(Curadoria Agro Insight)
Olá pessoal do Agro!
Na curadoria Agro Insight de hoje, vamos falar sobre o mercado da carnes. Trouxemos um artigo publicado no portal CarneTecBrasil, de autoria do especialista Hudson Carvalho Silveira, Engenheiro Químico de Alimentos, com experiência de mais de 25 anos no setor de indústria de alimentos, comércio exterior, varejo, e-commerce e logística.
Em seu artigo, Silveira nos ajuda a entender o mercado de carnes, produção nacional, exportação, perspectivas e como o consumidor brasileiro está inserido nesse contexto.
ARTIGO
Muito já se falou da continentalidade deste nosso grande país, mais de 200 milhões de habitantes, somos a décima economia do mundo (2020), um dos maiores produtores de alimentos deste mesmo mundão em que todos vivemos. Na mesma ordem de grandeza, o Brasil lidera os volumes de exportação de vários itens do agronegócio, nenhuma novidade.
Poucos consumidores brasileiros, principalmente os de proteína animal, têm noção da sua importância para a indústria de alimentos brasileira. Pelo fato de o Brasil ser o maior exportador de vários itens do agronegócio, ele imagina que um “grande” percentual da produção vai para o mercado externo, correto? Aí vem a surpresa, não está correto. Em média, a exportação de carnes está por volta de 30% a 35% do volume da produção nacional, então a grande maioria é consumida pelo cliente interno, ou seja, pelos próprios brasileiros.
Os números atestam essa afirmação. No segmento de aves, os números da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) mostram que, em 2020, foram produzidas 13,84 milhões de toneladas de carne de aves. Quanto ao destino desse volume, entre mercado interno e exportação, foram de 69% e 31% respectivamente, com um consumo por volta de 45,3 kg/hab./ano. Nos suínos, pela mesma ABPA, a situação não é diferente. A produção do ano passado foi de 4,43 milhões de toneladas, com volume destinado ao mercado interno de 77% e exportado 23%, e um consumo per capita de 16 kg/ano. Nos bovinos, segue a mesma tocada, com a produção de total de2020 em 10,32 milhões de TEC (toneladas equivalentes em carcaça), onde 7,63 milhões de TEC foram destinados ao mercado local e 2,69 milhões de TEC foram para o exterior, ou seja, aproximadamente 74% mercado local e 26% exportação, com um consumo per capita em 36,4 kg/ano, segundo os dados da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec). Mesmo com toda a China comprando, ainda temos muito produto para os brasileiros consumirem, não vai faltar.
Quem mais ganha com essa liderança do Brasil na exportação de carnes somos nós mesmos, brasileiros consumidores. O benefício está no alto padrão de qualidade e de segurança que as indústrias produzem, o que qualifica o produto brasileiro a atender às exigências por países importadores. O consumidor brasileiro consome o produto produzido nas mesmas fábricas produtoras, muitas vezes também o mesmo produto que é exportado, usufruindo das mesmas especificações de cortes de clientes selecionados no exterior. Infelizmente, o consumidor brasileiro ainda não consegue ter essa percepção, mas ela é real.
Outra característica que a maioria do consumidor brasileiro não percebe, a total acessibilidade do produto em todo o território nacional de carnes bovina, suína e de aves, principalmente. O consumidor compra todos os cortes em qualquer cidade. A indústria consegue distribuir nos mais longínquos recantos do país o seu produto. Muitos consumidores em outros países não conseguem ter essa acessibilidade que o brasileiro tem no seu mercado. Claro que a pandemia expôs mais pessoas a consumir menos alimentos que estavam acostumadas, mas espero que a recuperação econômica do Brasil, mais a assistência social, possam trazer estes menos favorecidos ao mercado consumidor de carnes novamente, pois carne é saúde também.
Por outro lado, o consumidor brasileiro ainda não é bem entendido pela indústria frigorífica. Muitos ainda estão muito afastados das vozes das demandas dos seus clientes, seja qual o nível social a qual estes clientes pertencem. Os varejistas, o food service, os restaurantes, ainda são grandes interlocutores dos clientes com as indústrias. Isso acontece não só no Brasil, mas em todo o mundo.
Agora, existe um mercado crescente, que tem necessidades diferenciadas e que busca satisfazer suas necessidades de consumo. Essas necessidades vão além das demandas intrínsecas dos produtos, são preocupações quanto à origem do produto, com a interação dos produtores com o seu meio social, ambiental, com os cuidados com seus colaboradores e os impactos gerados pelo seu consumo e de quem produz na vida das pessoas e no seu ambiente, o famoso ESG (sigla que identifica os aspectos Econômicos, Sociais e de Governança nos negócios da empresa). Também existem empresas que querem atender esse mercado, buscar uma diferenciação, melhor rentabilidade, vender uma agregação de valor maior ou entrar em segmentos de mercado mais elaborados e menos competitivos para expandir seus canais de venda. Tudo isso vai exigir maior investimento em processos e pessoas qualificadas para realizar, além de resiliência. Ouvi-los e não buscar ganhos imediatos é a chave para se conquistar esses consumidores.
A geração Z está entrando no mercado com maior poder de compra, com maior exigência de ética, de sustentabilidade, bem-estar animal, além de outros fatores sociais nos produtos que consome. Ainda é um nicho, mas é um nicho de alto valor que cresce dia a dia, e que em breve será o mercado normal.
Nesta esteira de mudanças, a indústria não pode esquecer que, não só o mercado consumidor, mas também o de produção está em evolução. Na pecuária bovina, setor mais tradicional e conservador, a relação entre fornecedor e indústria frigorifica está em um processo de transformação. As mudanças são lentas, mas já são percebidas quando olhamos para os últimos dez anos. A redução da assimetria de informação, a entrada de nova geração no comando das fazendas, a intensificação do uso da tecnologia no campo, o pecuarista mais atento aos mercados consumidores finais, tudo isto traz nova dinâmica e novas relações de mercado entre os pares. No setor de aves e suínos, essa dinâmica é diferente, pelo uso do modelo de integração no processo de criação. Nesse sistema, a indústria tem uma participação mais ativa com os criadores no processo. Mesmo assim, existem desafios nas relações.
Como escrevi no mais recente artigo do blog, a pandemia trouxe uma nova dinâmica aos mercados externos servidos pelo Brasil, e eles podem se tornar grandes oportunidades ou ter um aumento significativo do desafio em manter as posições atuais de participação nestes mercados e, concomitantemente, de preços.
Como parte desses desafios, coloco por último, mas não menos importante, a estruturação das indústrias frigoríficas para poderem lidar com um ambiente de negócios cada vez mais complexo, inconstante, onde o gerenciamento dos riscos da operação se torna cada vez mais importante.
Para dar conta de tudo isso, a implantação de um sistema de governança vem se tornando cada vez mais importante para estruturar uma estratégia de longo prazo, mitigar riscos, atender às grandes demandas de ESG que estão na mesa. Um pilar importante para orientar toda a gestão a fim de superar os desafios diários da complexa atividade de produzir carne, trazendo maior segurança para alimentar o mundo.
Como se vê, veremos grandes mudanças acontecendo nestes próximos anos e o consumidor brasileiro só tem a ganhar com tudo isto, podendo se alimentar de forma saudável, saborosa e cada vez melhor.
Fonte: CarneTecBrasil