( Curadoria Agro Insight)
Benefícios do uso de adubos verdes como garantia de sustentabilidade e aumento da biodiversidade dos sistemas agrícolas
Com a intensificação da agricultura, duas práticas inadequadas passaram a ser utilizadas em grande parte dos agroecossistemas: o uso intensivo do solo e a má gestão dos recursos naturais. Uma e outra têm contribuído para o agravamento dos processos de degradação dos recursos naturais, principalmente solo e água, comprometendo, assim, severamente, a relação solo-água-planta-atmosfera, colocando em risco o equilíbrio ambiental, impondo dificuldades nas relações de sobrevivência harmônica entre os seres vivos (tanto do reino vegetal quanto do animal) e pondo em risco a qualidade de vida das populações humanas (Sanchez et al., 1989). O manejo inadequado dos resíduos orgânicos e do solo diminui o acúmulo de carbono (húmus) no solo e, consequentemente, concorre para a perda de gases de efeito estufa para a atmosfera (Reicosky; Lindstrom, 1993; Reicosky et al., 1995).
A ocupação irracional das áreas rurais e a urgência de produzir alimentos para uma população em crescimento constante, aliadas aos interesses econômicos de lucratividade no setor agrícola, também têm contribuído para o agravamento da degradação ambiental e para o aumento desses desequilíbrios. Essa dinâmica tem provocado severas alterações nos atributos físicos, químicos e biológicos do solo que, somadas à aceleração da mineralização da matéria orgânica (com consequente diminuição da fertilidade do solo), têm diminuído o potencial produtivo das regiões agroecológicas do Brasil e do resto do mundo. A essa situação somam-se questões atinentes ao clima (como temperaturas extremas e ocorrência de inundações ou secas prolongadas), ao ataque de pragas e à exposição a doenças, que têm causado sérios riscos à segurança alimentar das populações.
Desde as mais antigas civilizações, como a dos romanos, gregos e chineses, o adubo verde já era usado com sucesso (Florentín et al., 2011). Os resultados empíricos eram, então, desen- volvidos combinando a criatividade com a busca por melhores meios de produção. No entanto, com o advento dos insumos modernos, essa prática ficou praticamente esquecida. Felizmente, nas últimas 3 décadas, estudos científicos e experiências de produtores rurais em várias partes do mundo devolveram a devida importância a essa eficiente prática. O uso de adubos verdes começou, então, a retomar espaço sob as mais variadas condições agroecológicas e nos sistemas de produção adotados no mundo, contribuindo, assim, para a manutenção e a melhoria dos atri- butos físicos (Calegari et al., 2010; Basch et al., 2012), químicos e biológicos (Bolliger et al., 2006; Calegari et al., 2008) do solo. Isso vem resultando em melhoria dos diferentes sistemas agrícolas de produção, aumento da produção e da produtividade das culturas comerciais, maior racionali- dade no uso dos insumos externos e maior equilíbrio ambiental, com consequente diminuição da pressão e da ocorrência de pragas, nematoides e doenças nas culturas e no solo.
O conceito de sustentabilidade aplicado à agricultura vale aqui ser explorado. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) (1981 citado por Coutinho et al., 2003, p. 45), “sustentabilidade” é entendida como […] a capacidade de um sistema de produção de fibras, bioenergia ou alimento em manter por longo prazo a qualidade e a quantidade dos recursos naturais e a produtividade das culturas, minimizar os impactos adversos ao meio ambiente, promover retornos econômicos adequados aos produtores, otimizar a produção com um mínimo de insumos externos, satisfazer às necessidades humanas de alimentos e renda e atender às necessidades sociais das famílias e comunidades rurais.
O uso de adubos verdes e a matéria orgânica do solo
A monocultura praticada na chamada agricultura moderna, que utiliza intensivamente herbicidas, inseticidas e fungicidas para controlar pragas e doenças, e aplica grande quantidade de fertilizantes e baixos níveis de matéria orgânica no solo (MOS), inibe, de certa forma, o uso de plantas melhoradoras e recuperadoras dos solos agrícolas. Esse fato tem provocado, em certos sistemas de produção, desequilíbrio ambiental em vários níveis, decorrente do baixo grau de diversificação, e concorrido para diminuir a população de organismos antagônicos, os chamados inimigos naturais de pragas e nematoides. Com isso, a agricultura, no mundo inteiro, foi se tornando cada vez mais vulnerável. Essa questão suscita a necessidade de recorrer ao emprego de plantas de cobertura, também conhecidas como adubos verdes.
