(Curadoria Agro Insight)
A curadoria de hoje é sobre o uso de bioinsumos na agricultura. Desta forma, trouxemos o resumo do capítulo “Microrganismos solubilizadores de fósforo e potássio na cultura da soja” do livro Bioinsumos na cultura da soja. A autoria do capítulo é dos pesquisadores Christiane Abreu de Oliveira-Paiva, Vera Maria Carvalho Alves, Eliane Aparecida Gomes, Sylvia Morais de Sousa, Ubiraci Gomes de Paula Lana e Ivanildo Evódio Marriel.
Introdução
O Brasil é o País com o maior potencial de expansão da agricultura no globo, devendo se tornar, nos próximos cinco anos, o maior exportador de grãos do planeta, superando os Estados Unidos. Nossa agricultura alimentou em 2020 quase 800 milhões de pessoas e, enquanto a produção de grãos mundial cresceu 2,05% ao ano, entre 2011 e 2020, a do Brasil cresceu 5,33%, mais do dobro da taxa mundial (Contini; Aragão, 2020). Apesar disso, os sistemas de produção agrícola brasileiros são continuamente afetados pela baixa fertilidade dos solos, levando ao uso intensivo de fertilizantes químicos sintéticos, que elevam os custos de produção em termos econômicos e ambientais, além de promover a dependência da importação de insumos.
Para suprir a demanda nacional do agronegócio por nutrientes, o País importa, em média, 70% dos fertilizantes nitrogenados e fosfatados e acima de 95% dos fertilizantes potássicos (Associação Nacional para Difusão de Adubos, 2019; GlobalFert, 2021), sendo o quarto maior consumidor global de fertilizantes, atrás apenas da China, da Índia e dos Estados Unidos.
Aumento da aquisição de P em soja por microrganismos solubilizadores de fosfato (MSP)
O fósforo (P) é um dos nutrientes mais limitantes para o crescimento das plantas e sua deficiência pode causar atraso no crescimento e interferir nos processos de fotossíntese, respiração, armazenamento e transferência de energia, divisão celular e crescimento das células vegetais (Hammond; White, 2008). Em soja, além de essencial para o metabolismo energético, também contribui para a nodulação e consequente fixação do nitrogênio (N) atmosférico. Por impactar diferentes processos vitais, o P torna-se necessário desde a germinação, principalmente em plantas de ciclo curto, como a soja. Nos solos brasileiros, a maior parte do P encontra-se imobilizado nas formas insolúveis de fosfatos de cálcio (Ca), ferro (Fe) e alumínio (Al) ou fortemente adsorvido a argilominerais (Novais; Smyth, 1999). Estima-se que cerca de 70% do P aplicado via fertilizantes minerais ou orgânicos permanece acumulado no solo em formas pouco acessíveis às plantas (Pavinato et al., 2020).
Uso de inoculante contendo microrganismos solubilizadores de fosfato (MSP) na cultura da soja
A equipe da Embrapa Milho e Sorgo vem pesquisando e selecionando MSP há quase 20 anos (Oliveira-Paiva et al., 2009; Gomes et al., 2014; Sousa et al., 2021; Velloso et al., 2020). O inoculante contém as estirpes Bacillus subtilis (CNPMS B2084) e B. megaterium (CNPMS B119), BSP capazes de aumentar a eficiência do uso de P para as plantas, o que pode resultar no aumento da produtividade e, no futuro, na utilização de menores doses de fertilizantes fosfatados.
Estas duas estirpes foram isoladas de áreas agrícolas distintas no País, onde prevalece o cultivo de cereais (Oliveira-Paiva et al., 2009; Abreu et al., 2017). A estirpe de B. megaterium (CNPMS B119) foi isolada da rizosfera de milho, e tem capacidade de solubilizar fosfatos de cálcio e de rocha e produzir fosfatase, enquanto a estirpe de B. subtilis (CNPMS B2084) é endofítica, solubiliza fosfatos de cálcio e ferro, apresenta alta produção de ácido glucônico e enzima fitase (Abreu et al., 2017; Oliveira-Paiva et al., 2020b). Além disso, estas estirpes possuem propriedades distintas de promoção de crescimento, como a produção de AIA, sideróforos, exopolissacarídeos e formação de biofilme que estimulam o aumento da superfície radicular, especialmente de raízes mais finas (Sousa et al., 2021; Velloso et al., 2020). Bactérias do gênero Bacillus possuem ainda a capacidade de formar endósporos, permitindo que se adaptem a condições abióticas extremas, como temperatura, pH, radiação, dessecação, luz ultravioleta ou exposição a pesticidas (Bahadir et al., 2018).
