Aspectos gerais da colheita e pós-colheita de grãos (Parte 3)

Como o Brasil pode reduzir a dependência de insumos externos

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(Curadoria Agro Insight)

Na curadoria de hoje, trouxemos a segunda parte do post publicado no dia 03/04/2023, que trouxe parte de uma publicação da Embrapa sobre colheita e pós-colheita de grãos, em especial da soja.

A colheita constitui uma importante etapa no processo produtivo da soja, principalmente pelos riscos a que está sujeita a lavoura destinada ao consumo ou à produção de sementes. Essa etapa deve ser iniciada tão logo a soja atinja o estádio de ponto de colheita (R8), segundo a escala fenológica de Fehr e Caviness (1977), a fim de evitar perdas quantitativas e qualitativas de produto.

Nesse contexto, o controle das pragas e doenças de armazzenagem deve ser realizado de forma criteriosa, visando elevar o período de armazenamento e a manutenção da qualidade dos grãos.

Pragas de armazenamento

A qualidade de grãos e sementes de soja na armazenagem pode ser influenciada pela ação de diversos fatores. Entre esses, as pragas de armazenamento, em especial os besouros Lasioderma serricorne (Fabricius, 1792), Oryzaephilus surinamensis (Linnaeus, 1758) e Cryptolestes ferrugineus (Stephens, 1831) e as traças Ephestia kuehniella (Zeller, 1879) e E. elutella (Hübner, 1796), podem ser responsáveis pela dete- rioração física dos grãos e sementes (Lorini et al., 2010).

O conhecimento do hábito alimentar de cada praga é um elemento im- portante para definir o manejo a ser implementado nos grãos e sementes durante o período de armazenamento. Segundo esse hábito, as pragas podem ser classificadas em primárias ou secundárias.

As primárias são aquelas que atacam sementes e grãos inteiros e sadios e, dependendo da parte que atacam, podem ser denominadas de primá- rias internas ou externas. As internas perfuram os grãos ou sementes e nesses penetram para completar seu desenvolvimento. Alimentam-se de todo o tecido de reserva dos grãos ou sementes e possibilitam a insta- lação de outros agentes de deterioração (Lorini et al., 2015). Um bom exemplo desse grupo é a espécie L. serricorne. As primárias externas destroem a parte exterior do grão ou da semente (tegumento) e, posteriormente, alimentam-se da parte interna sem, no entanto, se desenvol- verem em seu interior. Há destruição do grão ou semente apenas para fins de alimentação (Lorini et al., 2015).

Pragas que dependem de grãos ou sementes já danificados ou quebra- dos para se alimentar são consideradas como secundárias, pois não conseguem atacá-los quando intactos. Ocorrem nos grãos e sementes trincados, quebrados ou mesmo danificados por pragas primárias e, ge- ralmente, infestam desde o período de recebimento até o beneficiamen- to do produto. Possuem a característica de se multiplicar rapidamente e, na maioria das vezes, causam prejuízos elevados. Como exemplo desse grupo, citam-se as espécies C. ferrugineus e O. surinamensis (Lorini, 2008; Lorini et al., 2015).

Em levantamento realizado durante o período de armazenagem de soja, França-Neto et al. (2010) identificaram várias espécies de insetos-praga. Esse levantamento foi realizado em armazéns de grãos e sementes em seis municípios localizados nos estados do Rio Grande do Sul (Espumo- so), do Paraná (Palotina, Londrina e Mandaguari), de São Paulo (Orlân- dia) e de Mato Grosso (Alto Garças). Verificou-se a presença das espé- cies Sitophilus oryzae (Linnaeus, 1763), C. ferrugineus, Rhyzopertha dominica (Fabricius, 1792), Tribolium castaneum (Herbst, 1797), Li- poscelis bostrychophila (Badonnel, 1931), O. surinamensis, L. serricorne e Ephestia spp. A espécie de maior abundância foi S. oryzae, seguida de Ephestia spp. e R. dominica. Mesmo em baixa frequência nesse levan- tamento, L. serricorne passou a ser uma praga importante no armazena- mento de soja, justificando medidas de controle, por não ser tolerada a presença de nenhum inseto vivo na comercialização dos grãos.

