Décio Luiz Gazzoni *
A sociedade global está consumindo recursos naturais mais rapidamente do que eles conseguem se regenerar. Já estamos sacando a descoberto os recursos futuros da Terra, para operar no presente, criando uma enorme dívida ecológica.
O cálculo da sobrecarga sobre os recursos do planeta é realizado pela ONG Global Footprint Network, cuja sigla é GFN. Para tanto utiliza um programa chamado Ecological Footprint Calculator, que divide a biocapacidade do planeta (que é a quantidade de recursos ecológicos que a Terra pode regenerar no ano) pela pegada ecológica da humanidade – a quantidade de recursos naturais necessários para sustentar os padrões de consumo da população mundial, no mesmo período.
Com base nesses cálculos, a cada ano a GFN anuncia o Earth Overshooting Day, o dia em que passamos a sacar no negativo. Ele já foi 30 de dezembro, em 1972, porém chegou a 2 de agosto, em 2023. Ou seja, ao longo dos anos o consumo dos recursos aceleraram, ultrapassando cada vez mais cedo a capacidade de regeneração. Estamos utilizando recursos que equivalem a 1,74 planetas, algo como 74% acima da capacidade de renovação do único planeta que temos!
Os sistemas de produção agrícola podem gerar diversas pressões sobre os ecossistemas, incluindo a alteração do uso dos solos, o esgotamento e a poluição da água, a perda de biodiversidade e emissões de gases de efeito estufa. Em 2023 a revista Nature publicou um artigo analisando a pegada ecológica da Europa, em tempos recentes. Uma das conclusões é que o continente excede em muito a sua biocapacidade, em termos de emissões e de utilização da terra e da água, o que também inclui alimentos importados.
Enfrentando o problema
A política da União Europeia (UE) de intervenção na oferta e demanda não tem surtido efeitos e o problema não apenas continua, como se agrava. Iniciativas recentes, como o Pacto Ecológico e a estratégia da Fazenda à Mesa, objetivam encontrar uma transição para sistemas alimentares mais sustentáveis.
Os agricultores europeus insurgiram-se contra as medidas acima, afirmando que elas apenas transferem os impactos ambientais para países fora da Europa, penalizando os agricultores do bloco. O artigo da Nature aponta que quase 25% da biocapacidade necessária para alimentar os cidadãos da UE-27 provém de países não pertencentes ao bloco.
Para contrapor-se a esse suposto risco, a Europa tenta conter importações que não se enquadrem em rígidas determinações que, em teoria, visam equalizar a sustentabilidade dos sistemas agrícolas europeus com os externos ao bloco.
O que aparenta ser uma grande ameaça ao Brasil, pode, ao contrário, ser uma invulgar oportunidade. O nosso país tem como incorporar cada vez mais tecnologias intrinsicamente sustentáveis, em seus sistemas produtivos.
O exemplo que trazemos à baila é a integração agricultura e apicultura, focando na principal cultura agrícola do Brasil, que é a soja. Essa integração permite incrementar a produtividade da soja em 13%, na média dos estudos da Embrapa, podendo ir além, de acordo com outros autores.
Esse ganho de produtividade significa que a expansão de área pode ser reduzida em 13%, para obter a mesma produção, ou seja, menor ampliação de área de cultivo. Também significa menos emissões por unidade de produto ou de área, porque não há alteração na utilização de insumos.
A necessidade de os agricultores protegerem as abelhas polinizadoras tem como externalidade positiva a preservação da biodiversidade, menor impacto de insumos sobre o solo e a água. E, ao final, aumenta a rentabilidade financeira do produtor.
Todos ganham!
O apicultor também se beneficia, pela maior produção de mel, e pela redução de custos representada pela oferta de grande quantidade de néctar. Um ganho econômico e social.
A preservação das abelhas é uma das preocupações globais, devido à redução de sua população no mundo, consequentemente do serviço ecossistêmico de polinização, um dos recursos não renováveis que estão sendo pressionados.
O Brasil pode posicionar-se como líder global na preservação dos polinizadores e da polinização, reduzindo a pressão sobre os recursos não renováveis do planeta, e auferindo os benefícios comerciais por produzir alimentos de forma mais sustentável.
Ao final da cadeia, o Brasil se beneficiará com o aumento da sustentabilidade da sua produção agrícola, permitindo atender rígidos padrões de certificação de sustentabilidade e políticas de importação da Europa.
E para quem viu no caso acima exposto um exemplo didático de observância dos conceitos de ESG (atendimento de aspectos ambientais, sociais e de governança), vislumbrou a grande oportunidade que se descortina. Agora precisamos captura-la, em nosso benefício e da Humanidade.
*Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja, membro da Academia Brasileira de Ciência Agronômica, do Conselho Científico Agro Sustentável, do Comitê Estratégico Soja Brasil e do Instituto Soja Sustentável