(Curadoria Agro Insight)
Foto: Ivanira Falcade
O dia primeiro de novembro foi um dia histórico para a vitivinicultura mundial com o reconhecimento da primeira Indicação de Procedência de vinhos tropicais. A concessão da indicação geográfica Vale do São Francisco foi feita pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), através de publicação na Revista de Propriedade Industrial (RPI) nº 2704, baseada em requisitos equivalentes aos da União Europeia. Esta foi concedida por demanda do Instituto do Vinho do Vale do São Francisco (Vinhovasf), instituição privada, sem fins lucrativos, que congrega os produtores – viticultores e vinícolas da região produtora de vinhos.
A partir de agora, o vinho fino, vinho nobre, espumante natural e vinho moscatel espumante elaborados pelas vinícolas: Adega Bianchetti Tedesco (Bianchetti), Vinícola Vinum Sancti Benedictus (VSB), Vinícola Terranova (Miolo), Vinícola Terroir do São Francisco (Garziera), Vinícola do Vale do São Francisco (Botticelli), Vinícola Mandacarú (Cereus jamacaru), Vitivinícola Quintas de São Braz (São Braz) e Vitivinícola Santa Maria/Global Wines (Rio Sol), que estão dentro da região demarcada (veja mapa abaixo), e seguirem as normas contidas no Caderno de Especificações Técnicas, poderão utilizar o selo da IG em seus produtos.
Fonte: Embrapa
“Este é um momento histórico e muito esperado pelos vitivinicultores da região, em especial aqueles estabelecidos no Vale do Submédio São Francisco, nos municípios pernambucanos de Petrolina, Lagoa Grande e Santa Maria da Boa Vista, além de Casa Nova e Curaçá, na Bahia”, destaca o presidente do Vinhovasf e da Valexport (Associação dos produtores e exportadores de hortigranjeiros e derivados do Vale do São Francisco, José Gualberto de Freitas Almeida. Para ele é a concretização de um sonho. Desde o reconhecimento da Indicação do Vale dos Vinhedos, em 2002, ele queria fazer o mesmo no Vale do São Francisco.
O projeto esteve ancorado numa forte parceria entre o Vinhovasf e a Embrapa Semiárido e a Embrapa Uva e Vinho. Para Maria Auxiliadora Coêlho de Lima, chefe-geral da Embrapa Semiárido, a particularidade da produção de uvas para vinho em clima semiárido tropical e sob um manejo diferenciado, amparado pelo uso da irrigação resulta em produtos originais e que agregam conhecimentos referenciais e tecnologias inovadoras desenvolvidas para as várias etapas da cadeia de produção assim como para a vinificação. “O reconhecimento dessas características por meio de uma indicação geográfica traz oportunidades de atingir novos espaços de mercado e valoriza o trabalho dos vários segmentos, instituições e setores que assumiram o compromisso desafiador de viabilizar a vitivinicultura no Semiárido brasileiro”, avalia a gestora.
A contribuição da pesquisa, conduzida por instituições de ciência e tecnologia, apoiou o setor produtivo ao longo desses anos, em parceria próxima e atenta às necessidades de fortalecimento da atividade vitivinícola regional. O Vale do São Francisco, com suas particularidades ambientais, disponibilidade de infraestrutura de irrigação, investimento em desenvolvimento científico e tecnológico apropriado às condições locais, mapeamento das oportunidades de mercado e empreendedorismo do setor produtivo, evolui com mais essa indicação geográfica, na expectativa de fortalecimento do desenvolvimento socioeconômico regional.
“Esta é uma grande conquista para a vitivinicultura brasileira, que só foi possível a partir da parceria realizada entre instituições de pesquisa, ensino e setor produtivo. Juntos trabalhamos desde a caracterização do Vale do São Francisco e de seus produtos, fatores fundamentais para a estruturação da Indicação”, destaca o pesquisador Giuliano Elias Pereira, da Embrapa Uva e Vinho. Ele liderou ao longo de cinco anos (2013-2018) um projeto de pesquisa que envolveu mais de 40 pessoas de várias instituições, entre pesquisadores, professores, técnicos e estudantes, para entender a vitivinicultura do Semiárido nordestino e aprimorar a qualidade dos vinhos da região.