Pragas em soja armazenada podem representar uma preocupação para os armazenadores, uma vez que: (a) os estoques de grãos permanecem por mais tempo no armazém sujeitos ao ataque das pragas; (b) a migração de insetos é facilitada pelo armazenamento de outros grãos na mesma unidade armazenadora; e (c) os compradores de grãos passaram a não tolerar pragas na expedição do produto no armazém.

Manejo integrado de pragas de grãos e sementes armazenados (MIP)

A integração de diferentes métodos de controle é prática essencial para obter sucesso na supressão de pragas de grãos e sementes armazena- dos. A resistência de pragas a inseticidas, crescente no Brasil, exige a integração de outros métodos, além do controle químico. Os métodos físicos, que antecederam os químicos no controle de pragas no passado, devem ser retomados e adequados ao uso presente e futuro. Também o controle biológico precisa ser definido quanto à sua parcela de contribuição na redução das populações de pragas. Se for associado a métodos físicos de controle, poderá ter melhor desempenho no controle das pragas.

O controle químico, adotado na maioria das unidades armazenadoras pela facilidade e pela simplicidade de uso, tem apresentado outras limitações, além do aumento da resistência de pragas aos inseticidas empregados, como a contaminação de alimentos pelos resíduos que ficam no grão. A solução para reduzir o efeito de pragas em grãos e sementes não é simples e exige competência técnica, envolvendo integração dos métodos possíveis de utilização, em cada unidade armazenadora, aliado a um sistema eficiente de monitoramento. Essas táticas, que consistem no Manejo Integrado de Pragas de Grãos Armazenados (MIPGRÃOS) ou Manejo Integrado de Pragas de Sementes Armazenadas (MIPSEMENTES), associadas a medidas preventivas e curativas de controle, permitirão ao armazenador manter o produto isento de insetos, evitando perdas quantitativas e mantendo a qualidade da comercialização e do consumo do produto. Essas técnicas de MIPGRÃOS e MIPSEMENTES, cujas eta- pas foram descritas por Lorini (2008), dependem essencialmente de:

a)   Mudança de comportamento dos armazenadores

É a fase inicial e mais importante de todo o processo, na qual todas as pessoas responsáveis, desde operadores até dirigentes das instituições que atuam nas unidades armazenadoras de grãos ou Unidades de Bene- ficiamento de Sementes (UBS), devem estar envolvidas. Nessa fase, o objetivo é a conscientização sobre a importância das pragas no armaze- namento e os danos diretos e indiretos que podem causar.

b)   Conhecimento da unidade armazenadora de grãos e da UBS

Operadores e administradores de unidades armazenadoras devem co- nhecê-las em todos os seus detalhes, desde a recepção do produto até a sua expedição, após o período de armazenamento. Em inspeções prévias, os pontos de entrada e abrigo de pragas dentro do sistema de armazenagem devem ser identificados e previstos. Também deve ser levantado o histórico do controle de pragas na unidade armazenadora e na UBS nos anos anteriores.

c)   Medidas de limpeza da unidade armazenadora e da UBS

Embora as medidas preventivas da infestação de pragas, como a limpeza de armazéns e UBS, sejam muito importantes na conservação de grãos e sementes, além de mais simples de serem executadas e de menor custo, são insuficientemente realizadas pelos responsáveis pela armazenagem. Consistem na eliminação de todos os resíduos nas instalações, incluindo os armazéns que receberão o produto, os corredores, as passarelas, os túneis, os elevadores, as moegas, etc. Esses locais devem ser varridos, sendo os resíduos de grãos, sementes e pó coletados e eliminados. A estrutura física deve ser lavada com água, em alta pressão, para eliminar os insetos residentes (localizados nas paredes, no teto e nos pisos) e resistentes aos inseticidas. Além disso, é recomendável queimar ou en- terrar esses resíduos para evitar a proliferação de insetos e fungos, que poderão reinfestar a unidade armazenadora.

