(Curadoria Agro Insight)
Na curadoria de hoje, trouxemos um texto da plataforma Visão de Futuro do Agro Brasileiro, sobre a pressão exercida sobre aspectos chave no enfrentamento às mudanças climáticas na agropecuária, a resiliência e a adaptação.
Resiliência e adaptação
Em termos agronômicos, resiliência é a capacidade de um ecossistema se recuperar e retomar as mesmas funções após um determinado impacto (seca, enchente, fogo, desmatamento, etc.). Por sua vez, adaptação à mudança do clima é a capacidade dos sistemas ou populações de adotarem medidas e práticas para diminuir os impactos advindos da mudança do clima (Obermaier; Rosa, 2013).
A necessidade de uma estratégia de adaptação para o setor agrícola se deve à percepção de que o desenvolvimento de ações estruturais no setor precisa ser pensado de forma a fomentar o incremento da resiliência dos sistemas produtivos, reduzindo sua vulnerabilidade e aumentando sua capacidade adaptativa, diante dos impactos causados por eventos climáticos.
Está claro que esforços de adaptação à mudança do clima ganham relevância à medida que evidências indicam impactos, a maioria negativos, sobre os sistemas de produção. O Brasil vem assumindo compromissos internacionais visando à mitigação dos efeitos negativos com metas de redução da emissão de GEE até 2030 e 2050 que envolvem todos os setores da economia. No setor agrícola, a estratégia tem sido fortalecer, entre outros aspectos, a intensificação sustentável por meio da restauração de pastagens degradadas e da implantação de sistemas de ILPF. Parcerias público-privadas estão em franca expansão visando articular novas ações que promovam a mitigação e a adaptação de sistemas produtivos no País, com grande destaque para a ILPF (Embrapa, 2018).
Segundo a FAO (2016), 75% dos alimentos do mundo são gerados a partir de apenas 12 plantas e 5 espécies animais, tornando o sistema alimentar global altamente vulnerável, demandando ações que aumentem a capacidade adaptativa dos sistemas agrícolas. O aquecimento global deve ocasionar mudanças climáticas capazes de impactar fortemente e negativamente ambientes naturais e os sistemas agropecuários. Somam-se a isso os riscos apontados pelo AR6-WGI de agravamento dos efeitos deletérios da mudança do clima em ambiente tropical com consequente impacto econômico de redução da produtividade em culturas e rebanhos, além do impacto ambiental, resultando potencialmente em efeitos negativos ou mesmo em perda na biodiversidade.
O desenvolvimento de políticas baseadas em ciência e tecnologia bem concatenadas a um sistema de apoio à decisão tem sido um fator fundamental para o sucesso da Política Setorial Brasileira e para o processo de governança complexa, como os problemas apresentados pela mudança do clima (G20 CSWG, 2018).
Além dos impactos abióticos extremos, a mudança do clima traz incertezas e complexidade adicional à produção no meio rural, na forma de maior variabilidade na disponibilidade hídrica e de potenciais mudanças na aptidão agrícola por causa de alterações na temperatura e no regime de chuvas ao longo do tempo. Tanto os sistemas produtivos quanto os de abastecimento devem, portanto, buscar formas de se adaptar às novas condições. O planejamento, o monitoramento e a governança do solo e da água, por diferentes setores da sociedade, são elementos transformadores nesse processo de adaptação.
Diante do histórico de degradação da água no meio rural, é premente que medidas sejam tomadas tanto pelos produtores rurais, no âmbito da propriedade, quanto pelos tomadores de decisão no âmbito da paisagem, de modo a assegurar a provisão de água para os usos múltiplos. A irrigação precisa ser mais eficiente, por meio do uso dos métodos recomendados para cada tipo de solo e cultura, além do seu manejo a partir do monitoramento preciso da evapotranspiração, utilização de sistemas mais eficientes e adaptados às condições locais, evitando desperdício de água e energia. Palhares (2019) apresentam experiências de consumo de água na pecuária, discutem o manejo de resíduos animais e sua utilização como fertilizante, bem como tecnologias disponíveis com o reúso e tratamento da água. A contenção dos processos erosivos contribuirá para a redução do assoreamento dos corpos hídricos e dos custos elevados do tratamento da água para o abastecimento.