Os agricultores, em geral, desconhecem os benefícios resultantes da manutenção e do au- mento dos teores de MOS. A prática de monocultura ou o uso persistente da sucessão/sequência de culturas (como é o caso da soja-trigo e da soja-milho safrinha), a falta de um diagnóstico criterioso de todas as condições dos sistemas de produção e a interação entre culturas e pragas, doenças e nematoides comuns, nos diversos sistemas de produção, têm contribuído para que aumentem os problemas de sanidade nas culturas de importância econômica na agricultura brasileira.
Os resultados de pesquisa, aliados à experiência de produtores com o uso das plantas melhoradoras do solo, tem demonstrado grande potencial de proteção e recuperação da capacidade produtiva dos diferentes solos agrícolas. Apesar disso, um desafio se apresenta aos produtores: identificar quais esquemas de uso das variadas espécies são compatíveis com os sistemas de produção específicos de cada região e, se possível, dentro dos limites de cada propriedade, considerando os aspectos relacionados a clima, solo, infraestrutura da propriedade e condições socioeconômicas do agricultor. O emprego dessas plantas traz muitos benefícios; além de conservar ou melhorar a fertilidade, incrementa a produtividade das culturas comerciais, cria condições para o aproveitamento de algumas espécies como alimentos e/ou forragem aos animais ou para a produção de grãos para a comercialização ou a produção de óleo (biodiesel ou outros fins).
Falta, porém, vencer alguns obstáculos que têm contribuído para que muitos produtores não alcancem rendimentos favoráveis estáveis ao longo dos anos: o imediatismo de grande parte dos agricultores; o diagnóstico inadequado do uso do sistema produtivo, relacionado ao moni- toramento de nutrientes, ao aporte da MOS, ao rendimento das culturas por glebas, e à pouca utilização de coquetéis de plantas de cobertura.
Uso da adubação verde versus uso de insumos nos meios de produção
A agricultura moderna criou, nos mais diversos sistemas de produção, uma excessiva dependência de insumos externos. Para uma grande parcela dos produtores, a produção agrícola depende, exclusivamente, do atendimento das seguintes necessidades: água (chuvas), sementes, fertilizantes e agrotóxicos (venenos agrícolas). Na verdade, a questão é bem mais complexa, sendo inúmeros os aspectos a serem considerados na produção agrícola, a começar por um criterioso diagnóstico de todas as condições locais de produção, assim resumido: 1) escolha da área onde será implantada determinada cultura; 2) ajustes quanto aos atributos físicos, químicos e biológicos do solo, envolvendo análises químicas e físicas e a avaliação biológica das condições locais, para aferir e definir as necessidades de insumos, de descompactação e de correção de acidez do solo, a necessidade de inoculantes (no caso das leguminosas), etc.; 3) manejo da água; 4) cobertura do solo; 5) controle da erosão; 6) processo de semeadura; 7) tratos culturais; e 8) acompanhamento do desenvolvimento das culturas até a colheita.
A crença de que, para alcançar produção e produtividade sustentáveis, basta recorrer ao emprego de insumos levou a uma forte dependência de fertilizantes minerais e agrotóxicos, como herbicidas, inseticidas, fungicidas, acaricidas e nematicidas, sem que, antes, se tivesse estabelecido uma discussão ou avaliação criteriosa dos seus efeitos em cada gleba ou talhão, que respeitasse seu histórico de cultura, a rotação, a sequência cultural, etc. Ou seja, adotou-se uma visão muito simplista que concentra todas as soluções de problemas, como incidência de pragas e doenças, no uso de produtos químicos.
Outra questão é a limitação dos métodos tradicionais de análise e avaliação da fertilidade do solo. A avaliação química não é suficiente para avaliar o potencial produtivo de áreas que contemplem um sistema mais dinâmico, incluindo o uso de plantas de cobertura (adubos verdes) e a rotação de culturas no sistema plantio direto (SPD) com qualidade. Por isso, é preciso que os estudos se detenham em outros indicadores, como o incremento biológico, a ação de fungos micorrízicos e outros solubilizadores de nutrientes (organismos benéficos do solo) e a elevada produção de ácidos orgânicos e enzimas benéficos às plantas, à microflora e à fauna do solo (que favorecem sobremaneira a disponibilização e o acesso de nutrientes às raízes das culturas), os quais devem ser considerados e avaliados em sistemas dinâmicos de produção. Os principais fatores envolvidos no aumento da população de microrganismos solubilizadores de fósforo (P), amonificadores, nitrificadores e fungos micorrízicos são baixas oscilações térmicas entre as tem- peraturas máximas e mínimas, condições essas encontradas nas áreas com solos cobertos por resíduos das plantas de cobertura (cobertura morta) no SPD.