d)   Medidas de higienização da unidade armazenadora e da UBS

Após a limpeza, os locais deverão ser pulverizados preventivamente com inseticidas líquidos ou em pó, a base de terra de diatomáceas, para eliminar os insetos presentes em paredes e em equipamentos. Os pós inertes, à base de terra de diatomáceas, constituem uma alternativa aos produtos químicos tradicionais para o controle de pragas durante o armazenamento; são provenientes de fósseis de algas diatomáceas, que possuem fina camada de sílica, geralmente de origem marinha. O preparo da terra de diatomáceas para uso comercial é feito por extração, secagem e moagem do material fóssil, o qual resulta em pó seco, de fina granulometria. No Brasil, existem produtos comerciais, à base de terra de diatomáceas, registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento como inseticidas indicados para controle de pragas de armazenamento de grãos e sementes.

O melhor desempenho dos produtos à base de terra de diatomáceas é por causa da perda de água do corpo dos insetos, cujo tamanho redu- zido e apêndices longos e delgados facilitam a evaporação. Sabe-se, ainda, que os insetos morrem quando perdem cerca de 30% de seu peso total ou 60% do teor corpóreo de água e que sua proteção contra a desidratação ocorre por uma barreira lipídica epicuticular com espessura média de 0,25 mµ (Korunic, 1998). Em virtude dos insetos de produtos armazenados viverem em ambientes muito secos, a conservação de água é crucial para sua sobrevivência. O pó inerte adere à epicutícula dos insetos por um mecanismo de carga eletrostática, levando à desi- dratação corporal, em consequência dos efeitos de adsorção de ceras da camada lipídica pelos cristais de sílica ou de abrasão da cutícula, ou de ambos. Quando as moléculas de cera da camada superficial são adsorvidas pelas partículas de sílica, ocorre o rompimento da camada lipídica protetora, o que permite a evaporação dos líquidos do corpo do inseto (Golob, 1997; Korunic, 1998).

A atividade inseticida pode ser afetada pela mobilidade dos insetos, pelo número e pela distribuição de pelos na cutícula, pelas diferenças quanti- tativas e qualitativas nos lipídios cuticulares das diferentes espécies de insetos, pelo tempo de exposição e pela umidade relativa do ar, fatores que influenciam a taxa de perda de água, afetando, consequentemen- te, a eficiência dos pós inertes (Ebeling, 1971; Le Patourel, 1986; Al- dryhim, 1990; Banks; Fields, 1995; Golob, 1997; Korunic, 1998; Lorini et al., 2003).

O tratamento da unidade armazenadora de grãos e/ou sementes com terra de diatomáceas possui algumas vantagens em relação aos demais tratamentos, tais como: a) controle das diversas pragas que ocorrem na unidade; b) longo efeito residual; c) menor risco de manuseio para os operadores; d) controle de populações de pragas resistentes aos inseticidas químicos (sintéticos); e e) maior dificuldade de desenvolver resistência em insetos. Trata-se de produto seguro para o usuário e de efeito inseticida duradouro, pois não perde eficácia ao longo do tempo.

O uso de pós inertes à base de terra de diatomáceas para controlar pragas em sementes e grãos armazenados é um avanço substancial no setor, pois atende à demanda dos usuários por produtos eficientes e que respeitem a saúde das pessoas e o ambiente. Os inseticidas indicados, Keepdry, Insecto e Silicon Protect, podem ser usados na proporção de 1,0 kg/t de produto a ser tratado e a aplicação pode ser feita misturando ao grão ou à semente, ou polvilhando na estrutura armazenadora (Lorini, 2008). Uma vez realizada a higienização da unidade armazenadora ou UBS, essas poderão receber os grãos ou sementes limpos e secos, de preferência com 13% de umidade, o que também auxilia na prevenção da infestação.