O inoculante BiomaPhos® foi indicado inicialmente para milho, no entanto, para fins de recomendação agrícola e expansão de seu uso, diversos experimentos foram realizados para avaliar sua eficiência na cultura da soja, o que resultou no registro no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para esta cultura em 2021.
A inoculação com BiomaPhos® em sementes de soja na dose de 100 mL.ha-1 foi realizada em 181 unidades de observação localizadas em diferentes regiões produtoras do Brasil nas safras 2018/2019 e 2019/2020. Os resultados demonstraram que em todos os locais, a produção foi maior na área inoculada com o bioproduto.
Considerando todos os locais de avaliação, o ganho médio variou de 0,3% a 18,5%, com média de 6,3%. Os ganhos variaram de 0,1 a 11,5 sacas/ha, com média de 4,3 sacas/ha. Quando analisamos os dados por estado, o maior ganho médio foi registrado em Goiás (10%), e o menor, em Santa Catarina (2,8%). O maior ganho, em sacas/ha, foi registrado no Paraná (5,3 sc/ha), e o menor, em Santa Catarina (2,2 sc/ha). Na grande maioria dos locais avaliados (175) o ganho com a inoculação da soja foi maior que o custo de aplicação. O custo médio da aplicação do inoculante foi 0,7 sc/ha de soja, de modo que o ganho com a inoculação do BiomaPhos® em soja foi, em média, igual a seis vezes o custo da aplicação (Oliveira-Paiva et al., 2020b).
Em outro experimento em Lavras-MG, realizado em parceria com a Embrapa Milho e Sorgo na safra 2018/2019, a inoculação do BiomaPhos® na dosagem de 100 mL.ha-1 no sulco de semeadura da soja promoveu maior enchimento de grãos e produção de massa seca da parte aérea e sistema radicular das plantas. As maiores produtividades da cultura foram obtidas sob a aplicação da dose cheia do fertilizante fosfatado em conjunto com a utilização do inoculante via sulco de semeadura e tratamento de sementes, com ênfase para a aplicação de 100 mL.ha-1 do BiomaPhos® no sulco.
Pesquisas conduzidas pela equipe de pesquisadores da Embrapa Soja, resultaram no lançamento do inoculante contendo na mesma formulação os microrganismos Azospirillum brasilense (Ab-V6) e Pseudomonas fluorescens (cepa CNPSo 2719), com ações de fixação de Nitrogênio, Mobilização de Fósforo e promoção de crescimento de plantas, sendo registrado para as culturas da soja e do milho.
Adicionalmente, o microrganismo Pseudomonas fluorescens (cepa CNPSo 2719) em formulação isolada foi registrado para a mobilização de P para as culturas do milho e da Brachiaria (Urochloa ruziziensis), demonstrado, uma possibilidade na gestão no nutriente P no solo em rotação de culturas, bem como, quando associados a cultura de cobertura. Ressaltando também, o benefício na visão do sistema de produção, como por exemplo, na integração Lavoura-Pecuária.
Considerações finais
O uso de inoculantes microbianos pode ser considerado uma tecnologia que aumenta o componente biológico nos sistemas de produção da soja, garantindo a saúde do solo, tanto pela diminuição do uso de fertilizantes sintéticos quanto pela adição de microrganismos benéficos. Isto garante a esta prática um importante destaque dentro do manejo integrado de fertilizantes, alcançando visibilidade em programas importantes do governo, como o Plano ABC, de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono, e mais recentemente no Programa Nacional de Bioinsumos, que visa aproveitar o potencial da biodiversidade brasileira para reduzir a dependência em relação aos insumos importados.
A utilização de microrganismos solubilizadores de P é uma tendência que tem apresentado resultados promissores em diversos países para diferentes culturas, com vários produtos comerciais no mercado global.
Para solubilização do nutriente P existem comercialmente os produtos BiomaPhos, Biofree e PastoMax. Assim, para ampliar e consolidar a oferta de bioinoculantes no mercado brasileiro, há necessidade de pesquisas futuras visando:
- identificar e caracterizar novos microrganismos mais eficientes na solubilização de P e K;
- caracterizar mecanismos de ação para melhor entendimento dos processos e seleção de cepas;
- definir condições ótimas para a atividade dos inoculantes, inclusive de interações entre diferentes microrganismos nativos do solo e outros bioinoculantes amplamente utilizados, especialmente fixadores de N, no caso da soja;
- ampliar os estudos em condições de campo para definição de doses e melhorar o entendimento das respostas à inoculação em diferentes condições edafoclimáticas;
- ampliar estudos com diferentes culturas para definição da afinidade e doses;
- conduzir experimentos de campo de longa duração para entendimento do comportamento de inoculantes em longo prazo e impactos na saúde microbiológica do solo, inclusive em rotação de culturas.
BIBLIOGRAFIA E LINKS RELACIONADOS
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