Fonte: Embrapa
Para Jorge Tonietto, pesquisador da Embrapa que desenvolve projetos de estruturação de Indicações Geográficas (IGs) de vinhos brasileiros desde os anos 1990, esta IG tem como diferencial sua localização geográfica – em zona tropical, e ser baseada em requisitos equivalentes aos da União Europeia: área delimitada, produção da uva na área, tipos de vinhos, tipos de uvas autorizadas, produtividade controlada, padrões enológicos definidos, elaboração na região, qualidade analítica e sensorial diferencial para os vinhos e sistema de controle para atestar a conformidade dos vinhos.
Segundo explica Ivanira Falcade, pesquisadora aposentada da Universidade de Caxias do Sul responsável pela delimitação da área, a Indicação do Vale do São Francisco protege vinhos originais, oriundos de uma região com uma particular geografia no contexto mundial. “A região apresenta uma paisagem vitícola emblemática, com os vinhedos irrigados pelas águas do São Francisco, com a caatinga e suas cactáceas no entorno, ou os morros testemunhos de formações geológicas pretéritas, que se destacam na planície, entre outros aspectos relacionados à cultura regional”, explica a pesquisadora.
Segundo o pesquisador da área de enologia da Embrapa Uva e Vinho Mauro Zanus, a diversidade de tipos de uvas é enorme, permitindo encontrar variedades adaptadas a diferentes condições de clima, solo e biomas. “A elaboração de vinhos e espumantes de qualidade no semiárido tropical do Brasil, com cor, aroma e paladar equilibrados, é uma conquista da pesquisa científica e de produtores rurais abertos à inovação, com seus riscos e desafios”. Segundo ele, a IP Vale do São Francisco, além de promover a melhoria dos vinhos, pelo atendimento de rigorosos controles da produção de uvas e de vinificação, emprestará imagem e reputação ao vinho do Brasil, dando uma maior visibilidade da diversidade de sabores alcançados nas diferentes áreas geográficas produtoras.
Para Francisco Macedo de Amorim, professor de Enologia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano (IFSertãoPE) e um dos pesquisadores atuantes no projeto, o registro conseguido contribuirá para o fortalecimento da relação entre as vinícolas da região, especialmente pela busca comum de melhoria constante na qualidade e expressão da tipicidade nos vinhos elaborados. “Com certeza a Indicação irá garantir uma maior inserção dos produtos nos mercados nacional e internacional e tendo no selo a segurança de que o consumidor irá encontrar o perfil qualitativo previamente estabelecido pelas regras de classificação que o produto deve apresentar”, destacou.
A previsão é que os primeiros vinhos com a Indicação de Procedência estarão no mercado a partir de 2023, depois de passarem pelas análises exigidas e pelas sessões de avaliação sensorial às cegas, etapas fundamentais para que o vinho possa receber o selo.
O que esperar dos vinhos tropicais na taça
Os vinhos tropicais do Vale do São Francisco são na sua maioria jovens, frescos, aromáticos, frutados e florais, e estão disponíveis ao consumidor em qualquer época do ano. Mas também são produzidos vinhos de guarda e mesmo vinhos nobres, com colheitas de uvas em períodos específicos do ano. Em função do clima quente ao longo do ano, é possível a produção de uvas e vinhos de janeiro a dezembro, com duas podas e duas safras anuais, com possibilidades de colheitas escalonadas ao longo do ano nas diferentes parcelas de vinhedos.
O carro-chefe da produção são os espumantes, com aproximadamente três milhões de litros por ano, seguidos dos vinhos tranquilos, com produção de cerca 1,5 milhão de litros anuais.