e)  Correta identificação de pragas

As pragas que atacam os diferentes tipos de grãos e sementes devem ser identificadas taxonomicamente, pois dessa identificação dependerão as medidas de controle a serem tomadas e a consequente potencialida- de de destruição dos grãos e sementes. As pragas de grãos e sementes armazenados podem ser divididas em dois grupos de maior importância econômica, que são os besouros e as traças. No primeiro grupo, as es- pécies que causam maior prejuízo são L. serricorne, O. surinamensis e C. ferrugineus e, no segundo, E. kuehniella.

f)   Conhecimento sobre a resistência de pragas aos inseticidas químicos

A resistência de pragas aos produtos químicos é uma realidade global e cada vez mais deve ser considerada, de forma consciente, por todos os envolvidos no processo, uma vez que pode inviabilizar o uso de alguns inseticidas disponíveis no mercado e causar perdas de elevados investimentos de capital.

g)   Potencial de destruição de cada espécie-praga

Cada espécie-praga apresenta uma forma de danificar o grão ou a semente, implicando em prejuízo parcial ou integral em função do ataque. O verdadei- ro dano e a consequente capacidade de destruição dos grãos e sementes, pela espécie-praga, devem ser perfeitamente entendidos, pois determinam a viabilidade de comercialização dos grãos ou sementes.

h)   Tratamento curativo

O expurgo ou a fumigação é uma técnica empregada para eliminar qual- quer infestação de pragas em grãos e sementes armazenados por meio do uso de gás (Lorini et al., 2013). O único tratamento curativo disponí- vel atualmente é o expurgo com fosfina, independente da apresentação comercial. Entretanto, é importante lembrar que já foram detectadas raças de pragas resistentes a esse fumigante (Lorini et al., 2007). Além disso, para uso de fosfina, a temperatura e a umidade relativa do ar no armazém a ser expurgado são de extrema importância, pois determina- rão a eficiência do processo. O tempo mínimo de exposição das pragas à fosfina deve ser de 168 horas para temperatura superior a 10 oC. Abaixo de 10 oC não é aconselhável usar fosfina em pastilhas, pois a liberação do gás será muito lenta, afetando o expurgo. A umidade relativa do ar deve ser superior a 20%, no intervalo das 168 horas, desaconselhando- se o procedimento com umidade inferior a 20%, pois a liberação do gás também poderá ser muito lenta. Para definir o período de exposição, a temperatura e a umidade relativa do ar devem ser consideradas, prevale- cendo, entre os dois, sempre o fator mais limitante (Lorini, 2008; 2012).

O expurgo deve ser empregado sempre que houver infestação, seja em produto recém-colhido infestado na lavoura, seja após um período de armazenamento em que houve infestação no armazém. O expurgo pode ser realizado nos mais diferentes locais, desde que seja observada a perfeita vedação do local e as normas de segurança para os produtos quími- cos. Assim, pode ser realizado em lotes de sementes, silos de concreto e metálicos, armazéns graneleiros, tulhas, vagões de trem, porões de navios, câmaras de expurgo, entre outros. O gás introduzido no interior da câmara de expurgo deve ser mantido em concentração letal para as pragas. Por isso, qualquer saída ou entrada de ar deve ser vedada, sempre com materiais apropriados, como a lona de expurgo. Para lotes de sementes ensacadas, é essencial a colocação de pesos sobre as lonas de expurgo ao redor dos lotes, para garantir a vedação.

Em trabalhos de expurgo com fosfina realizados na Embrapa Soja, em Londrina, PR (Krzyzanowski et al., 2010), não foi detectado efeito sobre a qualidade fisiológica de sementes de soja. Nos testes de comprimento de plântulas e de hipocótilo, que indicam toxidez do produto nas culti- vares e nos dois níveis de vigor avaliados, não foi detectado efeito dos níveis de fosfina, demonstrando que esse produto é seguro para expurgo de sementes de soja.