Segundo Kummu et al. (2021), que introduziram o conceito de espaço climaticamente seguro, integrando variáveis climáticas críticas para a produção agrícola, como precipitação, temperatura e aridez, os cenários mais drásticos de elevação da temperatura global poderiam forçar até 31% da produção global de cultivos alimentares e até 34% da produção pecuária para além dos limites do espaço considerado climaticamente seguro entre 2081 e 2100, caso não seja possível limitar o aquecimento global entre 1,5 °C e 2,0 °C.
De modo a responder aos impactos preponderantes da mudança do clima sobre a agricultura tropical, a pesquisa agropecuária brasileira terá muito a contribuir para o processo de adaptação. São exemplos as seguintes linhas de atuação: identificação de espécies resistentes aos impactos bióticos; zoneamentos climáticos para diferentes cultivos; indicadores e métodos de baixo custo para quantificação, monitoramento e valoração dos impactos das mudanças climáticas, no solo e na água; mapeamento de áreas vulneráveis e prioritárias à intervenção; modelagem e cenários futuros sobre os impactos da mudança do clima; fortalecimento de mecanismos econômico-financeiros de incentivo ao manejo sustentável do solo e da água no meio rural; proposição e implementação de sistemas de produção agropecuários integrados e focados na provisão de serviços ecossistêmicos múltiplos; desenvolvimento de sistemas de alerta; plataformas interativas para acompanhamento pelo produtor das condições meteorológicas e seu impacto na produção agropecuária; apoio à elaboração e implementação de políticas de combate à desertificação e degradação do solo e da água no meio rural; recomendações para o uso eficiente do solo e da água; e ênfase nos estudos da biodiversidade (do solo, por exemplo) e sua contribuição para a resiliência dos sistemas produtivos (Embrapa, 2018).
No âmbito da produção animal, que será impactada pela redução na qualidade e quantidade da forragem e na disponibilidade de água, provavelmente resultando em queda da produção de carne e leite, piores índices reprodutivos, estresse calórico (com redução da ingestão de alimento e piora na conversão alimentar) e aumento na incidência de doenças (Rojas-Downing et al., 2017), medidas de adaptação envolverão modificações nos sistemas de manejo, nutrição e estratégias de cruzamentos, demandando avanços tecnológicos para a tomada de decisão pelos produtores. Uma gradual redução da criação extensiva, por meio de uma intensificação sustentável dos sistemas de produção animal (Havlík et al., 2014), acompanhada da utilização de sistemas agroflorestais que sequestram o C e melhoram o microclima para os rebanhos, é apontada em estudo elaborado pelo Portfólio de Mudança do Clima da Embrapa (Pellegrino et al., 2022).
A análise elaborada no Portfólio de Mudança do Clima aponta ainda que a seca e a mortalidade de árvores induzidas pelo calor estão se acelerando em muitos biomas florestais como consequência do aquecimento, resultando em ameaça para as florestas globais. As árvores altas de florestas antigas estão em maior risco, devido à regulação estomática iso-hídrica, baixa condutância hidráulica e área foliar alta. O tempo de recorrência em que esses eventos estão ocorrendo é tão rápido que não permite que as espécies se adaptem, gerando morte de árvores e implicações nefastas para o armazenamento de carbono terrestre (McDowell; Allen, 2015).
Segundo análise do Portfólio de Mudança do Clima, opções de adaptação devem incluir medidas como a formação de redes de observação que envolvam iniciativas coordenadas dos produtores, do governo, do setor privado, das instituições de ensino e do terceiro setor, bem como a identificação das informações disponíveis sobre impactos, vulnerabilidade e estratégias de adaptação às alterações climáticas. Especificamente visando a medidas de adaptação para espécies arbóreas, destaca-se a manutenção da diversidade genética e da conectividade do habitat da espécie, gerenciamento de outros estressores, entre outras. No entanto, devem ser consideradas outras opções, como a migração assistida, a gestão de doenças e pragas, o monitoramento e a gestão dos principais polinizadores e dispersores de sementes também vulneráveis às alterações climáticas (Gill et al., 2013).
