Fundamentos do controle biológico
A modernização da agricultura, através do pacote tecnológico adotado a partir da II Guerra Mundial, levou à adoção de sistemas de produção baseados na monocultura, adubações intensivas com fertilizantes altamente solúveis e uso massivo de agrotóxicos.
Embora essas práticas agrícolas tenham impulsionado a produção mundial de alimentos, os efeitos negativos, tais como erosão, contaminação dos solos e mananciais, perda da diversidade da fauna e flora, ressurgimento de pragas e resistência de pragas aos agrotóxicos, começaram a ser percebidos.
Nesse contexto, o controle biológico torna-se uma ferramenta fundamental no manejo de pragas e doenças agrícolas por ser de custo relativamente mais baixo e de menor risco à saúde humana e ao meio ambiente.
O termo controle biológico foi proposto inicialmente pensando nas pragas, sendo definido como a supressão de populações de insetos pela ação de seus inimigos naturais nativos ou introduzidos (SMITH, 1919).
O controle biológico foi proposto como método de controle de doenças de plantas durante o simpósio realizado na Universidade da Califórnia, Berkeley, em 1963.
Do ponto de vista do controle de doenças, o conceito de controle biológico é a redução da densidade do inóculo em seu estado ativo ou dormente, ou das atividades determinantes de doenças, através de um ou mais organismos, realizado naturalmente ou através da manipulação do ambiente, hospedeiro, ou antagonista, ou pela introdução massal de um ou mais antagonistas (COOK & BAKER, 1983).
Modernamente, o controle biológico é abordado no contexto de redução de populações de organismos indesejáveis que ocorrem nos agroecossistemas.
O QUE É CONTROLE BIOLÓGICO?
O controle biológico é um método de controle de pragas e doenças por meio do uso de seus inimigos naturais, que podem ser outros insetos benéficos, parasitóides, predadores ou microrganismos, como bactérias, fungos e vírus.
VANTAGENS DO CONTROLE BIOLÓGICO
As principais vantagens do controle biológico, são:
– ausência de poluição ambiental;
– não provoca desequilíbrios ecológicos;
– maior qualidade dos alimentos;
– maior segurança à saúde dos consumidores, produtores e trabalhadores.
COMO OCORRE O CONTROLE BILÓGICO?
O tamanho de uma população causadora de danos é determinado por uma série de fatores intrínsecos e extrínsecos a essa população.
Os fatores intrínsecos à espécie, são o potencial biótico, a taxa de reprodução, a longevidade, a habilidade de migrar, a capacidade de adaptação a novos habitats, os mecanismos de defesa, a habilidade de tolerar condições adversas, etc.
Já os fatores extrínsecos são conhecidos como fatores ecológicos, como a temperatura, a umidade relativa do ar, a radiação solar, etc.; e os fatores biológicos, tais como a ocorrência de competidores, parasitas, predadores, etc.
Entre os fatores bióticos, as interações que ocorrem entre os seres vivos de natureza desarmônica (herbivoria, predação, parasitismo, competição, etc.) são de fundamental importância no equilíbrio natural das populações que pertencem a um determinado agroecossistema.
Esse mecanismo, através do qual, sempre uma população é regulada por outra população, é conhecida por Controle Biológico.
CONTROLE BIOLÓGICO DE PRAGAS
Tipos de controle biológico
Atualmente são destacadas três formas de manipulação do controle biológico: importação ou controle biológico clássico, conservativo e aumentativo.
Essas estratégias podem ser usadas isoladamente ou combinadas.
Controle Biológico por Importação ou Clássico
Quando uma espécie exótica é introduzida em uma nova região, ela poderá se estabelecer e invadir a nova área, e sua população irá crescer até ocupar todos os recursos disponíveis por causa da ausência de fatores de resistência do ambiente (ex.: inimigos naturais) que limitem sua abundância. Em muitas situações, essas espécies se tornam pragas, causando danos à agricultura, ao meio ambiente e à saúde humana.
A importação de inimigos naturais, preferencialmente da região de origem da espécie invasora, pode ser uma boa alternativa para seu controle. Esse método consiste em buscar inimigos naturais de uma praga exótica (espécie invasora) em outras áreas geográficas distintas para introdução, liberação e estabelecimento na área onde a praga exótica foi introduzida, visando ao seu controle.
Na verdade, existem leis de quarentena específicas que proíbem indivíduos ou instituições de introduzir organismos exóticos sem a devida autorização do governo federal.
Este método tem uma vantagem em relação aos outros métodos porque é autossustentável e, portanto, menos caro em longo prazo.
Atualmente, no Brasil, a liberação no ambiente de espécies exóticas é regulada pela Instrução Normativa Ibama nº 5/2016 (Ibama, 2016).
Controle biológico de pragas. Foto: Guilherme Leonardi Garcia
(Adaptado de Embrapa Notícias 25/04/14)
Controle Biológico Conservativo
Baseia-se no entendimento de que os agroecossistemas podem ser manejados com objetivo de preservar e aumentar as populações de inimigos naturais e assim promover o controle das populações de pragas.