Para que o expurgo seja eficiente, ou seja, para que os insetos sejam eliminados, independentemente da fase do ciclo de vida, a concentração de fosfina deve ser mantida, no mínimo, em 400 ppm por pelo menos 120 horas de exposição (Lorini et al., 2011) e a distribuição do gás no interior do silo deve ser uniforme. No trabalho de Krzyzanowski et al. (2010), foi verificado que o expurgo foi eficaz, uma vez que a concen- tração do gás fosfina, monitorada durante todo o experimento, ficou acima de 400 ppm durante as 168 horas de exposição.

i)  Monitoramento da massa de grãos e lote de sementes

Uma vez armazenados, os produtos devem ser monitorados durante todo o período em que permanecerem estocados. O acompanhamen- to da evolução de pragas que ocorrem na massa de grãos ou em lote de sementes armazenadas é de fundamental importância, pois permite detectar o início de infestações que poderão alterar a qualidade final. Para isso, são usadas planilhas de monitoramento de pragas na unidade, com avaliações quinzenais, anotando-se a presença das pragas em cada ponto crítico de infestação. O monitoramento tem por base um sistema eficiente de amostragem de pragas – como o uso de armadilhas fixas de captura de insetos ou peneiras de malha não inferior a 2,0 mm e a medição de variáveis, como temperatura e umidade, que influenciam na conservação do produto armazenado. As amostragens registram o início da infestação e direcionam a tomada de decisão por parte do armazenador, para garantir a qualidade do produto final.

j)  Gerenciamento da unidade armazenadora e da UBS

Todas as medidas para o Manejo Integrado de Pragas, de Grãos e Sementes Armazenados devem ser tomadas, por meio de atitudes gerenciais, durante a permanência de grãos ou sementes no armazém e não somente durante o recebimento do produto, permitindo, dessa forma, que todos os procedimentos contribuam no processo e garantindo a diminuição na incidência das perdas e melhora da qualidade para comer- cialização e consumo.

O armazenador brasileiro está procurando novos conhecimentos e formas de operar melhor suas unidades armazenadoras, buscando a máxima eficiência nos processos, produtos e serviços para se manter competitivo. Sistemas de rastreabilidade dos grãos estão sendo implantados no País, baseados em Boas Práticas de Fabricação (BPF) e Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC), atendendo normas internacionais como as da ISO. Esses sinais de mudanças precisam ser imediatamente absorvidos para garantir a competitividade do grão brasileiro. As pragas de produtos armazenados são um dos grandes obstáculos para manter a competitividade do grão de soja no mercado internacional, pois aparecem como barreiras à comercialização no momento de grande crescimento da produção de grãos no País. Se as medidas de controle não forem adequadamente tomadas, além da perda física causada pelo consumo das pragas, o grão brasileiro, com certeza, perderá valor no mercado.

Fungos de armazenamento

Diversas espécies de Penicillium e Aspergillus podem infectar qualquer semente ou grão, pois esses fungos, chamados “fungos de armazenamento” são capazes de se desenvolver sobre quase todo tipo de matéria orgânica, desde que as condições de temperatura e de umidade relativa do ar ambiente sejam favoráveis (Henning, 2005). Em semente de soja armazenada com umidade acima de 13%, predomina Aspergillus flavus. Além de deteriorarem a semente, eles podem produzir micotoxinas. A micotoxina é um metabólito secundário, produzido por certos tipos de fungos, que pode causar danos aos animais e ao homem, por causa do seu potencial tóxico (Oliveira et al., 2010).

Os produtos agrícolas estão constantemente sujeitos à contaminação fúngica, sendo que as principais espécies de fungos toxigênicos com capacidade de produzir micotoxinas são aqueles dos gêneros Aspergillus, Penicillium e Fusarium, sendo esse último um fungo de campo, não de armazenamento.

Em grãos e produtos processados, as principais micotoxinas relatadas são: aflatoxinas (B1, B2, G1, G2), deoxinivalenol, nivalenol, ocratoxina A e zearalenona, (Gonçalez et al., 2001; Sassahara et al., 2003; Mar- tinelli et al., 2004). As aflatoxinas e as ocratoxinas são produzidas por fungos do gênero Aspergillus, enquanto deoxinivalenol, nivalenol e zearalenona por fungos do gênero Fusarium (Salinas, 2006).

