(Curadoria Agro Insight)
A fixação biológica de nitrogênio (FBN) consiste em aproveitar a capacidade que algumas bactérias têm de se apropriar do nitrogênio existente na atmosfera (na forma de gás nitrogênio – N2) e fornecê-lo para que possa ser utilizado pelas plantas, em especial as leguminosas, que por sua vez estabelecem uma relação simbiótica com as bactérias fixadoras de nitrogênio. É desta maneira que é possível eliminar ou reduzir bastante o uso de adubo nitrogenado, gerando impactos econômicos e ambientais importantes.
A associação entre a soja (Glycine max) e as bactérias Bradyrhizobium japonicum e B. Elkanii é responsável pela nutrição nitrogenada desta cultura. Quase toda a demanda de nitrogênio da cultura é suprida por esta associação, não sendo necessário o uso de fertilizantes nitrogenados.
O Brasil é um grande consumidor de fertilizantes e está entre os quatro primeiros países que mais consomem nutrientes como potássio, cálcio e fósforo, atrás apenas da China, Índia e dos EUA, sendo os fertilizantes uns dos principais insumos da produção agrícola. Por isso a produção nacional não supre toda a demanda interna. Há necessidade de importação de grande parte dos fertilizantes e no caso dos nitrogenados, alguns analistas preveem que as importações devem alcançar cerca de 81% do consumo nacional em 2020.
O que é a fixação biológica do nitrogênio (FBN)?
É o processo por meio do qual o nitrogênio presente na atmosfera (N2) é convertido em formas que podem ser utilizadas pelas plantas.
A reação é catalisada pela enzima nitrogenase, que é encontrada em todas as bactérias fixadoras. Em termos de agricultura, a simbiose entre bactérias fixadoras de nitrogênio (denominadas rizóbios) e leguminosas (família de plantas à qual pertencem a soja, o feijão, a ervilha entre outras) é a mais importante.
Todas as plantas fixam nitrogênio biologicamente em simbiose com os rizóbios?
Infelizmente não. A simbiose é praticamente restrita às leguminosas e se caracteriza pela formação de estruturas especializadas nas raízes, chamadas nódulos, nos quais ocorre o processo de FBN. Após a formação de nódulos nas raízes, a bactéria passa a fixar o nitrogênio atmosférico em compostos orgânicos que são utilizados pelas plantas, eliminando ou diminuindo a necessidade de uso de adubos nitrogenados.
Isso quer dizer que apenas as leguminosas são beneficiadas pela FBN?
Não. Outras espécies de bactérias capazes de fixar o N2 atmosférico já foram encontradas em associação com gramíneas como o milho, o trigo e a cana-de-açúcar. Nessas plantas, não ocorre a formação de nódulos nas raízes e as quantidades de N fixadas são mais baixas. Por essa razão, não é possível dispensar a utilização de adubos nitrogenados nessas lavouras. Microrganismos fixadores de nitrogênio também já foram encontrados em plantas como o café, dendê, mandioca, mamão e banana, e a sua contribuição para essas plantas tem sido objeto de vários trabalhos de pesquisa.
Já que não há formação de nódulos, onde ficam localizadas as bactérias que se associam com plantas não leguminosas?
Localizam-se preferencialmente na região rizosférica, na superfície das raízes ou até mesmo dentro dos tecidos de raízes, colmos e folhas, quando são conhecidas como bactérias endófitas ou endofíticas.
Em que consiste o processo de inoculação?
A inoculação é o processo por meio do qual bactérias fixadoras de nitrogênio, selecionadas pela pesquisa, são adicionadas às sementes das plantas antes da semeadura. A inoculação é feita com um produto chamado inoculante.
Como a tecnologia da inoculação chega ao agricultor?
O agricultor compra um produto chamado inoculante. No inoculante, um caldo com elevada concentração de bactérias é misturado a um veículo, que pode ser um solo muito rico em matéria orgânica denominado turfa (inoculante em pó), formulações líquidas (inoculante líquido), ou combinações de turfa-líquido ou géis. O produto final deve conter no mínimo 1 bilhão de células de bactérias fixadoras de N2 vivas por cada g ou ml de inoculante.
Como deve ser feita a inoculação?
A operação de inoculação deve ser feita à sombra, nas horas mais frescas do dia (pela manhã ou à noite). Devem-se seguir as recomendações de dosagem e aplicação fornecidas pelo fabricante do inoculante. Em solos de primeiro ano de plantio, a dose recomendada é o dobro da dose normal. Sementes bem inoculadas ficam recobertas, por uma camada fina e uniforme de inoculante. Após a inoculação, as sementes devem ser secas à sombra e semeadas em, no máximo, 24 horas, desde que fiquem protegidas do sol e umidade. Caso isso não seja possível, deve-se repetir a inoculação no dia do plantio.
