pandemia.

ARTIGO

Em meio à crise sanitária da  se mostrou resiliente e, mais do que isso, surpreendente. Prova disso são os diversos recordes atingidos pelo setor em 2020. O PIB do agronegócio, calculado pelo Cepea em parceria com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), avançou importantes 24,3% no ano passado, alcançando participação considerável de 26,1% do PIB brasileiro. Pesquisa do Cepea, realizada com base nos dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), mostra que o agronegócio atingiu recordes de volume e de receita com as exportações, com respectivos crescimentos de 10% e de 4% em relação a 2019.

O bom desempenho do setor está, a propósito, diretamente ligado às suas exportações. Para se entender tal assertiva, deve-se considerar os seguintes cenários: a alta dos preços internacionais das commodities, predominantes na pauta de exportações brasileiras, em função do aumento da demanda mundial por alimentos, e a forte desvalorização do Real frente ao dólar. Ambos os fatores fazem das exportações o “caminho dos tijolos amarelos” para a produção agropecuária, pois seus produtos estão mais valorizados e seus preços, em dólar, mais competitivos.

Combinado a isso, foram observadas produções recordes para a agricultura brasileira em 2020. As safras de algodão, soja e milho atingiram, respectivamente, 7,4 milhões de toneladas, 124,8 milhões de t e 102,6 milhões de t (crescimentos de 4,9%, 4,3% e 2,5%, respectivamente), resultado da combinação de aumento da área e de ganhos de produtividade.

No caso da pecuária, apesar do crescimento mais modesto da produção, a alta dos preços foi a principal responsável pela expansão do faturamento das atividades, que está atrelada, por sua vez, ao forte aumento da demanda externa por carnes brasileiras. Os embarques de carne suína cresceram 39% em 2020 e os de proteína bovina, 12%. Dentre os parceiros comerciais do agronegócio brasileiro, a China predomina como o principal, sendo destino de 33,7% do total embarcado, de 73% da soja em grão, de 56% da carne suína e de 48% da proteína bovina.

Em publicação recente do Boletim Focus, o Banco Central do Brasil (BCB) estima manutenção da taxa de câmbio a R$ 5,30 ao fim deste ano, enquanto a economia brasileira deve crescer 4,36%. No campo, dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) indicam novos recordes nas produções de soja e de milho, cujas áreas podem avançar 4,2% e 7,1% na safra 2020/21, respectivamente. Para as carnes, espera-se manutenção dos elevados fluxos de exportações, se mantida a tendência já observada, conforme a Secex.

A despeito desses recordes, há de se levar em consideração que:

  • o expressivo crescimento da agricultura se tratou de uma recuperação, haja vista a queda da renda real do segmento entre 2017 e 2019;
  •  o aumento dos preços não pôde ser absorvido por uma parcela de produtores que já havia negociado as suas safras; e,
  • houve alta expressiva dos custos de produção, que espremem a margem dos produtores. Esta questão é mais prevalecente no caso do segmento primário da pecuária, em que se observou avanço significativo dos custos de produção relacionados à alimentação animal, em função das valorizações do milho e do farelo de soja.

Na outra ponta está o consumidor brasileiro, que tem se deparado, desde o ano passado, com alta relevante nos preços dos alimentos. Após um ano da declaração de “pandemia de covid-19” por parte da OMS, o IBGE divulgou, em abril deste ano, aumento acumulado dos preços dos alimentos de 13,9%, superior ao avanço do índice geral, de 6,1% – acima do limite máximo estabelecido pelo BCB. Dentre os itens que compõem o grupo de alimentação e bebidas, destacam-se os avanços do óleo de soja, do arroz, da batata e do leite UHT. De acordo com dados do Cepea, entre março de 2020 e 2021, houve alta acumulada importante de 47,6% do Índice de Preços ao Produtor de Grupos de Produtos Agropecuários (IPPA/CEPEA), destacando-se a do arroz em casca (72,8%), da soja em grãos (86,5%), do milho (59,4%), do boi gordo (54,4%), do frango (43,7%), do leite (34,8%), do suíno (20,3%), dos ovos (19,4%) e da batata (21,9%).

