(Curadoria Agro Insight)
Na curadoria de hoje, trouxemos um texto da plataforma Visão de Futuro do Agro Brasileiro, sobre as mudanças na demanda de mão de obra no agronegócio brasileiro.
Escassez e elevação do custo da mão de obra
As três últimas décadas foram marcantes para a agricultura brasileira em seu papel no crescimento econômico e na geração de divisas para o País. Especificamente em relação ao mercado de trabalho na agricultura, houve um conjunto importante de transformações, oriundas tanto de alterações na composição da produção agropecuária nos estados e nas grandes regiões, como de profundas transformações nas estruturas produtivas, em suas vertentes tecnológicas, de gestão e de introdução de novos sistemas produtivos. Mudanças demográficas também ocorreram no País, em geral, e na população ocupada nas atividades agropecuárias, em particular. Além disso, políticas públicas orientadas para o setor agrícola e para o desenvolvimento rural trouxeram impactos significativos para o mercado de trabalho. Como resultado desse complexo processo, um conjunto de tendências, observadas com mais intensidade a partir de meados dos anos 1990, consolidaram-se, imprimindo ao mercado de trabalho agrícola brasileiro novas feições e características (Maia; Sakamoto, 2014; Laurenti et al, 2015; Mattei, 2015; Del Grossi, 2016; Silveira, 2017; Balsadi; Del Grossi, 2018; Balsadi, 2019; Garcia; Maia, 2019).
A redução significativa do pessoal ocupado na agricultura brasileira, em que pese o período ter sido bastante favorável para o setor, foi o traço mais visível nesse processo. Entre os censos agropecuários de 1996 e 2017, houve queda de 1,4 milhão de pessoas ocupadas na agricultura brasileira, consolidando, dessa forma, uma permanente redução na demanda de força de trabalho agrícola desde 1985, quando 23,4 milhões de pessoas estavam ocupadas nos estabelecimentos agropecuários. Desde então, o número de pessoas ocupadas vem diminuindo sistematicamente até chegar aos 15,1 milhões de ocupados em 2017 (Del Grossi; Balsadi, 2020). Por que isso ocorreu? E por que deve continuar ocorrendo?
É preciso observar, de forma complementar e articulada, tendências consolidadas ao longo desse período. Pelo lado da produção, houve significativo aumento da automação e mecanização, que tornaram redundante o trabalho humano nas atividades agrícolas. Também houve aumento expressivo da produtividade do trabalho e uma concentração da demanda por força de trabalho em um pequeno conjunto de atividades. Do ponto de vista da concentração da demanda de trabalho assalariado, um conjunto de apenas cinco atividades concentraram cerca de 60,4% do total de empregados permanentes e temporários, em 2017: criação de bovinos; cultivo de cana-de-açúcar; cultivo de soja; cultivo de café; e criação de aves (Balsadi, 2019; Del Grossi; Balsadi, 2020).
Quanto às mudanças demográficas, ocorreu redução da participação da juventude (pessoas entre 15 e 29 anos de idade) nas atividades agropecuárias, aumento da participação das pessoas com mais de 60 anos na população economicamente ativa (PEA) agrícola e queda da participação da mão de obra feminina na agricultura (Balsadi; Mota, 2021). Por fim, pelo lado das estratégias familiares: redução drástica da participação dos membros não remunerados da família na PEA agrícola; engajamento crescente dos residentes rurais nas atividades não agrícolas, desenvolvidas tanto no campo como nas cidades (Laurenti et al., 2015; Sakamoto et al., 2015); e aumento da PEA agrícola dedicada exclusivamente à produção para o próprio consumo, fato agravado pela pandemia de Covid-19.
Diante disso, é preciso atenção às seguintes tendências:
1) demandas e perfis de empregados nas atividades agropecuárias, especialmente com o aumento da digitalização, o que vai impactar profundamente os sistemas de formação e capacitação de mão de obra (Sistema CNA, 2019);
2) aumento do nível médio de escolaridade da PEA agrícola, especialmente de pessoas com curso superior completo e pós-graduação (Balsadi; Del Grossi, 2016);
3) crescente importância dos serviços agropecuários (terceirização) na ocupação da PEA agrícola, incluindo as startups;
4) aumento das relações de assalariamento e a expansão das commodities, com maior importância dos empregados permanentes vis-a-vis os temporários (Balsadi, 2021);
5) estudos sobre as reformas trabalhistas desde 2017 e seus impactos nos mercados de trabalho rural e agrícola;
6) produtividade como principal fator para o crescimento da produção de grãos nos próximos 10 anos, com uso intensivo de capital e redução do uso de mão de obra (Brasil, 2020).
Em 2017, mais de 70% dos estabelecimentos agropecuários não tinham acesso à internet. No Norte e Nordeste, cerca de 85% e 80%, respectivamente, não possuíam conectividade (Del Grossi; Balsadi, 2020). Sem uma ampla acessibilidade a esses serviços, será difícil romper com o atual padrão da concentração da produção agropecuária em uma reduzida parcela dos estabelecimentos agropecuários.
BIBLIOGRAFIA E LINKS RELACIONADOS
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