Qualidade tecnológica da soja

A soja é um alimento calórico-proteico importante para diminuir a desnu- trição no mundo (Tabela 1). Além de ser uma fonte de proteína de boa qualidade para a alimentação humana, de modo geral, é uma excelente alternativa para os vegetarianos. A fração lipídica dos grãos é rica em ácidos graxos poli-insaturados e isenta de colesterol. Quanto aos carboidratos, deve-se salientar que os grãos maduros não contêm amido e, entre os açúcares, há oligossacarídeos com atividade prebiótica, além das fibras solúveis e insolúveis. O farelo obtido após a extração do óleo é matéria-prima de alta qualidade para a fabricação de rações animais.

Tabela 1. Composição centesimal média da soja em grão.

Energia (Kcal) Umidade (g/100 g) Proteínas (g/100 g) Lipídios (g/100 g) Carboidratos

(g/100g)

Cinzas (g/100g)
Açúcares Fibras
417 11 38 19 10 17 5

Fonte: Kagawa (1995).

A qualidade tecnológica dos grãos está associada a atributos quantitativos e qualitativos. Os atributos quantitativos estão relacionados com o teor de umidade e, principalmente, de lipídios e proteínas. Entre- tanto, os atributos qualitativos da fração proteica (composta por globulinas, glutelinas, albuminas e prolaminas) e da fração lipídica, são extremamente importantes para caracterizar a qualidade tecnológica e destinar os grãos de soja para a produção de diferentes produtos e linhas de processamento.

Dentre as proteínas vegetais, a proteína da soja é uma excelente opção para substituir as proteínas animais do ponto de vista nutricional, pois contém todos os aminoácidos essenciais e em proporção adequada, excetuando-se apenas os aminoácidos sulfurados (metionina e cistina), com níveis baixos de concentração (Canto; Turatti, 1989).

As propriedades tecnológicas das proteínas de soja dependem das con- dições e do local de cultivo, da colheita e estocagem dos grãos (Geno- vese; Lajolo, 1992). O efeito do grau de maturação, da cultivar, das condições de estocagem, do porcentual de grãos danificados e do pro- cessamento alteram as propriedades físico-químicas e funcionais das proteínas da soja, principalmente, viscosidade, espumabilidade, capaci- dade de geleificação e capacidade emulsificante (Carrão-Panizzi et al., 2006).

A indústria alimentícia utiliza uma ampla variedade de ingredientes à base de soja em suas formulações, tanto pelo custo relativamente bai- xo quanto por sua funcionalidade tecnológica. As aplicações desses ingredientes dependem de suas propriedades funcionais, que variam de acordo com o grau de desnaturação sofrido pelas proteínas (Wagner; Añon, 1990). As proteínas da soja são sensíveis às diferentes condições de desnaturação. Como a maioria dos alimentos processados sofrem tratamentos térmicos durante seu processamento, a desnaturação pelo calor é de interesse particular, pois diminui a solubilidade das proteínas, principalmente o calor úmido. Assim sendo, os índices que medem a solubilidade das proteínas são de extrema importância para se avaliar o grau de tratamento térmico aplicado aos produtos proteicos de soja. Os mais comuns são o Índice de Solubilidade de Nitrogênio (ISN) e o Índice de Dispersibilidade de Proteína (IDP) (Carrão-Panizzi et al., 2006).

Os índices ISN e IDP são utilizados para caracterizar a solubilidade de preparações proteicas comerciais de soja, tais como: farinha e farelo desengordurados, concentrados e isolados proteicos. Com relação à in- teração com os óleos e as gorduras no preparo de produtos cárneos, a proteína de soja é utilizada para promover sua absorção e retenção, diminuindo, assim, perdas durante o cozimento. Na formulação de mas- sas que serão submetidas à fritura, a adição de farinha de soja com alto valor de ISN reduz em até 60% a absorção de óleo durante a fritura da massa; nesse caso, a proteína de soja se desnatura, formando barreira superficial que limita a migração interna do óleo de fritura (Wijeratne, 1991).