Há mais de 6 décadas, Primavesi (2002) já mencionava que, no futuro, as análises químicas corriqueiras e tradicionais dariam lugar às análises biológicas ou microbiológicas, as quais melhor iriam expressar o potencial produtivo das áreas agrícolas. Assim, em diferentes regiões agrícolas brasileiras, experiências de produtores mostram que as análises químicas de solo, isoladas, não explicam bem a realidade da produção ou do potencial produtivo das terras agricultáveis.
As diferentes espécies de adubos verdes isoladas ou os coquetéis (misturas), adequadamente testados e validados regionalmente nos mais diversos sistemas de produção, tendem a contribuir favoravelmente para um aumento da biodiversidade (Primavesi, 2002; Altieri et al., 2007). Isso se reflete no incremento da população dos organismos antagônicos (inimigos naturais das pragas), diminuindo a pressão de pragas e/ou doenças e nematoides sobre as culturas; nos maiores índices de infiltração de água no perfil do solo pelo efeito das raízes e da matéria orgânica adicionada ao solo (Basch et al., 2012); e no aumento da população de organismos solubilizadores de P e ácidos orgânicos, que contribuem para maior disponibilidade de nutrientes, quer pela presença de espécies que promovem a fixação biológica, quer pela habilidade das raízes e pelas interações com seus exsudatos na ciclagem dos nutrientes nitrogênio (N), fósforo (P), potássio (K), enxofre (S) e outros (Tiecher et al., 2012a, 2012b).
Além disso, as plantas de cobertura contribuem, pela adição contínua de seus resíduos, para o aumento dos níveis de MOS e principalmente para a mitigação das perdas de gases (dióxi- do de carbono – CO2 – e óxido nitroso – N2O) para a atmosfera.
Combinando o uso de adubos verdes com a rotação de culturas no SPD, promove-se o incremento da biologia do solo (macro, meso e microfauna e flora), que vai promover uma melhoria nos seus atributos (Miyasaka; Okamoto, 1992; Bulisani et al., 1993). Assim, as raízes das plantas, muito similares às hifas de fungos, podem prover a estrutura mecânica para a forma- ção inicial dos macroagregados do solo, ao englobarem as partículas e produzirem os agentes cimentantes (exsudatos radiculares), os quais estimularão a atividade microbiana (Jastrow; miller, 1998). Outro mecanismo comum de formação de macroagregados é a atividade da fauna do solo, principalmente minhocas (Blanchart et al., 1997), formigas e cupins (Marinissen; Dexter, 1990). Além de sua participação na formação de macroagregados, as minhocas contribuem para uma maior disponibilidade de nutrientes e a consequente melhoria da fertilidade química dos solos. Em relação ao plantio convencional, observa-se, no SPD, maior quantidade de biomassa micro- biana e abundância de minhocas (Doran, 1980, 1987). Além disso, em geral, o SPD favorece mais as populações de fungos do que as de bactérias (Beare et al., 1993; Frey et al., 1999; Drijber et al., 2000), produzindo uma relação de glucosamina (derivada de fungos) maior do que a de ácido murâmico (derivado de bactérias) (Frey et al., 1999; Guggenberger et al., 1999). A estabilização preferencial de fungos sobre a biomassa bacteriana pode levar a uma ciclagem mais eficiente do carbono (C) e do N (Beare et al., 1992; Frey et al., 1999).
Quanto ao manejo de plantas invasoras, o uso adequado dos adubos verdes e de seus resíduos, em razão dos seus efeitos físicos (formação de cobertura morta, sombreamento) e químicos (alelopatia), afeta qualitativa e quantitativamente distintas infestações de espécies invasoras (Teasdale et al., 2007). Por isso, estimula-se maior utilização de espécies que promovam esses benefícios – como milheto [Pennisetum glaucum (L.) R. Brown], crotalária (principalmente das espécies Crotalaria juncea e C. ochroleuca), guandu [Cajanus cajan (L.) Millsp], mucuna-cinza (Mucuna nivea (Roxb.) DC. ex Wight & Arn, syn. Stizolobium niveum Kuntze), mucuna-preta [Mucuna aterrima (Piper & Tracy) Holland], calopogônio (Calopogonium mucunoides), feijão-de-porco (Canavalia ensiformis), aveia-preta (Avena strigosa Schreb), centeio (Secale cereale), azevém (Lolium multiflorum), ervilhaca (Vicia sp.) e nabo-forrageiro (Raphanus sativus) – no controle de diferentes espécies de plantas invasoras. É importante usar e manejar essas espécies em rotação quando se pretende diminuir populações de algumas invasoras com um mínimo de agressão ao meio ambiente.
Diante disso, confirma-se a necessidade de diagnosticar todos os componentes englobados no sistema de produção – tais como os aspectos relacionados às culturas, ao solo, à água, ao nível de organismos do solo, às espécies invasoras, às máquinas, à infraestrutura do produtor e aos objetivos pretendidos -, sob o risco de cometerem-se erros, ou subestimando ou superestimando os diversos componentes, o que pode induzir o uso indiscriminado ou excessivo de insumos externos aos meios de produção.