Alinhar o planejamento estratégico e o desenvolvimento tecnológico visando promover a adaptação aos potenciais impactos decorrentes da mudança do clima no tempo presente e suas repercussões no futuro é um exercício extremamente complexo e, por natureza, possui diferentes níveis de precisão. Análises elaboradas por Rosegrant et al. (2014) apontam incertezas na categorização precisa de um conjunto de tecnologias promotoras do desenvolvimento sustentável da agricultura, em que há uma necessidade de contínuo processo de avaliação dos processos de desenvolvimento científico nos diversos estágios e adoção.
O conjunto de tecnologias inclui sistema de plantio direto; manejo integrado da fertilidade de solos; captação de água nos sistemas agrícolas; irrigação inteligente; agricultura de precisão; variedades melhoradas; eficiência no uso de N; agricultura orgânica; e aprimoramento do manejo integrado na proteção de culturas contra doenças, pragas e plantas daninhas. Outras tecnologias também devem ser avaliadas como alternativas para adaptação dos sistemas de produção às mudanças climáticas, especialmente as que potencializem o reaproveitamento de resíduos urbanos, agroindustriais e/ou industriais como fonte alternativa de nutrientes para as culturas; a obtenção de fontes alternativas de água para irrigação, como, por exemplo, por meio do tratamento e reúso de efluentes; o uso de porta-enxertos visando à adaptação a condições de estresse térmico, hídrico, salino e biológico; o uso de fontes renováveis de energia nas atividades agropecuárias; o uso de sistemas de produção em ambiente protegido, especialmente aqueles que permitam o controle das condições climáticas no interior do ambiente de produção; o aumento significativo da produtividade, por meio dos sistemas verticais de produção, permitindo a disponibilização de maior quantidade de área para recuperação ambiental; e o uso de soluções da Internet of Things (IoT) no monitoramento e controle das variáveis interferentes na produção agrícola.
O Acordo de Paris requer que
“Todas as Partes, conforme apropriado, se engajem no planejamento e na implementação por intermédio de planos nacionais de adaptação, levantamento das vulnerabilidades, monitoramento e avaliação e diversificação econômica. Todas as Partes deveriam, conforme apropriado, comunicar suas prioridades, planos, ações e necessidade de suporte por intermédio de comunicações que serão colecionadas em sistemas de registro público.”
Nessa linha, países desenvolvidos vêm ampliando investimentos e propondo políticas públicas e regulamentações que lhes permitam se adaptar aos efeitos da mudança do clima, mantendo a competitividade das diferentes atividades econômicas.
O Brasil lançou, em 2016, o Plano Nacional de Adaptação (PNA) (Brasil, 2016), que contempla a estratégia setorial de Adaptação da Agricultura. No PNA, encontram-se relacionadas várias propostas para implementação governamental, das quais o Plano ABC, conforme mencionado, constitui a resposta setorial mais concreta.
A primeira fase do Plano ABC estabeleceu as bases para consolidar uma estratégia que conciliou adaptação, renda e controle de emissões. O novo Plano ABC+ está mais voltado às ações de adaptação (Brasil, 2021). Suas bases conceituais são as seguintes: a Abordagem Integrada da Paisagem (AIP), a combinação de estratégias de adaptação e mitigação e o estímulo à adoção e manutenção de sistemas, práticas, produtos e processos de produção sustentáveis. Segundo o documento (Brasil, 2021, p. 25):
“Iniciativa única no mundo em seu escopo e abrangência, é um compromisso do setor agropecuário brasileiro com os esforços empreendidos mundialmente no enfrentamento das mudanças do clima. Para tal, fomenta o uso de tecnologias de produção adaptadas às condições tropicais e o contínuo aperfeiçoamento dos sistemas produtivos de alimentos sobre bases sustentáveis. Amparadas por forte lastro científico, ambas estratégias permitem, além de ganhos ambientais, maior eficiência produtiva, ampliação dos ganhos socioeconômicos, aumento da resiliência do setor agropecuário e mitigação de gases de efeito estufa entre outros benefícios. ”
BIBLIOGRAFIA E LINKS RELACIONADOS
VISÃO de futuro do agro brasileiro: sumário executivo. Brasília, DF: Embrapa, 2022. 8 p., 2022