O tratamento das sementes com fungicida e (ou) micronutrientes deve ser feito antes ou depois da inoculação?
Antes. É muito importante que o produtor atente para o fato de que o inoculante não pode ser misturado com os fungicidas e micronutrientes, pois os mesmos são, em maior ou menor grau, tóxicos para as bactérias. De maneira geral, fungicidas à base de metais pesados, como o zinco e o cobre, e alguns inseticidas organofosforados prejudicam a nodulação de leguminosas. Os herbicidas e os defensivos contra nematoides são menos tóxicos. No caso de sementes tratadas com fungicidas e inoculadas, a semeadura deve ser efetuada em, no máximo, 12 horas. Caso isso não seja possível, as sementes devem ser inoculadas novamente.
Quais os cuidados que se deve ter ao comprar os inoculantes?
a) Verificar se o produto é registrado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), evitando produtos sem a garantia de estirpes (também conhecidas como cepas) recomendadas pela pesquisa e de qualidade duvidosa.
b) Verificar o prazo de validade do inoculante, que deve constar na embalagem.
c) Certificar-se de que o produto estava conservado em condições adequadas de temperatura (no máximo 30 C) e umidade. Após a aquisição, conservar o inoculante em local arejado e protegido do sol até o momento de sua utilização, uma vez que o inoculante contém bactérias sensíveis ao calor.
d) Não utilizar um inoculante registrado para uma cultura específica em outra planta. Por exemplo, não utilizar inoculante para soja no plantio de feijão.
e) Em caso de dúvida sobre a qualidade ou procedência do inoculante, acionar o fiscal do Mapa responsável pela sua área, para retirar amostras do local de venda e enviá-las para análise em laboratórios credenciados.
Quais os principais fatores responsáveis pelo insucesso da inoculação?
a) Utilização de inoculantes de má qualidade: os inoculantes devem ser produzidos com veículo esterilizado e conter no mínimo um bilhão de células por g ou ml do produto, quando do momento da inoculação. Muitas vezes a má qualidade do inoculante pode ser atribuída às condições inadequadas de armazenamento e transporte.
b) Realização do processo de inoculação de forma inadequada.
c) Problemas de acidez do solo e deficiência nutricionais, promovidas por calagem e (ou) adubação de plantio realizadas de forma incorreta.
d) Adição de produtos tóxicos às sementes, tais como fungicidas, inseticidas e nematicidas.
e) Temperaturas elevadas e deficiência hídrica logo após a semeadura.
Existem alternativas para a inoculação das sementes?
Recentemente, a inoculação no sulco de plantio vem ganhando popularidade. Essa pode ser uma boa alternativa principalmente no caso de sementes tratadas com agrotóxicos e micronutrientes. Resultados de pesquisas indicam que a dose de inoculante necessária para a aplicação no sulco deve ser, no mínimo, seis vezes superior à dose indicada para a inoculação das sementes. Essa tecnologia já é recomendada para a cultura da soja desde a safra 2003/2004.
Qual a importância e as principais vantagens do processo de inoculação para a lavoura da soja?
No Brasil, graças ao processo de FBN, a inoculação substitui totalmente a necessidade do uso de adubos nitrogenados nas lavouras de soja. O inoculante contém bactérias selecionadas do gênero Bradyrhizobium que, quando associadas às raízes de soja, conseguem converter o N2 da atmosfera em compostos nitrogenados, em quantidades de até 300 kg de N/ha, que serão utilizados pela planta.
Além da grande economia obtida quando se substitui a utilização de fertilizantes nitrogenados industriais pela inoculação da soja com bactérias do gênero Bradyhrizobium, essa é uma tecnologia extremamente simples e que não polui o meio ambiente. Devido a sua baixa eficiência de aproveitamento pelas plantas, em torno de 50% dos adubos nitrogenados aplicados ao solo é perdido por processos como a lixiviação, desnitrificação e volatilização, causando a poluição de mananciais hídricos (rios, lagos, lençóis freáticos) e contribuindo para a redução da camada de ozônio que envolve o planeta, com consequente efeito no aquecimento global.
Qual o custo desse inoculante para o produtor?
Apesar do investimento em pesquisa e tecnologia, o custo do inoculante, suficiente para o plantio de um hectare, geralmente não ultrapassa o valor de R$ 8,00.
A utilização de adubos nitrogenados na lavoura da soja é necessária?
