Projeto de combate à desertificação transforma comunidades no sertão da Bahia
Mais de mil famílias no Sertão do São Francisco, na Bahia, foram mobilizadas para praticar o manejo sustentável e a recuperação dos recursos naturais da Caatinga. As atividades integram o projeto REDESER, que visa interromper e reverter a desertificação em áreas críticas do semiárido brasileiro. A iniciativa, realizada pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e recursos do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), atua em diversas regiões do Nordeste. Na Bahia, o projeto foi implementado em 14 comunidades de fundo de pasto, uma ocupação tradicional de territórios baseada no uso comunitário da terra por meio da agricultura familiar.
O projeto d combate à desertificação nessa região, o REDESER capacitou quase 400 pessoas nos municípios de Uauá e Monte Santo, com aulas práticas e teóricas que somaram quase 230 horas sobre sistemas produtivos resilientes, regenerativos e sustentáveis. Essas ações foram executadas pela Fundação Araripe, com apoio da Escola Família Agrícola do Sertão (EFASE) e a Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá (COOPERCUC), com o objetivo de promover a segurança alimentar e hídrica e a conservação da biodiversidade, fortalecendo a convivência com a semiaridez e combatendo os processos de desertificação.
Cada comunidade recebeu um Plano de Gestão Integrada de Recursos Naturais (GIRN) e Planos de Uso Potencial e Sustentável para suas áreas florestais coletivas, documentos que permitiram um planejamento mais eficaz do uso dos recursos naturais do bioma. A difusão dessas práticas resultou no aumento do cultivo de produtos da Caatinga, que hoje são comercializados por cooperativas locais, inclusive para a indústria de alimentos e de cosméticos.
As atividades do projeto também incluíram o desenvolvimento de um inventário florestal detalhado, que passou a orientar o uso de mais de 16 mil hectares de vegetação nativa, com foco na valorização dos produtos florestais não madeireiros. Além disso, para auxiliar o processo de formação dos agricultores, o REDESER montou unidades demonstrativas, gerando modelos replicáveis de diferentes sistemas agrícolas e florestais (SAF), como agroflorestas, sistemas silvipastoris (ILPF da caatinga), apiários, meliponários e barragem de base zero.
Conquistas de comunidades tradicionais
Desde os anos 80, as comunidades de fundo de pasto no sertão nordestino vêm lutando pelo reconhecimento e regularização de suas terras. Maria da Glória Cardoso do Nascimento, uma das fundadoras da Escola Família Agrícola do Sertão (EFASE), relembra que essa trajetória foi marcada por conflitos. Apesar dos avanços, as comunidades de fundo de pasto ainda buscam titulação definitiva das terras e mais visibilidade. Atualmente, elas estão em busca pelo reconhecimento como um Sistema Importante do Patrimônio Agrícola Mundial (SIPAM), título concedido pela FAO a práticas agrícolas que geram meios de subsistência nas áreas rurais, combinando biodiversidade, ecossistemas resilientes, tradição e inovação de maneira única.
Desenvolvimento da apicultura
Em Uauá, o REDESER foi um divisor de águas para os agricultores familiares, especialmente apicultores. Maciel da Silva Rodrigues, presidente da associação comunitária, relembra como o projeto trouxe novos conhecimentos e soluções práticas para atividades que já eram desenvolvidas desde os anos 90. “A gente agradece muito o projeto, porque impactou muitas famílias”, afirma. A capacitação técnica e os equipamentos entregues pelo REDESER, ampliaram a capacidade produtiva e resolveram desafios históricos enfrentados pela comunidade.
Antes do apoio, a colheita de mel era limitada pela falta de infraestrutura adequada. “Quando chegava a época da colheita, a gente tinha que pedir o equipamento emprestado das comunidades distantes, e, quando chegava a nossa vez, já tinha passado a época da safra”, explica Maciel. Agora, com a centrífuga própria entregue pelo projeto, o cenário mudou.
O equipamento permite que os apicultores processem o mel no tempo certo, aumentando tanto a eficiência quanto a qualidade do produto. A previsão de produção, que girava em torno de 350 quilos por florada, saltou para estimativas entre 450 quilos e uma tonelada. “Com a chegada da centrífuga a gente vai produzir mais e colher no tempo certo”, celebra o agricultor.
Além da apicultura, o REDESER também incentivou a diversificação produtiva por meio de SAFs. Com o cultivo de frutas como goiaba, acerola e umbu, a comunidade passou a integrar uma cadeia produtiva que beneficia cooperativas e pequenos negócios locais. “Na nossa comunidade, temos a produção de sorvete e picolé. A gente fornece as frutas à cooperativa COOPERCUC, eles processam e fazem a polpa, e a gente compra de volta para fazer nossos produtos”, conta Maciel. O uso de produtos da agricultura familiar, como licuri, manga e coco, fortalece a economia local e gera novas oportunidades para as famílias envolvidas.
Fonte: FAO 28/12/2024