Ocorrência de doenças em áreas sob manejo com adubos verdes
O princípio de controle de pragas e doenças adotado pelo sistema de rotação de culturas (incluindo o uso de plantas de cobertura) baseia-se em eliminar ou suprimir o substrato para o inseto ou patógeno. A ausência dos resíduos da planta anual cultivada leva à redução populacional ou à erradicação dos organismos de uma determinada área e época do ano, principalmente quando se trata de pragas que se alimentam ou infectam exclusivamente uma única espécie de planta.
No SPD, a totalidade dos resíduos culturais é deixada na superfície do solo. Nessa situação, a taxa de decomposição é mais lenta, o que aumenta o período de sobrevivência dos patógenos. Assim, o inóculo encontra condição ideal para a esporulação, a liberação e a inoculação. A nova cultura emerge entre os resíduos infectados. Dessa maneira, no SPD, as doenças causadas por patógenos necrotróficos, ou seja, aqueles que possuem a habilidade de nutrir-se de tecidos mortos (habilidade saprofítica), são favorecidas. Esses fungos desenvolvem-se mesmo após a morte do hospedeiro e podem ser mais severos sob plantio direto e com cultivo mínimo do que em convencional, pois a nova cultura poderá ser plantada sobre os resíduos de outra espécie não hospedeira. Rotações com culturas não hospedeiras reduzem a pressão de seleção dos pató- genos de solo específicos, inibindo o desenvolvimento de grandes populações. Na ausência do hospedeiro suscetível, a população declina e morre. Assim, a rotação de culturas funciona mais como efeito preventivo do que curativo (Fries; Aita, 1999).
A rotação de culturas (não apenas com culturas comerciais, mas também com adubos verdes de diferentes famílias) no SPD é um meio eficiente de aumentar a biodiversidade (Calegari et al., 2008; Florentin et al., 2011) e diminuir a ocorrência ou impedir o aumento das populações de pragas e doenças, incluindo nematoides, pela falta de um habitat e pela interrupção do ciclo desses organismos no solo (Nazareno; Mehta, 2006).
A rotação de culturas age durante a fase de sobrevivência do patógeno, quando ele é sub- metido a uma intensa competição microbiana (na qual geralmente leva desvantagem) e corre o risco de não encontrar o hospedeiro (o que lhe determina a morte por desnutrição). Isso ocorre no período entre dois cultivos, durante a fase saprofítica, quando o patógeno extrai nutrientes de vários substratos mortos. Por seu turno, os patógenos biotróficos (que se alimentam de tecidos vivos) não são afetados pela rotação, porque são dependentes de seus hospedeiros vivos (ferrugens, oídios) (Reis, 1991; Paula Júnior et al., 2004; Reis et al., 2004).
Os patógenos necrotróficos são diretamente influenciados pelo sistema sequencial de culturas; contrariamente, sob monocultura, esses são realimentados e, portanto, mantidos num potencial de inóculo suficiente para dar continuidade ao seu ciclo biológico. Quando coincide a liberação do inóculo com a presença do hospedeiro, restabelece-se o parasitismo. Nesse mo- mento, o resíduo cultural não é mais uma fonte de inóculo primário importante, pois o patógeno já foi introduzido no cultivo. A cultura principal poderá retornar à área quando os patógenos necrotróficos, controláveis pela rotação de culturas, forem eliminados ou reduzidos a um nível de inóculo muito baixo. Isso ocorre após a decomposição completa dos resíduos (mineralização da matéria orgânica).
Nas regiões agrícolas produtoras, tem-se observado, por exemplo, que a ocorrência de doenças no solo – as podridões-radiculares (causadas por Fusarium sp., Rhizoctonia sp. e outras) e algumas pragas e nematoides em diversas culturas (tais como soja, milho, feijão e algodão) – é avaliada buscando-se o controle, em grande parte dos casos, por meio do uso de produtos pul- verizados. Muitas vezes, tem-se conseguido o controle; entretanto, além de controlar o inimigo (praga, doença), elimina-se grande parte dos organismos antagônicos (que são os inimigos naturais das pragas). Como se percebe, esse nem sempre é o caminho sustentável de manejo, muitas vezes contribuindo para o desequilíbrio dos sistemas produtivos. Basta observar, por exemplo, a crescente infestação de populações de nematoides no Rio Grande do Sul, no Paraná, em Mato Grosso, em Mato Grosso do Sul, em Minas Gerais, em Goiás e na Bahia, que abrigam diferentes culturas de importância econômica, como soja, milho, algodão e feijão. O uso intensivo de fungi- cidas e inseticidas no tratamento de sementes e doenças das culturas (como a ferrugem da soja) tem, indiretamente, contribuído para a diminuição dos inimigos naturais e, consequentemente, para o desequilíbrio ambiental, aumentando a ocorrência desses organismos indesejáveis nos sistemas produtivos.