Não. Desde que o agricultor utilize um inoculante de boa qualidade e faça a inoculação da forma adequada, não é necessária a utilização de adubos nitrogenados nessa cultura. O uso de pequenas doses de N no sulco de plantio, como doses de arranque (20 a 30 kg de N/ha na semeadura), ou mesmo altas doses de N (200 kg/ha), não promove nenhum benefício em termos de aumentos de produtividade da lavoura. Aliás, resultados recentes da pesquisa indicam que não existe razão para a utilização desses insumos em nenhum estágio do cultivo da soja no Brasil. Além disso, doses de N no sulco superiores a 30 kg de N/ha podem promover inibição na nodulação, retardando o processo de formação de nódulos, o que não é desejável.
O que é reinoculação da soja? Ela é necessária?
Reinoculação é o termo utilizado para descrever a inoculação da soja em áreas que já haviam sido cultivadas com soja e recebido inoculantes anteriormente. Solos brasileiros que nunca foram cultivados com soja não possuem populações nativas de rizóbio capazes de nodular a soja. Nesses solos, se a soja for plantada sem inoculação, não haverá formação de nódulos. Entretanto, após o plantio sucessivo de soja inoculada, ocorre o estabelecimento de populações da bactéria no solo. Por essa razão, quando a soja não-inoculada é plantada em áreas que já foram inoculadas anteriormente, ocorre a formação de nódulos nas raízes. Contudo, os resultados de pesquisa têm mostrado que é vantajoso inocular as áreas de produção de soja a cada safra e que os incrementos médios na produção de grãos giram em torno de 4% a 9%.
O feijão pode ser inoculado com rizóbio?
Pode. Entretanto, devido a uma série de fatores relacionados à bactéria, à planta e ao meio-ambiente, no feijoeiro, de modo diferente da cultura da soja, a inoculação com bactérias fixadoras de N nem sempre é suficiente para fornecer todo o N exigido pela cultura. Mesmo assim, vários resultados de pesquisa indicam que o feijoeiro pode se beneficiar consideravelmente do processo biológico, principalmente porque os inoculantes incluem estirpes mais eficientes. Em Latossolos de Cerrado, sob condições de sequeiro, trabalhos conduzidos na Embrapa Cerrados evidenciaram ganhos médios com a inoculação de 63 a 290 kg/ha, dependendo da cultivar.
Quando o feijoeiro é cultivado sob condições irrigadas, onde todo o investimento tecnológico é feito no sentido de maximizar o rendimento da cultura, geralmente o uso da inoculação não garante todo o N necessário para que tetos de produtividade sejam atingidos, sendo necessária a suplementação com adubação nitrogenada. Entretanto, trabalhos conduzidos no Distrito Federal, sob condições irrigadas, em um solo Gley Húmico de várzea sem populações nativas de rizóbio, reportaram ganhos de até 1.500 kg/ha em relação à testemunha não inoculada em cultivares responsivas à nodulação (esses ganhos foram semelhantes aos obtidos com 100 kg N/ha).
Também no Paraná, experimentos da Embrapa Soja apresentaram respostas expressivas do feijoeiro à inoculação, com ganhos médios de 450 kg grãos/ha, utilizando as estirpes de Rhizobium tropici CPAC H12 e CPAC H20. As produtividades obtidas com a inoculação foram comparadas a das plantas que receberam 60 kg de N/ha.
Atualmente, três estirpes de Rhizobium são autorizadas para a fabricação de inoculante comercial de feijão no Brasil, a CIAT 899 (ou SEMIA 4077), isolada pelo CIAT, na Colômbia; a PRF 81(ou SEMIA 4080), isolada no Paraná pelo IAPAR e pela Embrapa Soja, e que permitiu ganhos de até 906 kg/ha em relação ao controle não-inoculado nos trabalhos de seleção; e a CPAC H-12 (ou SEMIA 4088) isolada no Distrito Federal.
Pode-se afirmar que a FBN nessa cultura é realmente importante, pois se estima que mesmo as estirpes nativas podem contribuir com até 40% do N presente na planta. A adoção da técnica de inoculação com estirpes selecionadas pela pesquisa, aliada ao uso de cultivares melhoradas, técnicas de manejo integrado de pragas e doenças e de correção e adubação do solo poderá, no mínimo, duplicar a média de produtividade nacional a um baixo custo para o agricultor. Também é importante ressaltar que, tanto sob condições experimentais, como ao nível de fazenda, têm-se observado que os níveis de produtividade dos tratamentos inoculados e suplementados com N (doses de até 80 kg N/ ha) são superiores aos níveis de produtividade dos tratamentos onde somente se utiliza a adubação nitrogenada.
Além da soja e do feijão, quais as outras leguminosas que se beneficiam da inoculação com rizóbio?