A alta dos preços dos alimentos pode ser atribuída, principalmente, à desvalorização da taxa de câmbio, ao aumento da demanda internacional pelas commodities e a mudanças no comportamento dos consumidores, devido ao contexto de isolamento social. Há de se levar em conta, ainda, o efeito do auxílio emergencial temporário sobre a demanda das famílias e, portanto, a elevação dos preços domésticos. Esse cenário se torna particularmente delicado quando considerada a parcela da população mais pobre e, consequentemente, mais afetada pela crise econômica intensificada pela pandemia, que sofreu a perda de emprego e/ou redução da renda. Em 2020, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de desocupação atingiu recorde da série histórica (iniciada em 2012) de 13,5%, somando 13,4 milhões de pessoas.

Não obstante, este contexto tem trazido luz ao debate sobre o aumento do número de famílias brasileiras vulneráveis à fome, uma vez que:

  • o processo inflacionário corrói o poder de compra da população, o que se torna problemático entre os mais pobres;
  • a renda é um importante fator para assegurar, ou não, a segurança alimentar e nutricional das famílias. Por exemplo, a última divulgação da Pesquisa de Orçamento Familiar 2017-2018, do IBGE, mostrou um processo de reversão de conquistas observadas até 2013, tendo lugar uma redução do número de domicílios em situação de segurança alimentar e nutricional e importante aumento de domicílios de insegurança alimentar moderada ou grave – baseando-se na Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia). Corroborando, estudo recente mostrou que, durante a pandemia, mais da metade dos domicílios brasileiros consultados enfrentaram situação de insegurança alimentar.

Esses contrastes, portanto, evidenciam a importância e a complexidade do setor; chamando a atenção para a necessidade de conciliar os interesses dos produtores, de modo a garantir a manutenção do desempenho do agronegócio, assumindo o seu protagonismo na contribuição para a economia brasileira, em termos de geração de renda e emprego; bem como o de se levar a cabo políticas públicas que capacitem as famílias brasileiras com renda suficiente para garantir segurança alimentar, calibrada conforme a evolução do custo de vida e do grau de desocupação e/ou subemprego. Em termos de programas direcionados a ações mais diretas sobre a segurança alimentar, algumas alternativas têm sido propostas e outras já são implementadas.

Um aspecto que tem sido discutido é o de formação de estoques públicos de reserva, que precisaria ser compatibilizado, evidentemente, com a sustentabilidade econômica da produção. O histórico, porém, do mau desempenho do setor público nesse tipo de política – que levou à completa reformulação dos programas de comercialização em que se envolvia no passado – não recomenda sua reintrodução. Tal atividade demanda agilidade na tomada de decisões, na disponibilização de recursos, além de eficiência logística.  Tal agilidade não é uma das características do setor público, particularmente o brasileiro.

Por outro lado, já existem instrumentos de política agrícola e de acesso à alimentação adequada, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), criado em 2003, voltado à aquisição da produção da agricultura familiar – neste caso, de produtores rurais enquadrados no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Além da aquisição dos produtos e da garantia de renda aos produtores, o PAA se articula a outros programas, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), instituído em 2009, de modo a reforçar as políticas de segurança alimentar e nutricional, procurando levar refeições de qualidade para crianças e jovens da rede pública de ensino básico, adquiridos junto à agricultura familiar – o que foi fortemente afetado durante a pandemia. Contudo, desde 2013, os recursos financeiros destinados ao PAA têm decrescido.

Em 2020, foram destinados, segundo Lei de Orçamento Anual, R$ 168,2 milhões ao Programa, dos quais, apenas R$ 27,16 mi foram executados. Para este ano, foi proposto orçamento de R$ 101,7 mi. A despeito da severa crise econômica e sanitária sem precedentes enfrentada pelo País, todo e qualquer governante deve saber que um obstáculo primário para sobrepujar a miséria e alcançar o desenvolvimento é a fome.

 O artigo também pode ser acessado na página do Cepea

 

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Tags: commodities, covid-19 e o agronegócio brasileiro, Exportações do agronegócio, Políticas públicas, Preços ao consumidor, Segurança alimentar

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