(Curadoria Agro Insight)
Hoje, na curadoria Agro Insight, o tema é a cadeia da carne bovina, e para tratar o assunto trouxemos a entrevista do Boletim CiCarne com a Fundadora e CEO do Território da Carne e Cofundadora do Programa C@rne 4.0, a Zootecnista Andrea Mesquita.
O Boletim CiCarne é uma iniciativa do Centro de Inteligência da Carne Bovina (CiCarne) – Embrapa Gado de Corte, no qual são disponibilizados dados e informações relevantes para a cadeia produtiva da carne bovina brasileira.
Entrevista: “Precisamos vender soluções de alimentação e não só quilos de carne”
1) Qual o maior gargalo na cadeia da carne bovina no Brasil?
R: Acredito que o maior gargalo na cadeia da carne bovina brasileira seja a falta de equilíbrio entre oferta e a demanda de produtos comestíveis oriundos do bovino. De um lado, um animal que oferece no mínimo 200kg de carne, com diferentes vocações conforme o corte, seu grupo muscular, composição de gordura, maciez, entre outras características e, de outro, a população brasileira, ainda pouco consciente desta grande variedade e ainda buscando uma pequena quantidade de porções – geralmente aquelas com os nomes mais conhecidos – causando um desbalanço na cadeia. Este fator tem provocado um superfaturamento nos cortes com maior demanda e certa desvalorização naqueles menos procurados, que acabam precisando ser vendidos por um preço igual ou inferior ao seu custo.
Poderia, então, resumir que o gargalo se deve principalmente ao fato de que nós – como mercado – ainda insistimos em vender “quilos de carne” ao invés de comercializar soluções para refeições, ou seja porções diversas, cada uma com sua especificidade, vocação e, consequentemente, com uma necessidade de preparo de acordo com suas características.
2) Como você avalia a Comunicação da cadeia da carne bovina com a sociedade?
R: Já ouviu aquela frase “vende o que ele quer, entrega o que ele precisa”? Pois bem, vejo que aqui no Brasil, nos restringimos a comunicar demais o “o quê” e não o “porquê” sobre a cadeia da carne bovina.
Sem distinção, quando falamos das formas de criação – falamos o “o quê” e no máximo o “como” fazemos.
Quando falamos sobre o abate dos animais, é a mesma coisa. Em se tratando da carne, a situação piora. Falamos sobre a raça, sobre o corte, sobre os atributos de qualidade, a forma de preparo, mas esquecemos de falar do porquê fazemos. A importância do alimento para a saúde e desenvolvimento da população, trazendo maior consciência sobre o todo e instigando as pessoas a pensarem muito além de sua realidade, fora de sua zona de conforto.
Sendo assim, vejo muita oportunidade em aprimorar nossa comunicação, agregando o porquê fazemos o que fazemos dentro da cadeia da carne e, claro, buscando – com isso – resolver um problema real da sociedade: a alimentação com qualidade.
3) Especialmente em relação às gerações mais atuais, parece haver ainda mais sensibilidade a alguns temas? Isso seria uma ameaça ao futuro da cadeia da carne bovina? Haveria algo a ser feito?
R: Definitivamente, há mais sensibilidade e não só com o tema consumo de carne. É uma geração que busca mais respostas. Quer entender a origem, questiona mais, critica, quer ser ouvida. As gerações atuais movimentarão o mercado nos próximos anos. Não vejo como uma ameaça e sim como uma grande oportunidade para aqueles que resolverem sair do campo, deixar a resistência e acreditar que, em geral, a solução está exatamente no mesmo lugar onde estão os problemas.
Sempre que me deparo com questões como estas, logo me posiciono dizendo: afinal de contas, se queremos o mesmo para o mundo, por que cada um de nós não faz sua parte, sem nos enfrentarmos e sim em um formato cooperativo e colaborativo?
Se há algo a fazer? Com certeza! Comecemos por ensinar o hábito de pensar e questionar na base, já na educação infantil. Depois, precisamos incentivar as pessoas a viverem com significado, independentemente do lado que defendem. Influenciar a prática da conversa, do diálogo de forma clara e respeitosa. Ao final de tudo isso, vamos perceber que quando a maré sobe, ela sobe para todo mundo e, se a cadeia da carne bovina melhorar como segmento, em organização, qualidade, tecnologia, produtividade, eficiência, bem-estar animal, aproveitamento e, consequentemente combate ao desperdício: vamos todos ter feito parte de algo muito maior.
4) Com relação ao desperdício de carne, há informações sobre como ele se distribuiria ao longo da cadeia?
