(Curadoria Agro Insight)
Na curadoria de hoje, trouxemos uma matéria que apresenta a viticultura de precisão e como esses sistema de produção pode influênciar a qualidade das uvas e do vinho produzidos.
Agricultura de precisão ajuda a produzir vinhos diferenciados em SP
Na rota paulista do vinho, no interior do estado, a mais de 700 metros de altitude, um vinhedo está colhendo os resultados da aplicação da vitivinicultura de precisão. A constatação de pesquisadores brasileiros de que a variação dos atributos do solo e da planta ocorre mesmo em pequenas áreas de um vinhedo permitiu a colheita seletiva de uvas ‘Syrah’ e a obtenção de vinhos finos de inverno com características distintas.
A variabilidade espacial e temporal em pequenos vinhedos foi comprovada em pesquisa realizada pela Embrapa Instrumentação (SP) na vinícola Terras Altas (Ribeirão Preto, SP), em parceria com a Faculdade de Ciências Agronômicas (FCA) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu (SP), e o Núcleo Tecnológico Epamig Uva e Vinho, em Caldas (MG).
Realizado no modelo on farm research, que permite o estudo direto na propriedade agrícola, durante o ciclo da cultura da videira para vinho, o trabalho avaliou dois anos de produção de uva – 2020 e 2021 – em sistema de dupla poda. Nele, u10ma poda é realizada em agosto para indução do ciclo vegetativo e outra entre janeiro e março, para indução do ciclo produtivo e colheita de uvas no inverno.
Uvas e vinhos com características diferentes
Nos dois anos, os vinhos ‘Syrah’ de inverno apresentaram algumas características distintas em função das duas zonas de manejo delimitadas, denominadas de Z1 e Z2, e conforme os dois porta-enxertos adotados: ‘Paulsen 1103’ e ‘IAC 572’.
Em ambos os ciclos de produção de uvas, o número de cachos, massa total por planta e a massa média de cachos, sólidos solúveis, potencial hidrogênico (pH), antocianinas (pigmentos vegetais responsáveis pela cor do vinho) e compostos fenólicos (que conferem adstringência, coloração, sabor e aroma) nas sementes foram maiores em Z2. Os compostos fenólicos nas cascas foram maiores em Z1.
Os vinhos originados do porta-enxerto ‘Paulsen 1103’ apresentaram maior acidez volátil nas duas zonas de manejo em 2020, enquanto o ‘IAC 572’ conferiu aos vinhos valores maiores de pH e teor de antocianinas, e poder antioxidante em Z2.
Já em 2021, os vinhos provenientes da Z1 apresentaram maior teor de álcool e açúcar, maior pH e tonalidade. Os vinhos elaborados a partir das uvas da Z2 apresentaram maior concentração de antocianinas, maior índice de polifenóis totais – substâncias que influenciam o sabor e na cor do vinho e são benéficos para a saúde – e maior intensidade.
“As informações são estratégicas para a vitivinicultura de precisão e para o manejo de vinhedos, porque a partir delas o viticultor pode tomar decisões quanto à condução diferenciada de práticas agrícolas utilizadas no cultivo de uvas. Uma delas é a colheita seletiva”, diz o pesquisador da Embrapa Luís Henrique Bassoi.
Segundo ele, a adoção dessa prática pode originar vinhos com características diferentes e de interesse da vinícola. “Os resultados da pesquisa têm impacto direto na qualidade do vinho e podem, sem dúvida, contribuir para o aumento da qualidade do produto nacional”, reforça Baldo.
A pesquisa orientada por Bassoi foi conduzida pela engenheira agrônoma Larissa Godarelli Farinassi (foto à direita), da FCA Unesp, para obtenção do título de doutora em Irrigação e Drenagem. Ela investigou a influência da variabilidade espacial em vinhedo irrigado na qualidade da uva e do vinho ’Syrah’ de inverno.
Vitivinicultura de precisão
A vitivinicultura de precisão é a adoção de procedimentos e de uso de equipamentos e sensores para a prática da agricultura de precisão (AP) em sistema de produção de uva para vinho.