Em geral, as condições de seca e alta temperatura influenciam negativamente o cresci- mento populacional de nematoides, enquanto a maioria das plantas invasoras multiplica diferentes espécies desse parasita. O ideal é que, em vez de deixar multiplicarem-se as populações de invasoras numa determinada área, procurar substituí-las por determinadas espécies de plantas de cobertura. As vantagens auferidas incluem a melhoria dos atributos (químicos, físicos e bioló- gicos) do solo, bem como a diminuição das populações de fitonematoides do solo.
Conforme Paula Júnior et al. (2004), nas regiões de cultivo de feijoeiro irrigado, depois do aumento da produtividade nos primeiros anos, tem-se observado uma redução paulatina no decorrer das safras, em virtude dos seguintes fatores: a) rotação de culturas inadequada, com o consequente aumento da incidência e severidade de doenças; b) surgimento de novas doenças, como sarna-comum (Streptomyces scabies) e carvão da aveia (Ustilago scitaminea); c) compac- tação do solo; d) desequilíbrio nutricional; e f ) salinização do solo. Muitos produtores tentam minimizar o problema com doses maciças de fertilizantes e aplicação excessiva de defensivos químicos. Geralmente, os patógenos de solo mais comumente isolados das áreas irrigadas são: mofo-branco (Sclerotinia sclerotiorum), murcha de fusário ou tombamento (Fusarium oxysporum sp. phaseoli), podridão-radicular-seca (Fusarium solani f. sp. phaseoli), podridão-cinzenta do caule (Macrophomina phaseolina), podridão-radicular (Rhizoctonia solani) e podridão do colo (Sclerotium rolfsii). Entre as medidas de controle, a rotação de culturas é uma das mais apropriadas. Ela deve ser empregada especialmente para patógenos invasores (não habitantes) do solo, por pelo menos 18 meses, embora seja recomendada também para o manejo de habitantes do solo, os quais geralmente produzem estruturas de sobrevivência. Para estes últimos, o feijão não deve ser incluído na rotação pelo período de 4 ou 5 anos.
Algumas características dos patógenos habitantes do solo podem limitar a utilização da rotação de culturas. Por exemplo, R. solani apresenta grande capacidade de competição saprofítica; já F. spp., S. rolfsii, S. sclerotiorum e M. phaseolina produzem as próprias estruturas de sobrevivência. Desses patógenos, há muitos que têm uma vasta quantidade de hospedeiros, como sclerotiorum, que pode causar doença em mais de 400 espécies de plantas, como algodão, ba- tata, canola, cenoura, ervilha, girassol, soja, tomate e trevo. Já no caso de gramíneas, como trigo, milho e milheto, a rotação é a estratégia mais recomendada (Paula Júnior et al., 2004). Quando se implementa a rotação com culturas não hospedeiras, o patógeno deixa de dispor de fonte nutricional para sobreviver ou multiplicar-se.
Entre as principais vantagens do uso da palhada da braquiária [Urochloa brizantha (syn. Brachiaria brizantha)], seja no SPD, seja no sistema de integração lavoura-pecuária (Alves et al., 2008), destacam-se: a) boa capacidade de conservação de água; b) menor amplitude térmica; c) maior tempo de cobertura do solo em razão da lenta decomposição de seus resíduos; d) controle e minimização de algumas doenças, como o mofo-branco, a podridão-radicular-seca ou podridão por Fusarium e a podridão por Rhizoctonia (ação isolante ou alelopática causada pela microflora do solo sobre os patógenos); e e) maior capacidade de supressão física das invasoras, o que pode reduzir ou até mesmo tornar desnecessário o uso de herbicidas pós-emergentes (Lemos; Farinelli, 2008, 2010).
Trabalhos de pesquisa mostram que a braquiária em consórcio com o milho (Kluthcouski et al., 2003), com o decorrer dos anos ou com o uso contínuo, pode induzir a supressão geral de solani e F. solani f. sp. phaseoli ou servir como barreira física à disseminação do mofo-branco, quando essa doença for proveniente de ascósporos originados do inóculo no solo (Costa; Rava, 2003). Entretanto, se for constatada a presença do nematoide Pratylenchus brachyurus, a braquiária deverá ser eliminada, pois é hospedeira desse nematoide. Assim, pode causar sérios problemas às culturas de soja, milho, feijão, algodão, trigo, cevada e café, entre outras. Deverão, pois, ser utilizadas plantas de cobertura em rotação que apresentem fator de reprodução (FR) zero ou menor que 1, tais como: crotalárias (C. spectabilis, C. ochroleuca e breviflora), guandu-anão cv. Iapar-43 [Cajanus cajan (L.) Millsp], guandu-gigante [Cajanus cajan (L.) Millsp] e milheto ADR-300 [Pennisetum glaucum (L.) R. Brown].