R: A maioria dos países latino-americanos não possui informações consistentes sobre o desperdício de alimentos, quem dirá da carne bovina em particular. Isso é preocupante porque, sem dados, é impossível dimensionar o problema. Pesquisadores conseguiram reunir informações em sete pontos geográficos diferentes, pertencentes a apenas quatro países da América do Sul: Belize, Brasil, México e Colômbia.
De acordo com os resultados, Belize desperdiça 53 quilos por pessoa por ano, enquanto o Brasil, 60, o México, 94, e a Colômbia, 70 quilos. Considerando que 17% dos alimentos disponíveis no mundo são jogados fora, é de se esperar que isso tenha um forte impacto econômico, social e ambiental.
Quando pensamos em carne, para a qual uma enorme cadeia de produção e processamento é necessária antes de chegar à boca do consumidor, é importante lembrar que para cada pedaço de bife jogado fora, todos os recursos utilizados ao longo da sua jornada produtiva vão junto. E aqui cabe uma reflexão: carne boa, de qualidade superior e respeitando os atributos buscados pelo consumidor, dificilmente sobra no prato. Está aí mais uma responsabilidade interna da nossa cadeia produtiva.
Por outro lado, em termos econômicos, o desperdício de alimentos não afeta apenas o bolso do consumidor (pois ele está pagando por um produto que não está comendo), mas atinge também o mercado em geral. O aumento da demanda pelos produtos, impulsiona os preços para todos. Assim, reduzir as perdas poderia diminuir os custos de produção, pois o sistema se tornaria mais eficiente como um todo e todos sairíamos ganhando.
5) Com relação à qualidade da carne no Brasil, como estamos avançando?
R: É notável a evolução da qualidade de nossos produtos em comparação a outros países no mundo e em relação a nós mesmos no passado. Estamos reduzindo cada vez mais a área utilizada para produção de carne, aumentando a eficiência, conversão alimentar, qualidade do solo e, consequentemente, do pasto.
Entre 2018 e 2019, embarquei com o Território da Carne na Estrada – uma viagem pelo Brasil e pelo mundo – por meio da qual tive a oportunidade de visitar mais de 50 cidades brasileiras, do Norte ao Sul do país, além de países como Alemanha, França, Itália, Suíça, Inglaterra, Rússia, Uruguai e Estados Unidos, em busca de respostas sobre a cadeia da carne bovina.
Provei de tudo um pouco, de carne in natura ao modo dry aged (processo de maturação a seco), de embutidos à carne crua, temperados, condimentados. Conversei com os principais players do setor e – não que tenha me surpreendido completamente – mas me dei conta de que em termos de pessoas, metodologias, iniciativas, pesquisas, clima, solo, animais, indústrias, comércio, técnicas de preparo, educação e muitos outros atributos, o
Brasil tem condições de superar quaisquer destes locais que visitei no exterior, tanto em volume como em condições para entregar a melhor carne do mundo e este é só o começo!
6) Qual seu recado final para os leitores do Boletim CiCarne?
R: Leiam, estudem, questionem, critiquem, duvidem do status quo da sociedade em que estão vivendo.
Quando, há alguns anos, entrei no mercado da carne, tinha a sensação de que todos sabiam mais do que eu e pensava “por que será que isso é feito deste jeito?”. Com frequência concluía que – de certo – já havia sido testado e validado e que era a melhor forma.
Me sentia insegura em propor mudanças, melhorias, novas formas de fazer por sempre achar que já era algo conhecido. Chegava a pensar: “por que ninguém falou disso antes?” “Se era bom mesmo, por que ainda não tinha sido aplicado?” “Por que alguém iria querer me escutar com essas ideias mirabolantes sobre melhorar o cenário da cadeia?”
Com isso, meu recado vai para aquele ou aquela que sentiu seu chamado superior na cadeia da carne bovina, que não se iniba diante de práticas comuns que podem ser melhoradas. Sejam elas na comunicação, na pesquisa, na aplicação de tecnologias, na fazenda, no varejo ou mesmo em casa, promovendo mais conhecimento para a família e amigos. Se envolva, faça parte da mudança que quer ver. Eu fiz isso, eu faço isso e me orgulho demais dos resultados alcançados até aqui.
BIBLIOGRAFIA E LINKS RELACIONADOS
Boletim CiCarne nº 50 – Entrevista da Edição Comemorativa. “Precisamos vender soluções de alimentação e não só quilos de carne” Entrevista com Andrea Mesquita – CEO do Território da Carne