Essa forma de gestão da área de produção de uvas permite caracterizar a variabilidade espacial e temporal do solo e da planta, além de auxiliar na execução de práticas agrícolas de modo diferenciado no vinhedo. No caso específico da pesquisa na vinícola Terras Altas, foi adotado o sistema de dupla poda, fazendo com que a colheita de uvas para vinificação ocorresse durante o inverno.
De acordo com Bassoi, os próximos passos da pesquisa envolvem análises da variabilidade espacial e temporal entre vinhedos.
Hipótese comprovada
A hipótese era de que a variabilidade de atributos do solo e da videira em um mesmo vinhedo poderia acarretar características diferentes nas uvas e nos vinhos delas originados.
Assim, foi caracterizada a variabilidade espacial do vinhedo irrigado por gotejamento a partir da delimitação de duas zonas de manejo. Em uma delas a avaliação foi referente aos atributos do solo – condutividade elétrica aparente e umidade. Na outra, a avaliação foi voltada à planta – índices de vegetação.
Além disso, os pesquisadores avaliaram se as zonas de manejo se diferenciavam entre si quanto aos atributos químicos e físico-hídricos do solo, bem como em relação aos aspectos produtivos, quantitativos e qualitativos das uvas e à composição dos vinhos, nos ciclos de produção investigados.
Conforme suspeitavam, a variabilidade espacial e temporal do vinhedo pertencente à vinícola Terras Altas, constatada em duas zonas de manejo, ocorreu mesmo em pequenas áreas da unidade de produção.
Colheitas seletivas
Farinassi explicou que as zonas de manejo também possibilitaram a avaliação de diferenças quanto aos atributos físicos-hídricos do solo. “Os valores de umidade do solo, em decorrência das irrigações realizadas e chuvas ocorridas, foram maiores em Z2 nas profundidades de 0,4 até 1,0 metro. A diferença observada entre as zonas de manejo 1 e 2 aumentou em profundidade em ambos os ciclos de produção”, confirma a pesquisadora.
Outra vinícola na qual a pesquisa também é realizada é a Casa Verrone (Itobi, SP). De acordo com o seu diretor-proprietário, Márcio Vedovato Verrone, o estudo trouxe informações que vão apoiar decisões futuras e de estudo em outras áreas.
O conhecimento da variabilidade do vinhedo está auxiliando a instalação do sistema de irrigação por gotejamento na vinícola, ao definir os setores do sistema de irrigação, para aplicação de uma lâmina de água variada, caso necessário.
Microvinificação
Com base nos dados das zonas de manejo, as colheitas seletivas de inverno das uvas da ‘Syrah’ foram realizadas em julho de 2020 e em julho de 2021.
As uvas foram encaminhadas para o Núcleo Tecnológico Epamig Uva e Vinho, para a microvinificação – processo de fabricação do vinho em pequena escala – e determinação de parâmetros como pH, acidez total, açúcar, alcalinidade, entre outros.
Para a coordenadora do Programa Estadual de Pesquisa em Vitivinicultura da Epamig, Renata Vieira da Mota, a vitivinicultura de precisão é uma ferramenta importante nas pesquisas, pois contribui para o conhecimento detalhado do vinhedo e fornece as informações que ajudam a explicar o comportamento fisiológico da planta.
Potencial vitícola
De acordo com o zoneamento pedoclimático realizado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mais de 70% do estado de São Paulo apresenta aptidão edáfica para o cultivo da videira.
No entanto, conforme o estudo, o potencial vitícola regional é mais proeminente nas estações de outono e inverno, quando as condições climáticas são favoráveis à maturação das uvas.
Conforme a Associação Nacional de Produtores de Vinho de Inverno (Anprovin), 13 vinícolas adotam a técnica da dupla poda no estado de São Paulo, produzindo vinhos de inverno em uma área de 60 hectares.
Emprego e renda
No Brasil, conforme a Anprovin, o cultivo da videira para a colheita de uvas no inverno ocorre em 267 hectares, o que possibilita a obtenção de 400 mil litros de vinho por ano e de 500 mil garrafas, produzidos por 35 associados presentes em cinco estados brasileiros – Bahia, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso e São Paulo.
BIBLIOGRAFIA E LINKS RELACIONADOS
Embrapa/Notícias – Agricultura de precisão ajuda a produzir vinhos diferenciados em SP. Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação. Setembro de 2022.