Para que os inimigos naturais sejam atraídos e se mantenham em um agroecossistema, é necessário fornecer alimentos alternativos, como fontes de carboidratos, como néctar, e de proteínas, como pólen, para parasitoides e predadores.
Mas além do fornecimento de recursos complementares, é necessário também criar e manter locais de refúgio com ambiente favorável e protegido de seus próprios inimigos naturais.
O manejo dos agroecossistemas para o fornecimento destes recursos adicionais pode ser feito por meio de práticas agronômicas de diversificação de cultivos, rotação de culturas, cobertura do solo, barreiras e corredores de vegetação em torno das áreas cultivadas e culturas consorciadas nos talhões de cultivo.
Na Tabela 1, são apresentadas diversas espécies que podem ser utilizadas no controle biológico conservativo.
Tabela 1. Exemplos de plantas fornecedoras de recursos para inimigos naturais, avaliadas experimentalmente, que podem ser usadas em diferentes práticas agrícolas para a diversificação vegetal de agroecossistemas no Brasil. (Adaptado de: FONTES & VALADARES-INGLIS, 2020).
Família | Gênero/Espécie | Nome comum |
Amaranthaceae | Amaranthus spp. | Caruru-rasteiro
|
Baccharis sp. | Carqueja | |
Apiaceae | Anethum graveolens
|
Endro |
Coriandrum sativum | Coentro | |
Foeniculum vulgare | Erva-doce | |
Asteraceae | Ageratum conyzoides | Mentrasto, erva-de-são-joão |
Alternanthera ficoidea | Apaga-fogo | |
Bidens pilosa | Picao, carrapicho-de-agulha | |
Blainvillea sp. | Erva-palha, picao-grande | |
Buddleja stachyoides | Verbasco, barbasco | |
Melampodium divaricatum | Estrelinha, botao-de-ouro | |
Sonchus oleraceus | Chicoria-brava, serralha-branca, serralha-lisa | |
Parthenium hysterophorus | Losna-branca | |
Euphorbiaceae | Euphorbia heterophylla | Leiteiro, amendoim-bravo |
Senna obtusifolia | Fedegoso, mata-pasto | |
Fabaceae | Cajanus cajan | Feijao-guandu |
Crotalaria juncea | Crotalaria | |
Lamiaceae | Leonurus sibiricus | Erva-macae, cordao-de-sao-francisco |
Poaceae | Chloris sp. | Capim-branco |
Digitaria sp. | Capim-colchao |
Controle Biológico Aumentativo
Quando os inimigos naturais que ocorrem naturalmente no agroecossistema não conseguem fornecer o nível de controle desejado de determinada praga, o aumento artificial da população de uma ou mais espécies de inimigos naturais selecionados pode ser uma estratégia importante.
Nesse caso, o aumento é feito por liberações do agente de controle biológico por meio das táticas inoculativa e inundativa.
O procedimento mais comum é a produção massal do inimigo natural, em geral em fábricas comerciais altamente especializadas, e a liberação em campo de grande número de indivíduos com o objetivo de suprimir a praga em relativamente curto prazo.
Na estratégia inoculativa, são realizadas liberações de inimigos naturais durante certos períodos do ciclo da praga-alvo e/ou ciclo da cultura, buscando o estabelecimento desses inimigos naturais nos sistemas de cultivo.
O controle da praga-alvo pode se dar por várias gerações sem a necessidade de novas liberações durante o mesmo ciclo de cultivo.
CONTROLE BIOLÓGICO DE DOENÇAS
O controle biológico foi proposto como método de controle de doenças a partir de duas estratégias: o aumento das populações de inimigos naturais pela manipulação do ambiente e a introdução de linhagens selecionadas de agentes de biocontrole.
Desde então, a maioria das pesquisas foram dirigidas à segunda estratégia, denominada inundativa ou de biofungicida.
O controle biológico de doenças pode ser obtido pelas seguintes abordagens (COOK, 1982):
- Redução da população do patógeno por meio do uso de microrganismos antagonistas.
- Proteção da superfície da planta com microrganismos estabelecidos em ferimentos, em folhas ou na rizosfera, onde eles funcionam como barreiras antibiótica ou parasítica.
- Estabelecimento de agentes não patogênicos dentro da planta ou em áreas infectadas, para estimular resistência da planta ao patógeno.
Os principais mecanismos de controle biológico de doenças são: competição, micoparasitismo, antibiose, indução de resistência de plantas e promoção do crescimento das plantas.
Controle biológico do mofo branco da soja. Foto: Maurício Meyer (Adaptado de Embrapa Notícias 13/08/19)
Competição
A competição é um mecanismo que ocorre quando dois ou mais organismos necessitam do mesmo recurso e o uso deste diminui a quantidade disponível para o outro.
Os agentes de controle biológico interferem no estabelecimento e infecção da planta pelos fitopatógenos, ao impedirem o acesso aos nutrientes da planta para sua multiplicação e/ou aos sítios de penetração.