A ervilha, lentilha, feijão-caupi, leguminosas forrageiras, arbóreas e de adubo verde. No caso da ervilha e da lentilha, a Embrapa Cerrados selecionou e lançou estirpes de rizóbio adaptadas às condições de Cerrado, capazes de substituir totalmente o uso de adubos nitrogenados nessas culturas, de modo semelhante ao que ocorre com a soja. Para o feijão-caupi, em trabalhos coordenados pela Embrapa Agrobiologia, a seleção de estirpes eficientes e adaptadas às condições regionais culminou com o lançamento da estirpe BR 3267, que possibilitou incrementos de produtividade de até 40% em condições experimentais e de até 52% nas áreas de agricultores experimentadores.
Em relação ao uso de leguminosas forrageiras, dados experimentais indicam que pastagens com uma composição botânica contendo, aproximadamente, 30% de leguminosas consorciadas com gramíneas seriam suficientes para manter a produtividade vegetal e animal, assim como a fertilidade do solo no longo prazo. Além de incorporarem N fixado simbioticamente, as leguminosas contribuem efetivamente para a produção e sustentabilidade dos sistemas de pastejo, especialmente em regiões com limitações ambientais.
A utilização de leguminosas arbóreas nos programas de recuperação de áreas degradadas é outro exemplo de sucesso onde a FBN tem papel de destaque. O uso de leguminosas nativas ou introduzidas, como Acacia spp., Albizia spp. e Mimosa spp., entre outras, em associação com bactérias diazotróficas selecionadas pela pesquisa e fungos micorrízicos, tem sido preconizado para a revegetação de solos depauperados, com o objetivo de restabelecer sua fertilidade.
No Brasil já existem inoculantes recomendados para gramíneas?
No Brasil, em 2009, foi lançado o primeiro inoculante para não- leguminosas, recomendado para as culturas do milho e do arroz e contendo bactérias Azospirillum brasilense selecionadas pela Embrapa Soja e pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Os fabricantes apontam um potencial para economia de até 50% na utilização de fertilizantes nitrogenados industriais pelo uso desses inoculantes e o lançamento de novos produtos comerciais para essas gramíneas, e o trigo é esperado para 2010.
Acredita-se que esse seja apenas o começo de uma série de inoculantes para plantas não leguminosas a serem comercializados no Brasil. A cana-de-açúcar, por exemplo, é naturalmente colonizada por bactérias fixadoras de N2, mas trabalhos recentes têm mostrado o potencial da inoculação dessas plantas com bactérias selecionadas pela pesquisa.
Como desdobramento dos resultados alcançados nesses estudos, a Embrapa Agrobiologia lançou um produto que vem sendo utilizado em áreas experimentais e avaliado em usinas produtoras de álcool e açúcar espalhadas pelo país. A princípio, a utilização da inoculação tem como principal impacto a substituição de parte do N utilizado na cana de primeiro ano. Os resultados têm mostrado que, com o uso do inoculante, cerca de 30 kg de N/ha/ano podem deixar de ser aplicados. A previsão é de que o inoculante esteja disponível brevemente para o mercado.
Além da nutrição nitrogenada, a inoculação com as bactérias fixadoras de N2 pode trazer outros benefícios para as plantas?
Além da FBN, a maioria dessas bactérias também é conhecida pela sua capacidade de produzir hormônios de crescimento das plantas. A produção dessas substâncias promotoras de crescimento pode estimular o aumento da densidade de pelos radiculares, da taxa de aparecimento de raízes secundárias e da superfície radicular. Esse incremento resulta em melhoria na absorção de água e nutrientes, aumentando assim a capacidade de a planta produzir e suportar estresses ambientais.
O que deve ser feito para obtermos ainda mais benefícios da associação entre as bactérias fixadoras de nitrogênio e as plantas?
As abordagens de pesquisa devem priorizar a realização de estudos que permitam o aprimoramento contínuo da FBN em plantas cultivadas. Assim, deve-se garantir que as novas variedades e cultivares estabeleçam associações mais eficazes com as bactérias. Em relação às estirpes, os programas de seleção devem continuar. Finalmente, é necessário dar continuidade ao desenvolvimento e à validação de novos inoculantes e tecnologias de inoculação, dos quais se pode citar como exemplos a inoculação no sulco, para a compatibilização com o tratamento de sementes com fungicidas e o enriquecimento das sementes em molibdênio, para garantir maiores taxas de FBN.
O investimento na pesquisa e difusão da FBN, por meio de estudos multidisciplinares e integrados, em áreas como microbiologia, ciência do solo, melhoramento de plantas, manejo de culturas, etc., pode trazer um grande benefício para o planeta, aumentando a produção de alimentos e reduzindo o uso de combustíveis fósseis, graças à diminuição do uso de fontes externas de fertilizantes nitrogenados.
BIBLIOGRAFIA E LINKS RELACIONADOS
MENDES, I. de C.; REIS JUNIOR, F. B. dos; CUNHA, M. H. da. 20 perguntas e respostas sobre fixação biológica de nitrogênio. Planaltina, DF: Embrapa Cerrados, 19p., 2010.