Ocorrência de pragas em áreas sob manejo com adubos verdes
Diversificar o emprego alternado de espécies de plantas de cobertura em sequências ordenadas com culturas comerciais favorece o crescimento de maior diversidade de organismos (conforme as condições de solo, tipo de solo, fertilidade, clima, etc.), entre os quais os inimigos naturais, ou seja, insetos e outros organismos benéficos à cultura. Dessa forma, as plantas oferecem habitat natural para os insetos benéficos, e o uso de faixas de vegetação natural próximas às áreas de cultivo favorece a reprodução dessas espécies, além de aumentar as populações de organismos antagônicos às pragas, contribuindo, assim, para maior biodiversidade e maior con- trole biológico natural.
No manejo do solo, em condições em que a calagem e a aplicação de nutrientes não estão equilibradas e o sistema de preparo do solo é inadequado, a maioria dos efeitos benéficos da rotação é minimizada ou não potencializada, acarretando problemas de erosão, maior probabili- dade de ocorrência de pragas e doenças, além de resultados antieconômicos (Resck, 1993). Dessa forma, observa-se que o manejo de solos, água e culturas ocorre de forma interativa e equilibra- da. Diversos fatores devem ser considerados e seguidos para que sejam alcançados os resultados positivos almejados, como: menor risco de ataque de pragas, sinergismo e desenvolvimento de um agroecossistema equilibrado, conforme sugerido por Altieri et al. (2007).
Geralmente, pragas e doenças atacam preferencialmente plantas malnutridas e/ou com níveis de nutrientes desequilibrados, ou, então, culturas que crescem em ambiente onde haja algum desequilíbrio. Assim, o bom suprimento de nutrientes, que propiciam vigor às plantas, e a diversificação de espécies na área de cultivo são fundamentais para conferir maior resistência às plantas.
O contínuo uso de monoculturas, aliado à aplicação excessiva de produtos químicos, mui- tas vezes tem provocado desequilíbrio nos sistemas produtivos. Um exemplo típico observado nas regiões produtoras de soja, principalmente nos Cerrados, é o aumento das populações de lagartas-da-soja, como é o caso da lagarta-falsa-medideira (Pseudoplusia includens). Considerada antigamente como praga secundária da soja, essa lagarta, atualmente, já é tida como praga prin- cipal. A aplicação exagerada de inseticidas sem critério técnico, no início do desenvolvimento da soja, não obedecendo aos níveis de dano indicados e preconizados no manejo integrado de pragas, tem afetado negativamente as populações dos inimigos naturais. Segundo Clara Beatriz Hoffmann-Campo, esses, principalmente os parasitoides, como as vespinhas – Copidosoma sp. , controlam naturalmente as populações da lagarta-falsa-medideira (informação verbal)1. Ademais, a pesquisadora afirma que o uso de fungicidas não seletivos para o controle da ferrugem-asiática da soja também aumenta os problemas com a lagarta-falsa-medideira, por reduzir a incidência das doenças fúngicas, como a doença-branca e a doença-marrom, que controlam naturalmente a lagarta-falsa-medideira.
Quando se cultivam, por vários anos, espécies susceptíveis a nematoides, eles tendem a aumentar, podendo causar danos econômicos às culturas comerciais. Geralmente, o fato está associado à degradação do solo (principalmente com a diminuição dos níveis de MOS e a pre- sença de monoculturas). Assim, para viabilizar o plantio de culturas comerciais, é preciso controlar as populações desses fitoparasitas. Nesse contexto, as plantas de cobertura destacam-se entre as outras medidas de controle, como rotação com outras culturas de baixa suscetibilidade e variedades resistentes (Calegari, 2009). O manejo que promove aumento da MOS, principalmente pelo acúmulo de resíduos, incrementa a atividade biológica, aumentando o número de espécies de organismos, o que conduz a um melhor equilíbrio natural, evitando a predominância de determinada(s) espécie(s) de organismo(s), o que poderia, em algum momento, resultar em prejuízo para determinado cultivo.