A capacidade que as proteínas de soja possuem para melhorar certas propriedades em um sistema alimentar, tal como formar e estabilizar emulsões, depende de numerosos fatores. Assim sendo, o conteúdo de proteínas, sua solubilidade, sua capacidade de dispersão, o pH do meio, a temperatura e os métodos de processamento alteram suas proprieda- des funcionais e tecnológicas (Hutton; Campbell, 1977; Wang et al., 1997).

Em relação aos teores de óleo, as cultivares de soja apresentam uma variação entre 15% e 25% de lipídios totais. Dentre os óleos vegetais, o óleo de soja é o mais consumido pela população brasileira, representando cerca de 90% de todos os óleos e gorduras consumidos no Brasil. No mundo, esse consumo atinge entre 20% e 24% (Mandarino et al., 2006; Osaki; Batalha, 2011).

O emprego do óleo de soja apresenta muitas vantagens, tais como: alto conteúdo de ácidos graxos essenciais (poli-insaturados); formação de cristais grandes, que são facilmente filtráveis, quando o óleo é hidrogenado e fracionado; alto índice de iodo, que permite a sua hidrogenação, produzindo grande variedade de gorduras plásticas e refino com baixas perdas (Pouzet, 1996).

Os índices de acidez e peróxidos são os principais parâmetros para se determinar a qualidade de óleos, uma vez que indicam a presença de rancidez hidrolítica e oxidativa, respectivamente. Esses dois índices são importantes na determinação da qualidade tecnológica dos grãos de soja, principalmente aqueles destinados à produção de óleo comestível (Ferreira et al., 2008).

O índice de peróxidos é influenciado por fatores como: estrutura quí- mica dos ácidos graxos, teor e tipo de compostos pró-oxidantes e/ou antioxidantes, condições e tempo de estocagem (Silva; Rogez, 2013). Em razão da sua ação oxidante, os peróxidos orgânicos, formados no início da rancificação, atuam sobre o iodeto de potássio, liberando iodo, que será titulado com tiossulfato de sódio, em presença de amido como indicador. Esse método determina todos os compostos, em termos de miliequivalentes de peróxido por 1000 g de amostra, que oxidam o iode- to de potássio (Zenebon et al., 2008). Esses são geralmente peróxidos ou outros compostos similares resultantes da oxidação dos óleos e gorduras.

Já o índice de acidez pode ser influenciado por fatores como: maturação dos grãos, estocagem, ação enzimática, qualidade dos grãos/sementes e processo de extração do óleo (por ação mecânica e/ou por solvente) (Cardoso et al., 2010). O índice de acidez está intimamente relacionado com a qualidade da matéria-prima. Um processo de decomposição, seja por hidrólise, oxidação ou fermentação, altera quase sempre a concen- tração dos íons de hidrogênio. A decomposição ou rancidez oxidativa dos triacilgliceróis é acelerada por fatores como aquecimento, luz, pre- sença de oxigênio, metais, dentre outros. A rancidez é quase sempre acompanhada pela formação de ácidos graxos livres, frequentemente expressos em termos de acidez do componente ácido principal que, no caso da soja, é o ácido linoleico, expressa em gramas (g) por 100 g (Ze- nebon et al., 2008).

Quando os grãos de soja estão em formação e até a fase de sua matu- ração fisiológica, o índice de acidez do óleo varia naturalmente, entre 0,3% e 0,5%. Quando os grãos estão em condições de colheita (máxi- mo 22% umidade b.u.), inicia-se o processo degradativo, ocasionado por manuseio inadequado, até a fase industrial, onde são toleráveis níveis não superiores a 0,7% de ácidos graxos livres. Esses necessitam ser neutraliza- dos, em função do nível de tolerância do mercado de óleo de soja, que é, no máximo, 0,05% de ácidos graxos livres (O’Brien, 2004).

O óleo bruto extraído dos grãos pode apresentar alto percentual de ácidos graxos livres, em razão dos danos qualitativos ocorridos no campo ou durante o armazenamento. Esse parâmetro é monitorado durante todo o processamento do óleo de soja, uma vez que identifica problemas potenciais, para os quais podem ser iniciadas ações corretivas.

