(Curadoria Agro Insight)
Na curadoria de hoje, trouxemos um texto da plataforma Visão de Futuro do Agro Brasileiro, sobre a importância da busca do bem-estar animal e o seu papel no processo de busca da sustentabilidade do Agro.
Há no mínimo duas décadas, verifica-se tanto a sistematização da legislação e das normas ─ com destaque para a UE ─ quanto a estruturação voluntária de cadeias de suprimento de alimentos com base em práticas e processos voltados ao bem-estar animal, dirigidas, sobretudo, a partir de uma estratégia dominante das redes de varejo e indústrias de alimentos líderes globais (Alves, 2019). Merecem também destaque nessa iniciativa pequenos e médios produtores em canais curtos de comercialização. Desde 2019, por força de lei, ovos produzidos nos países-membros da UE são oriundos de sistemas alternativos, como aviários de um ou múltiplos pisos, livres de gaiola ou da produção orgânica (European Commission, 2021). Os impactos dessa tendência estão diretamente relacionados a dimensões sociais e de sustentabilidade e igualmente a questões concretas como mortalidade e produtividade, custos e agregação de valor nos sistemas de produção animal, assim como qualidade e segurança dos alimentos e saúde animal e humana (no conceito de saúde única).
De forma geral, as mudanças em curso voltadas ao bem-estar animal, tanto na legislação quanto nas práticas de produtores, cooperativas e agroindústrias reforçam os padrões adotados na última década, os quais visam evitar a dor desnecessária e prover condições para a expressão do comportamento natural dos animais. São mudanças abrangentes nos sistemas produtivos em todas as espécies de interesse comercial.
Essas mudanças têm gerado impactos econômicos negativos como o aumento nos custos e nos controles, a necessidade de investimentos em capacitação da mão de obra e ampliação da assistência técnica, na adaptação ou construção de novas instalações e aquisição de novos equipamentos e na implementação de sistemas de rastreabilidade e certificação. Entretanto, ainda é uma incerteza se esses impactos serão transferidos aos consumidores e se serão plenamente compensados pela agregação de valor a partir de atributos de diferenciação e da qualidade da carne, do leite e dos ovos, bem como pela redução de custos com insumos veterinários e antimicrobianos e melhorias em índices zootécnicos (Menghi et al., 2014).
É maior a incerteza sobre o fato de essas mudanças se traduzirem ou não em maior renda agrícola no campo. Além disso, a adoção diferenciada de padrões de bem-estar animal entre produtores, regiões ou países implicará mudanças na competitividade relativa desses atores, em um primeiro momento com a internalização de custos, seguidos de diferenciação e posicionamento em cadeias de valor, bem como restrição no acesso a mercados. A Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), como entidade responsável, realiza ações para harmonização e desenvolvimento de padrões internacionais e recomendações de referência em bem-estar animal; e o Brasil, como signatário, vincula-se à OIE por meio de representantes do Mapa. É competência do Mapa o fomento e a fiscalização do bem-estar animal por meio de seus departamentos envolvidos na produção pecuária.
O tema “bem-estar animal” está inserido em 16 dos 17 ODS e apresenta sinergias e interações com diversas megatendências discutidas no documento Visão 2030: o futuro da agricultura brasileira (Villa Alves et al., 2020). Destaca-se ainda a automação dos sistemas de produção e o desenvolvimento de tecnologias da informação (monitoramento, sensores, diagnóstico e inteligência artificial) e de análises em grandes bases de dados (big data) em fazendas inteligentes com maior interatividade e conectividade com os demais elos das cadeias produtivas e os consumidores. Outra tendência observada nessa área é o conceito de Saúde Única, reforçando a estreita relação entre a saúde humana e a dos rebanhos, com destaque para a redução ou mesmo banimento do uso de antibióticos na produção animal.
Por fim, intensifica-se uma busca por produtos substitutivos que utilizem biotecnologia para gerar inovações em carnes cultivadas e matéria-prima de origem vegetal, que se coloca como alternativa à produção convencional de proteínas animais, explorando as questões ligadas ao bem-estar animal e ao meio ambiente.
BIBLIOGRAFIA E LINKS RELACIONADOS
VISÃO de futuro do agro brasileiro: sumário executivo. Brasília, DF: Embrapa, 2022. 8 p., 2022
ALVES, S. ESG: decisões empresariais com impactos globais. AviNews Brasil. 29 ago. 2021. Disponível em: https://avicultura.info/pt-br/esg-decisoes-empresariais-com-impactos-globais/. Acesso em: 15 jul. 2021.
COMPASSION IN WORLD FARMING. ‘End the Cage Age’: European Citizens’ Initiative for Farmed Animals. 2021. Disponível em: https://www.ciwf.eu/impact-to-date/end-the-cage-age-european-citizens-initiative-for-farmed-animals/. Acesso em: 20 set. 2020.
EUROPEAN COMMISSION. Eggs market situation dashboard. Disponível em: https://ec.europa.eu/info/sites/info/files/food-farming-fisheries/farming/documents/eggs-dashboard_en.pdf. Acesso em: 20 set. 2020.
MENGHI, A.; ROEST, K. de; PORCELLUZZI, A.; DEBLITZ, C.; DAVIER, Z. von; WILDEGARD, G.; DISKMEYER, W.; ZIMMER, Y.; BÖLLING, D.; HUYLEMBROEK, G. van; METTEPENNINGEN, E. Assessing farmers’ cost of compliance with EU legislation in the fields of environment, animal welfare and food safety. Bruxelles: European Commission, 2014. 277 p.
VILLA ALVES, F.; COSTA GOMES, R. da; ALMEIDA, R. G. de; KARVATTE JUNIOR, N.; OLIVEIRA; C. C. de. Bem-estar animal: desafios, oportunidades e perspectivas globais. Campo Grande, MS: Embrapa Gado de Corte, 2020. (Embrapa Gado de Corte. Documentos, 286).