Solos que apresentam elevados teores de matéria orgânica e alta atividade biológica geralmente apresentam boa fertilidade (ou têm grande potencial para isso), complexas redes tróficas e organismos benéficos que previnem infecções radiculares. Por sua vez, práticas agrícolas que causam instabilidade nutricional ou diminuição da biodiversidade podem predispor as plantas a maior suscetibilidade ao ataque de pragas e doenças (Magdoff; Van Es, 2009), enquanto outras práticas, como o uso de adubos verdes, as rotações de culturas e/ou a preservação de insetos benéficos (que também estão relacionados ao incremento da biologia e da fertilidade do solo, com consequente aumento da biodiversidade), promoverão a diminuição das populações de pragas (Primavesi, 2002; Altieri et al., 2007).
Phelan et al. (1995) enfatizam que um baixo número de insetos-praga encontrados em sistemas de produção orgânica pode advir, em parte, de resistências mediadas por diferenças bioquímicas e de nutrição mineral. Esses resultados fornecem evidências que reforçam a ideia de que o manejo da MOS, a longo prazo, pode melhorar a resistência de plantas a insetos-praga. Isso é confirmado por estudos recentes sobre as relações entre os componentes que estão sobre e no solo dos ecossistemas, os quais sugerem que a atividade biológica no solo é, provavelmente, muito mais importante do que se reconhece hoje para determinar respostas individuais das plantas aos estresses causados pelos insetos (Blouin et al., 2005).
Efeito sinérgico de sistemas integrados e diversificados de produção
Inúmeras experiências de agricultores, somadas aos resultados obtidos por pesquisas, mostram que o sistema de agricultura de conservação (que inclui o emprego de adubos verdes adequadamente integrados em rotação de culturas no SPD com qualidade, depois de adaptados regionalmente) é importante porque tende a interferir positivamente em diferentes aspectos, como:
- Promove melhor conservação e recuperação dos solos, tendendo a desenvolver um sistema sustentável de produção.
- Facilita a distribuição do trabalho durante todo o ano agrícola, levando a uma econo- mia de mão de obra e a um menor consumo de
- Permite maior diversificação com menores riscos de ataques de pragas e/ou incidên- cia de doenças.
- Possibilita melhor aproveitamento da umidade do solo, com diminuição da frequência de irrigação.
- Contribui para uma adequada redistribuição (aproveitamento e equilíbrio) dos nu- trientes no solo, proporcionando um aumento da capacidade
- Favorece a diminuição dos custos de produção.
- Contribui para maior estabilidade de produção.
- Conduz, geralmente, ao aumento dos rendimentos das diferentes culturas e, conse- quentemente, à tendência de aumento da renda líquida da propriedade e perspecti- vas de melhoria na qualidade de vida dos
Nas mais diversas regiões brasileiras, em distintos sistemas agroecológicos contingenciados em termos de clima e de solo, verifica-se que adubos verdes nem sempre são usados de forma compatível com as adequadas sequências de culturas. Na maioria das vezes, isso se deve, em parte, à falta de informações e experiências regionais comprovadas (nas regiões de recente exploração agrícola, isso tende a ocorrer com mais frequência). Além disso, muitos produtores desconhecem as melhores opções de rotação, as quais devem sempre estar associadas ao diag- nóstico das áreas cultivadas, em termos de nutrientes (aspectos químicos) e atributos físicos e biológicos do solo (presença ou não de patógenos que possam comprometer o desempenho das culturas), e, em muitos casos, à indisponibilidade de sementes de adubos verdes de origem idônea.
O conhecimento prévio do histórico da área, o acompanhamento criterioso das atividades realizadas – manejo ou não do solo, uso de calagem e adubação (química e orgânica), tratos culturais (fitossanitários) – e o histórico do rendimento das culturas são fundamentos indispen- sáveis ao estabelecimento de esquemas de rotação de culturas ajustados regional e localmente. Os esquemas de rotação dependem da região em questão, do tipo de solo, do clima, do manejo empregado, das características dos talhões e da infraestrutura da propriedade. Por sua vez, a rotação de culturas em propriedades diversificadas depende de um planejamento ordenado e de uma criteriosa adequação temporal e espacial das atividades.
Monitorar, rotineiramente, as áreas com rotação de culturas é um procedimento crucial para garantir o sucesso do sistema. Independentemente da distribuição espacial das culturas, planejar racionalmente a propriedade, a curto, médio e longo prazos, faz-se necessário para que a implementação seja técnica, ecológica e economicamente viável. O uso adequado da rotação de culturas previne o impacto ambiental causado, em algumas situações, pela excessiva degradação dos solos, consequência do uso abusivo de agrotóxicos, da adoção da monocultura e do desne- cessário e excessivo preparo do solo.