A neutralização da acidez, realizada com produtos alcalinos, implica em custos adicionais ao processo de produção. Estudos mostram que as perdas de óleo, por causa da acidez, atingem o dobro do índice de acidez, ou seja, para cada 0,1% de acidez, ocorre uma perda de óleo de 0,2% (Freitas et al., 2001).

Dependendo do processo, da capacidade industrial e do nível de acidez final do óleo, o volume de recursos despendido pela indústria poderá chegar a alguns milhões de dólares anuais para reduzir essa acidez para o nível exigido comercialmente. Ressalta-se que esse custo não se aplica apenas à neutralização dos ácidos, mas também na quantidade de óleo perdido, na quantidade de energia gasta, nos custos de mão de obra e encargos sociais, na capacidade de produção, no desgaste e na manutenção de equipamentos, além da necessidade de investimentos em máquinas para esse fim específico (Lacerda-Filho et al., 2008).

Nas últimas safras, a quantidade de grãos verdes tem aumentado, pois condições de estresse por altas temperaturas e seca, insetos (percevejos principalmente) e doenças têm ocasionado a formação de grãos de soja pequenos, enrugados, descoloridos e imaturos, com coloração esverdeada (presença de clorofila). Nas situações de deficit hídrico e altas temperaturas, as plantas de soja suprimem a absorção de nutrientes para o seu desenvolvimento ou morrem antes do amadurecimento completo da semente (Mandarino, 2012). Resumindo, estresses bióticos e abióticos em plantas imaturas resultam em morte prematura ou matu- ração forçada de plantas, podendo produzir sementes e grãos esverde- ados, que resultarão numa acentuada redução da qualidade dos grãos e sementes e em severa redução na produtividade da lavoura (França-Neto et al., 2012).

A eliminação da clorofila residual na produção do óleo de soja pode ser realizada utilizando-se terras clarificantes, como diatomáceas ou montimorilonitas, que reduzem os valores de peróxido, eliminam a cor esverdeada do óleo e incrementam os tempos de indução, restaurando sua estabilidade (Freitas et al., 2001).

As perdas, em valores, que ocorrem em razão da presença de grãos verdes, são pouco conhecidas. Sabe-se que o óleo extraído de um lote com alta porcentagem de grãos verdes terá em sua composição um alto índice de clorofila, o qual promove o desenvolvimento de oxidações in- desejáveis. Quanto maior o teor de clorofila, maior a quantidade de ter- ras clarificantes necessária para a redução desse pigmento no óleo, ele- vando, consequentemente, seu custo de produção (Freitas et al., 2001).

Assim, existe correlação positiva entre danos causados por percevejos, grãos ardidos e acidez do óleo, o que mostra a importância do controle de percevejos nas lavouras de soja. A redução dos danos por percevejo proporcionará melhor qualidade nos grãos de soja recebidos pela indús- tria que, consequentemente, produzirá óleo de melhor qualidade e com menor custo (Freitas et al., 2001).

Outro fator importante para a qualidade, tanto da proteína quanto do óleo, são as condições adequadas de armazenamento dos grãos de soja antes do seu processamento, bem como as condições de envase do óleo e de armazenamento do farelo resultante (Genovese; Lajolo, 1992).

BIBLIOGRAFIA E LINS RELACIONADOS

LORINI, I.; SILVEIRA, J. M.; OLIVEIRA, M. A. de; MANDARINO, J. M. G.; HENNING, A. A.; KRZYZANOWSKI, F. C.; FRANÇA-NETO, J. B.; BENASSI, V. T.; CONTE, O.; HENNING, F. A. Colheita e pós-colheita de grãos. Capítulo em Livro Técnico-Científico, p. 317-345, 2020.

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Tags: avaliação de perdas, colheita da soja, Manejo integrado de pragas de grãos e sementes armazenados (MIP), perdas, pragas e doenças, Qualidade tecnológica

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