Micoparasitismo
A interação antagonista estabelecida entre espécies de fungos diferentes, referida como micoparasitismo ou hiperparasitismo.
Antibiose
Antibiose é uma associação entre dois organismos com prejuízos ao menos para um dos dois, em razão da produção de compostos antimicrobianos.
Os compostos incluem antibióticos, enzimas líticas, substâncias voláteis, sideróforos, peptídeos, proteínas, fenóis, terpenos, policetídeos, entre outros.
Indução de resistência de plantas
O termo resistência induzida é genérico e refere-se a um estado de resistência expresso em plantas.
Considerando os sistemas de defesa das plantas contra os patógenos, a resistência de plantas pode ser dividida em duas categorias: passiva e ativa.
Os fatores de resistência passiva estão presentes na planta antes do seu contato com o patógeno, já os fatores de resistência ativa compreendem aqueles que estão ausentes ou em concentrações baixas na planta e são ativados ou produzidos pelo ataque de fitopatógenos.
A indução de resistência é um mecanismo indireto, já que o agente de controle não age diretamente sobre o patógeno, mas produz estímulos para ativação de mecanismos de defesa na planta contra o agressor.
Na Tabela 2, são apresentados alguns exemplos de controle biológico através da indução de resistência.
Tabela 2. Determinantes de resistência induzida por agentes de controle biológico (Adaptado de: Fontes & Valadares-Inglis, 2020).
Agente microbiano | Planta | Determinante |
Trichoderma virens
(isolado Gv29-8) |
Milho | Proteína Sm1 |
Trichoderma harzianum
(isolado Gv29-8) |
Milho | Celulase |
Pseudomonas simiae
WCS417 |
Arabidopsis
|
Compostos voláteis orgânicos |
Bacillus pumilus
(isolado 203-6) |
Beterraba | Peroxidase, quitinase e
β-1,3-glucanase |
Pseudomonas putida
(isolado WCS358) |
Arabidopsis
|
Lipopolissacarídeos e
sideróforo |
Bacillus spp. | Várias | Lipopeptideos: surfactina e fengicina |
Promoção do crescimento das plantas
Vários microrganismos são considerados promotores de crescimento das plantas. Esse efeito é verificado na germinação de sementes, enraizamento, brotação de estacas, crescimento de ramos, incremento de área foliar, atraso da senescência e incremento no rendimento das culturas.
Muitos desses microrganismos, por aumentarem a absorção de nutrientes, podem ser utilizados em formulações, como biofertilizantes.
Os mecanismos envolvidos na promoção de crescimento de plantas, incluem a produção de reguladores de crescimento, tais como auxinas, citocininas, giberelinas e etileno.
CONSIDERAÇÕES
Nas últimas décadas o controle biológico experimentou uma grande evolução, com o desenvolvimento de novos métodos e um maior conhecimento das relações entre pragas/doenças e seus inimigos naturais.
Essa evolução tornou o controle biológico um dos pilares do Manejo Integrado de Pragas e Doenças (MIPD), passando a fazer parte de uma estratégia de manejo complexa e eficiente, onde podem ser utilizados outros métodos de controle, como o cultural, o mecânico, por comportamento, o físico e a resistência de plantas.
Contudo a importância do controle biológico é cada vez maior dentro do MIPD, com a tendência de que no futuro próximo, seja o principal método de controle nos sistemas de produção.
Links relacionados
– FONTES, E.M.G.; VALADARES-INGLIS, M.C. Controle biológico de pragas da agricultura. Brasília, DF: Embrapa, 2020. 510 p. Disponível em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/212490/1/CBdocument.pdf
– BERTI FILHO, E.; MACEDO, L.P.M. Fundamentos de controle biológico de insetos-praga. Natal : IFRN Editora, 2010, 108 p. Disponível em: http://www.conhecer.org.br/download/HORTAS/Leitura8.pdf
– COOK, R.J. Progress toward biological control of plant pathogens with special reference to take-all of wheat. Agriculture Forest Bulletin, v.5, p.22, 1982.
– COOK, R. J.; BAKER, K. F. (Ed.). The nature and practice of biological control of plant pathogen. St. Paul: The American Phytopathological Society, 1983. 539 p.
– SMITH, H. S. On some phases of insect control by the biological method. Journal of Economic Entomology, v.12, n.47, p. 288-292, 1919. Disponível em: https://doi.org/10.1093/jee/12.4.288
– AGUIAR MENEZES, E. de L. Controle biológico de pragas: princípios e estratégias de aplicação em ecossistemas agrícolas. Seropédica: Embrapa Agrobiologia, 2003. 44 p. (Embrapa Agrobiologia. Documentos, 164). Disponível em: http://www.agroecologia.gov.br/sites/default/files/publicacoes/25%20Documentos%20164.pdf
– IBAMA – INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 5, DE 26 DE AGOSTO DE 2016 – https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/23520161/do1-2016-08-29-instrucao-normativa-n-5-de-26-de-agosto-de-2016-23520101
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