O efeito básico dos adubos verdes e da rotação de culturas nas doenças de solo e plantas baseia-se na supressão do hospedeiro (substrato nutricional). A inexistência do hospedeiro reduz o patógeno que, para viver, depende dele. Quanto às pragas, a diversificação de culturas tende a promover maior equilíbrio ambiental, graças ao maior número de inimigos naturais, e, conse- quentemente, concorre para a diminuição da ocorrência de ataques. É do conhecimento geral que os solos devem ser preservados para que continuem produtivos e sustentáveis ao longo do tempo. A diversificação do emprego de espécies de adubos verdes em sequências ordenadas, com culturas comerciais, favorece o incremento da população de diferentes organismos, entre os quais os inimigos naturais, ou seja, insetos e outros organismos benéficos (micorrizas e outros organismos solubilizadores de nutrientes) que promovem a bioativação do solo (Balota et al., 2004). Dessa forma, as plantas oferecem habitat natural para insetos benéficos. Ademais, o uso de faixas de vegetação natural próximas às áreas de cultivo favorece a reprodução dessas espécies, o que resulta em aumento das populações de organismos antagônicos às pragas, contribuindo, assim, para ampliar a biodiversidade e o controle biológico natural.
Conforme Altieri et al. (2007), esses resultados têm melhorado o entendimento sobre o papel da biodiversidade na agricultura e as estreitas relações entre a biota encontrada sobre e sob a camada superficial do solo, sendo base para o desenvolvimento de estratégias em bases ecoló- gicas, que combinam maior diversificação de culturas com incremento da qualidade do solo. Em suma, o uso de rotação de culturas e de plantas de cobertura (melhoradoras e recondicionadoras dos atributos do solo) no SPD ajuda a equilibrar as relações solo-água-planta (ambiente como um todo) e, consequentemente, estimula a produção sustentável de alimentos, fibras e energia em harmonia com a natureza.
Considerações finais
Manter os sistemas de produção equilibrados de forma que sejam produtivos, competiti- vos e sustentáveis ao longo do tempo é um dos mais importantes objetivos da agricultura mo- derna. Por isso, devem-se identificar sistemas que permitam integrar e contribuir para alcançar maior biodiversidade, diversificação na produção, equilibrados uso, reciclagem e aproveitamento de nutrientes, manutenção e/ou recuperação dos atributos (químicos, físicos e biológicos) do solo e diminuição dos riscos e perdas por ataque de pragas e doenças. A integração das práticas ordenadamente sistematizadas, que privilegiem o aumento dos níveis de matéria orgânica e da biodiversidade do solo, promoverá avanços não apenas na agricultura como um todo, como também nas condições socioeconômicas dos produtores rurais.
O uso de adubos verdes (plantas de cobertura) conduzido em rotação de culturas no SPD, com qualidade e adaptado regionalmente, traz grandes benefícios: a) permite melhor distribuição do trabalho durante todo o ano; b) economiza mão de obra; c) ajuda a controlar as invasoras, principalmente por efeito de coberturas e rotações; e d) favorece o incremento da biologia do solo (macro, meso e microfauna e flora), promovendo, assim, maior biodiversidade e melhor equilíbrio ambiental, com menos ocorrência de pragas e doenças. Esse sistema reduz acentuadamente as perdas de solo, promove aumento da infiltração e do armazenamento de água no solo, melhoria da fertilidade do solo, em razão de uma maior reciclagem de nutrientes, maior diversidade, au- mento no rendimento das culturas e melhor estabilidade de produção, além de possibilitar o uso racional e constante da terra com o emprego mínimo de insumos externos. Comprova-se, assim, que o uso de adubo verde é uma forma eficiente e eficaz de produção contínua em sistemas sustentáveis.
O manejo sustentável do solo e das diferentes culturas deverá ser pautado por um diag- nóstico de qualidade, ou seja, que considere todos os atributos químicos, físicos e biológicos de uma determinada área a ser cultivada, e que cheque, in locu, possíveis limitações, desafios e/ou problemas relacionados à compactação do solo, à deficiência de nutrientes, à ocorrência de pragas e/ou doenças radiculares, e a nematoides. E, então, numa visão holística, buscar integrar ferramentas que harmonizem o manejo do solo com o das culturas:
- priorizando o uso de produtos biológicos e intervenções com produtos que pro- voquem o mínimo de destruição possível das populações de inimigos naturais das pragas;
- inserindo o uso adequado de diferentes espécies de plantas de cobertura;
- incrementando a rotação de culturas, no sistema plantio direto com qualidade, con- duzindo a uma maior biodiversidade e bioativação de solos e plantas;
- aumentando a microbiota do solo e, assim, a disponibilização e o uso racional de nutrientes e insumos;
- desenvolvendo uma agricultura de processos, e não de produtos, que conduza a um maior equilíbrio nos sistemas de produção, ou seja, a maiores produtividades com menores custos de produção, de forma sustentável.
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