Os tipos de produtos autorizados na IP são os vinhos tranquilos brancos, tintos e rosés e vinhos espumantes brancos e rosés (bruts, demi-secs e moscatéis), elaborados com 100 % de uvas produzidas na área geográfica delimitada. Foram autorizadas, para fins de elaboração dos vinhos, 23 cultivares de uvas Vitis vinifera L., indicadas pelos próprios produtores, pela adaptação e desempenho na região. As variedades autorizadas para a elaboração dos vinhos comerciais na IP VSF são:
Brancas
Arinto, Chardonnay, Chenin Blanc, Fernão Pires, Moscato Canelli, Moscato Itália, Sauvignon Blanc, Verdejo e Viognier.
Tintas
Alicante Bouschet, Aragonês, Barbera, Cabernet Sauvignon, Egiodola, Grenache, Malbec, Merlot, Petit Verdot, Ruby Cabernet, Syrah, Tannat, Tempranillo e Touriga Nacional.
Linha do Tempo
1960 – A organização da produção agrícola irrigada da região permitiu que as terras com caatinga se tornassem áreas verdes ao longo das margens de beira-rio e houvesse o plantio de videiras.
1970 – Início do cultivo de variedades viníferas em projetos que envolveram enólogos e investimentos externos à região.
1980 – Início da comercialização de Vinhos no Vale do São Francisco.
2002 – O Projeto Vinhos de Qualidade para o Vale do Submédio São Francisco coordenado pela Embrapa Uva e Vinho e financiado pela Finep, avaliou a introdução de 28 novas variedades de uvas viníferas como alternativa para o incremento de vinhos com qualidade e tipicidade regional. Desde aquele momento, a Valexport (Associação Dos Produtores E Exportadores De Hortigranjeiros E Derivados Do Vale Do Sao Francisco), posteriormente o Vinhovasf, solicitaram apoio da Embrapa para desenvolver uma Indicação Geográfica.
2003 – Criação do Instituto do Vinho do Vale do São Francisco (Vinhovasf), entidade privada que congrega os produtores vitivinícolas da região. A entidade começa a articular e solicita o apoio da Embrapa para a busca da Indicação Geográfica.
2013 a 2018 – Pesquisador Giuliano Elias Pereira, da Embrapa Uva e Vinho, aprova projeto de pesquisa no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com R$ 1.053.400,00, reunindo uma equipe multidisciplinar que contou com cientistas da Embrapa Uva e Vinho, Embrapa Semiárido e Embrapa Clima Temperado, de instituições de ensino como a Universidade de Caxias do Sul (UCS), Universidade Federal de Lavras (UFLA), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) e Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano (IF SertãoPE), além do Instituto do Vinho do Vale do São Francisco (Vinhovasf). Também participaram das atividades representantes das vinícolas da região produtora de vinhos, além de estudantes de mestrado e doutorado.
2019 – Entrega dos resultados do projeto que possibilitaram a caracterização histórica e geográfica do território vitivinícola no Vale do São Francisco vinícola; a delimitação da área geográfica da Indicação de Procedência Vale do São Francisco; a caracterização das condições climáticas, dos solos, dos vinhedos comerciais; caracterização das paisagens vitícolas da região; estudos do potencial enológico das uvas para a melhoria da qualidade, da tipicidade e da estabilidade dos vinhos tropicais, assim como a caracterização da composição química, metabólica e sensorial dos produtos comerciais. Também foi definido o Caderno de Especificações Técnicas da IP e do respectivo Plano de Controle dos produtos.
10/12/ 2020 – Entrega do pedido de registro da Indicação de Procedência ao INPI pelo escritório de Roner Guerra Fabris, tendo como base os resultados do projeto de pesquisa.
1/11/2022 – Concessão pelo INPI da Indicação Geográfica: Vale do São Francisco.
BIBLIOGRAFIA E LINS RELACIONADOS
Embrapa/Notícias – Brasil conquista a primeira Indicação Geográfica de Vinhos Tropicais. Desenvolvimento e Inovação. Novembro de 2022.