Projeto pioneiro no Pará promove a conservação de felinos de grande porte
Por meio da conscientização e ações práticas, o Fauna Sustentável contribui com a preservação das onças em Paragominas
Coexistência significa, em sua essência, a coabitação comum e pacífica entre dois elementos. Por anos, a pergunta feita por muitos fazendeiros no município de Paragominas, no sudeste do estado do Pará, foi relacionada a este termo: será que é possível ter produção de gado e, ao mesmo tempo, coexistir com as onças que habitam as matas da região?
Fonte: pixabay 18/04/2024
De acordo com Iara Ramos, bióloga e pesquisadora de doutorado em Ecologia da Universidade Federal do Pará (UFPA), a resposta a esta pergunta é sim. “O nosso trabalho é justamente trazer a solução para um problema que foi diagnosticado pelos próprios produtores de Paragominas, que informaram que as onças estavam abatendo o gado, trazendo prejuízos para eles”, comenta. Isso também resultava na morte de onças para defesa da produção.
E assim o município de Paragominas tornou-se protagonista de uma iniciativa pioneira no estado do Pará: o projeto Fauna Sustentável, o primeiro que aborda e promove ações sobre a Coexistência Gente-Fauna no Estado. Por meio de eventos abertos ao público, palestras em entidades de ensino, oficinas e exposições, o projeto está promovendo no último ano a conscientização e implementando medidas práticas para obter resultados: ao todo, 24 fazendas da região foram atendidas desde 2022 e 870 pessoas foram alcançadas pelas palestras e oficinas. Antes do trabalho, havia registros de 15 abates de gado predado por onças. Desde o início das ações do projeto em parceria com os produtores, não houve registros de animais abatidos até então.
No campo, as estratégias são o manejo antipredação para evitar danos que onças possam causar aos animais de criação, instalação de armadilhas fotográficas nas fazendas para monitorar felinos e outras espécies, orientando os produtores rurais sobre como evitar os danos, realizando treinamentos de coexistência com onças. Além disso, os registros são compartilhados com o público no Instagram do projeto: @faunasustentavel.
“Recebemos no treinamento várias ideias sobre como lidar com as onças: utilização de alguns fogos de artifício, colocar chocalhos nas vacas, inserir um touro na criação para proteger o rebanho, entre outros. E agora estamos muito felizes que as predações por onças pararam. Há cerca de oito meses não temos mais relatos de gado morto. É muito gratificante perceber que estamos conservando o meio ambiente. É preciso ter espaço para todos: humanos e animais”, pontua o fazendeiro Idolan Silveira.
O objetivo da coexistência é justamente um conceito mais amplo, inclusivo e abrangente que vem ganhando atenção crescente entre pesquisadores e inclui a conservação de diversas espécies. Isso porque as onças não são as únicas atendidas pelo Fauna Sustentável. As armadilhas fotográficas nas fazendas identificaram 19 espécies animais em mais de 400 registros realizados, a exemplo da Sussuarana; da Jaguatirica; do Gato-mourisco; do Tamanduá-bandeira; da Irara; da Capivara e do Catitu.
Contribuição acadêmica
Fruto do Consórcio de Pesquisa em Biodiversidade Brasil-Noruega (BRC na sigla em inglês), o projeto conta hoje com quatro estudantes de graduação: dois de Ciências Biológicas, um de Zootecnia e um de Design. “Sou bolsista do projeto e venho conhecendo o impacto do design na construção da coexistência gente-fauna. Com base nisso e com apoio da equipe, estou produzindo o meu TCC, que será o primeiro Guia de Coexistência Humano-Fauna da Amazônia. Tem sido uma trajetória incrível”, explica Cláudio Soares, estudante de Design na Universidade do Estado do Pará (UEPA).
“Mais do que os números, o projeto vai um pouco além do manejo e da assistência e vínculo com os produtores rurais. Ele traz novas possibilidades para as pessoas na equipe. Então, hoje temos alunos de graduação que pensam em se especializar em coexistência e que antes não tiveram a oportunidade de atuar em um projeto com esse foco e infraestrutura”, comemora Iara.
O BRC é formado pela Hydro, Universidade de Oslo, da Noruega, Museu Paraense Emílio Goeldi, Universidade Federal do Pará (UFPA) e Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA). Estabelecido em 2013, o consórcio mantém um programa de pesquisa conectado às operações de mineração da Hydro em Paragominas. O Fauna Sustentável iniciou, inclusive, a partir de interações observadas na área da mina e fazendas próximas. Dentro da mina já foram realizados dois workshops com áreas chave como Meio Ambiente, Operação da Mina, entre outras, onde foram avaliadas as interações e a equipe pôde contribuir para a elaboração do plano de ação do projeto. Além disso, os empregados participaram de conversas com o projeto, obtendo informações práticas sobre como reagir se encontrar uma onça, como diferenciar a pegada dela de outros animais e demais orientações.
Desde que foi fundado, o BRC já aprovou 26 projetos de pesquisa e 60 artigos científicos foram publicados. O consórcio representa um investimento de mais de R$ 14 milhões por parte da Hydro e foi renovado por mais cinco anos em 2023. “Os estudos desenvolvidos por meio do BRC geram conhecimento aplicado à reabilitação de áreas mineradas. Além disso, aumentamos consideravelmente nosso conhecimento sobre a biodiversidade na Amazônia, o estado de conservação das espécies e sua ecologia. Todo esse aprendizado contribui para o processo de tomada de decisão da empresa”, explica Eduardo Figueiredo, Diretor de Sustentabilidade e Impacto Social da Hydro.
O Fauna Sustentável é um grande exemplo desta contribuição. “Ele traz uma nova perspectiva. Quando vamos até a fazenda e conseguimos implementar o manejo e evitar que onças e gado sejam abatidos e percebe que, antes das pessoas pensarem em atentar contra a vida de um animal, elas já mandam mensagens perguntando o que podem fazer, algo que antes não era dessa forma. Para nós isso vale muito mesmo. Com o tempo, já conseguimos perceber um discurso pró-coexistência. Isso é muito valioso, estamos criando uma nova forma de enxergar a biodiversidade”, conclui Iara Ramos.
Renata Grieco